Britto: sensação de impunidade é que estimula crime no Brasil

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007 às 04:09

Brasília, 15/02/2007 – O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, ratificou hoje (15) que a saída para o problema da violência no Brasil não está relacionado à redução da maioridade penal e nem diretamente ao endurecimento das penas. “A história mostra isso. Durante a ditadura militar, chegou-se a estabelecer aqui a pena de morte, para coibir atos subversivos. E por isso acabaram os atos subversivos cometidos naquela época? Não. Porque não é a dureza da pena que desestimula o bandido, é a sensação de impunidade que o estimula”.

Para Britto, a solução passa pela existência de um Estado muito mais presente e participativo, fornecedor de saúde, educação e segurança e que iniba a sensação de impunidade, hoje evidente no país. “É isso que temos no Brasil: uma enorme sensação de impunidade. E não só para crimes de violência imediata, mas também para os que causam danos ainda maiores, como os crimes de colarinho branco e de desvio de verba pública. Endurecer a pena não resolve, não desestimula o crime”, afirmou o presidente da OAB ao conceder entrevista coletiva após visita à Câmara dos Deputados.

Como exemplo de que o Estado e suas forças de segurança estão distantes da população, o presidente nacional da OAB cita uma frase ouvida por todos no noticiário diário: “a polícia subiu o morro para enfrentar os bandidos”. “A polícia não tem que subir morro. Ela tem que estar no morro, lá dentro. O Estado tem que estar lá, como está presente nos melhores bairros do Brasil. Essa história de o Estado ter que subir morro é o exemplo mais claro de que estamos falindo no combate à violência”.

Ao ser questionado sobre a legalidade da proposta feita pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), de que cada Estado tenha autonomia para fazer a sua legislação penal, Britto afirmou que a sugestão não tem apoio legal, uma vez que é competência da União legislar sobre matéria penal. Além disso, Cezar Britto esclareceu que essa experiência, da legislação estadualizada, já foi tentada no passado no Brasil e não foi bem sucedida.

“Isso porque você pode trazer de volta uma cultura coronelística, uma cultura de espaços reservados em cada Estado”. Para o presidente da OAB, o problema da violência é nacional e, logo, deve ser tratado de forma global. “Vamos combater nacionalmente um problema que é grave e que atinge a todos os brasileiros”.

A seguir, a íntegra da entrevista coletiva concedida pelo presidente nacional da OAB, Cezar Britto:

P – A alteração na legislação penal é a solução para o combate ao crime no Brasil?
R – Para nós da OAB essa é posição mais cômoda. É achar que o problema da violência está no aumento da pena ou de legislação penal. Quando, na verdade, o problema da violência brasileira decorre de anos e anos de ausência do Estado. O Estado é ausente nas políticas sociais, nas políticas públicas, nas políticas de segurança e nas de saúde. Esse é o problema para o qual estamos alertando. Não somos contra a reforma penal. Somos contra transformar o Estado brasileiro em um estado policial, achando que somente punindo é que se acaba com a violência.

P – E com relação à redução da maioridade penal, o que a Ordem tem a dizer?
R – A OAB já se manifestou no passado contrariamente à redução da maioridade penal. Achamos até que poderíamos discutir uma modificação no período de internamento, inclusive, alertando para o fato de que o internamento não é sinônimo de carceragem, o que está acontecendo muito no Brasil. Temos vários internatos que são verdadeiros cárceres e estimulam o adolescente que está sob sua guarda a cometer mais crimes. O nosso Fórum – Fórum para Superação da Violência e Promoção da Cultura da Paz – vai discutir essa questão da maioridade inclusive. Não temos pré-conceito de discutir matérias. O que se está discutindo aqui e o que se quer evitar é achar que o Estado policial é o sinônimo do combate à violência.

P – Mas punir mais fortemente o menor que comete crimes não seria uma forma de tirar esses criminosos das ruas?
R – O exemplo do Rio de Janeiro, que nos comoveu e comove a todos pela barbaridade cometida, é a demonstração clara de que o aumento da idade penal não vai resolver, por si só, o problema da violência. E por que? Porque dos cinco supostos envolvidos no caso João Hélio, quatro já têm idade adulta. Ora, isso não impediu que se cometesse o crime, não impediu a barbárie. Então, com isso ficou demonstrado que não se trata da questão da idade. Não é isso que vai resolver o problema ou mudar a realidade brasileira. Temos quer exigir um Estado muito mais participativo e, para mim, o grande exemplo é aquela frase que todo mundo está acostumado a ouvir: a polícia subiu o morro para enfrentar os bandidos. A polícia não tem que subir morro. Ela tem que estar no morro, lá dentro. O Estado tem que estar lá, como está presente nos melhores bairros do Brasil. Essa história de o Estado ter que subir morro é o exemplo mais claro de que estamos falindo no combate à violência. A grande prova disso é o surgimento de milícias privadas, milícias que substituem o Estado, que julgam quem é ou não correto, quem está errado e punem, às vezes matando. Por isso é que temos que compreender que a violência é muito mais sinônimo da ausência do Estado do que da ausência de uma legislação penal mas eficiente.

P – O que o senhor acha da idéia do governador do Rio de Janeiro, de que cada Estado tenha autonomia para fazer a sua legislação penal. Isso é legal?
R – Não tem apoio legal porque é competência da União legislar sobre matéria penal. Nós já tivemos no passado essa experiência, da legislação estadualizada, que não foi boa. Isso porque você pode trazer de volta uma cultura coronelística, uma cultura de espaços reservados em cada Estado. O problema da violência é nacional. Atinge o Rio de Janeiro, atinge São Paulo, atinge o Amazonas e o Pará, logo, é preciso tratar o assunto de forma global. Vamos combater nacionalmente um problema que é grave e que atinge a todos os brasileiros.

P – O senhor acha que endurecer a pena impede os bandidos de cometerem um crime?
R – Não, não impede. A história mostra isso. Durante a ditadura militar, chegou-se a estabelecer aqui a pena de morte, para coibir atos subversivos. E por isso acabaram os atos subversivos cometidos naquela época? Não. Porque não é a dureza da pena que desestimula o bandido, é a sensação de impunidade que o estimula. É isso que temos no Brasil: uma enorme sensação de impunidade. E não só para crimes de violência imediata, mas também para os que causam danos ainda maiores, como os crimes de colarinho branco e de desvio de verba pública. Endurecer a pena não resolve, não desestimula o crime.

P – Por o senhor entende que não há um desestímulo ao cometimento de crimes?
R – Porque em todo o mundo o marginal não deixa de cometer crimes por causa da pena. Tomemos aqui o exemplo do Rio de Janeiro. São cinco envolvidos no caso João Hélio, sendo quatro adultos, que poderiam receber uma punição maior. E por isso deixou-se de cometer o crime? Não. O grande problema no Brasil é a impunidade, que é evidente. Ontem o presidente da Ajufe – Associação dos Juízes Federais – me disse que existem mais de 325 mil mandados não cumpridos no Brasil. Ora, essa é a prova de que existe a sensação de impunidade muito forte no Brasil, pois as pessoas não são punidas quando cometem um crime. Isso estimula a violência.

P – O que tem que ser feito então, na avaliação do senhor?
R – Não tem que haver uma solução só. Por isso nós criamos um Fórum. Pedimos ao Congresso Nacional que agende para nós uma audiência pública para tomarmos várias medidas, principalmente a de tornar o Estado muito mais presente para que o cidadão sinta a presença do Estado, sinta que é beneficiado com a oferta de saúde, educação e segurança. É preciso dar uma refundada no Estado brasileiro.

P – E essa refundação passa pelo quê? Por uma maior agilização da Justiça, por uma reforma no Estado?
R – É claro. Quando se fala em Estado, estou me referindo a todas as suas áreas: ao Judiciário, Executivo e ao Legislativo. Para a reforma do Legislativo, estaremos trazendo aqui, na próxima semana, uma proposta de reforma política, que também é uma forma de se melhorar o Estado. Quando se permite que a população participe das decisões e dos rumos de seu destino, por meio de referendos, plebiscitos e por projetos de iniciativa popular. São todas formas de se mudar. São instrumentos de reforma do Estado que podem fazer do Brasil um país muito melhor.