OAB de Santarém propõe o Decálogo da Cidadania

quinta-feira, 18 de maio de 2006 às 09:20

Belém (PA), 18/05/2006 – Ao falar hoje (18) em nome dos quinze presidentes de Subseções da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Pará, o presidente da Subseção de Santarém, Rodolfo Hans Geller, afirmou que a sociedade civil brasileira está cansada de tantos escândalos e propôs o lançamento imediato de um Decálogo da Cidadania. Segundo ele, é hora do país dar um não ao nepotismo, à corrupção, ao servilismo, à opressão, ao abuso do poder, à compra de votos e de parlamentares, à exclusão social, à marginalização, à discriminação e à violência. A proposta ganhou, imediatamente, o apoio dos presidentes nacional da OAB, Roberto Busato, e da Seccional do Pará, Ophir Cavalcante Junior.

Segue a íntegra do discurso feito pelo presidente da Subseção da OAB de Santarém:

Coube-me a honra, o privilégio e também a responsabilidade, por designação de nosso Presidente Dr. Ophir Cavalcante Júnior, de dirigir-lhes a palavra nesta ocasião tão importante, e o faço em nome de todos os Presidentes e demais dirigentes das Subseções da Ordem dos Advogados do Brasil, no Estado do Pará.

De forma que inicio esta breve oração agradecendo, com humildade, a distinção que me foi deferida.

O tempo de que disponho é curto diante da enormidade de temas e assuntos que, necessariamente, deveriam ser abordados em ocasião tão singular. Buscarei ser breve ao expressar as idéias.

No âmbito das finalidades institucionais vemos a OAB com forte e marcante atuação, desde a intransigente defesa da Constituição, da ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos fundamentais e da justiça social, até o aperfeiçoamento das instituições jurídicas. As lutas nestes campos desejam fortalecer a democracia e a cidadania, pilares do Estado de Direito. A democracia busca aperfeiçoar os processos de legitimação do poder com maior participação popular nas decisões. Já a cidadania deve de ser compreendida em dois sentidos: a) o restrito e técnico, significando basicamente o exercício dos direitos políticos; b) o amplo e aberto, representando o exercício de outras prerrogativas de natureza constitucional, surgidas como decorrência lógica do Estado Democrático e Social de Direito (José Afonso da Silva). Neste último sentido a atuação da OAB parece-me ter maior relevância social e jurídica, tendo em vista que os assim chamados “direitos da cidadania” passaram a ter ampliada dimensão, compreendendo “todos aqueles relativos à dignidade do cidadão, como sujeito de prestações estatais, e à participação ativa na vida social, política e econômica do Estado” (Francisco Gerson Marques de Lima).

Oxalá pudesse a OAB exigir medidas e ações do Estado para conferir um mínimo de dignidade e direitos fundamentais a todas as pessoas deste imenso e desigual país. Impõe-se edificar a cidadania como a plenitude da liberdade, o ápice das possibilidades da atuação individual, o grau mais elevado de promoção dos direitos fundamentais, na permanente construção e restauração da dignidade humana.

No fundo, é para isto que todos nós, que fazemos a OAB, lutamos, concretizar os direitos de igualdade e de solidariedade em cada proposta, ação, gesto e atitude. Eis um pouco de motivos porque pregamos e praticamos, em alto e bom som: não ao nepotismo, não à corrupção, não ao servilismo, não à opressão, não ao abuso do poder, não à compra de votos e de parlamentares, não à exclusão social, não à marginalização, não à discriminação, não à violência, etc., etc..

Esta contribuição ao Estado, à nação e ao país, conquanto tenha um nível de compromisso ampliado, superlativo mesmo, não pode e não deve reduzir, afastar e nem desviar o foco da atuação firme da OAB no âmbito da advocacia e do advogado. As competências e as atribuições da OAB na gestão da advocacia brasileira não podem ser transferidas a ninguém. Aqui as instituições da sociedade civil, o Judiciário e principalmente o jurisdicionado esperam muito da Ordem. As queixas, as demandas, os problemas e as exigências são de diversos matizes, reclamando conjugado esforço para atendê-los e superá-los. Neste momento de mudança de paradigmas, de surgimento de novos valores, de amplo questionamento sobre a eficácia e efetividade das respostas fundadas exclusivamente na filosofia antropocentrista e no liberalismo positivista, de distinções cada vez mais claras entre lei, direito e justiça, cabe a indagação interna: como está e para onde vai a advocacia brasileira? Quais as principais funções dos advogados e advogadas no Terceiro Milênio? O que o Judiciário e a sociedade civil esperam de nós?

Começo focando o motivo e causa desta reunião: as Subseções da OAB. Não vejo como deixar de falar da importância de que se revestem as Subseções na estrutura administrativa da Ordem dos Advogados do Brasil; dos problemas enfrentados no dia a dia por seus dirigentes; da necessidade do estabelecimento de uma agenda comum para os enfrentamentos que se apresentam, em especial no relacionamento com os poderes constituídos; como também, da questão que diz com sua autonomia administrativa e financeira. As subseções não têm renda própria para manter suas obrigações e serviços mínimos, dependendo em tudo das Seccionais. Só a boa vontade do Presidente, Diretoria e Conselho Seccional do Pará permitem alguma autonomia nessa área (e aqui falo em relação a Subseção de Santarém).

Administrar uma Subseção é uma grande escola do exercício diário de enfrentamento dos mais variados problemas, decorrentes de nossa fatigante e sempre disponível atividade profissional. Tenho absoluta certeza de que o eminente Presidente do nosso Conselho Federal sabe muito bem o que pretendo externar. Como ex-Presidente de Subseção passou, certamente, pelas questões com que hoje nos deparamos constantemente, tais como:

o desrespeito às prerrogativas profissionais, destacando-se a limitação do acesso de advogados a inquéritos e autos de processos;

não recebimento de advogados por parte de desembargadores, juízes, procuradores, etc., ou então exigindo prévio agendamento de dia e hora, como se o advogado lá fosse tratar de seu particular interesse;

elevada inadimplência em relação às anuidades e outros preços da ordem;

estagiários inscritos na OAB, já bacharéis em direito, que passam a advogar por não terem logrado êxito no exame de ordem;

falta de juízes e de promotores públicos nas comarcas;

falta de juízes para adequado funcionamento dos juizados especiais de pequenas causas;

falta de delegados de polícia e de condições adequadas para promoção da segurança pública;

aumento de violações ético-disciplinares por parte dos advogados;

problemas decorrentes da falta de reciclagem e atualização técnica de advogados;

falta de adequada assistência e de previdência complementar para proteção do advogado e família;

desrespeito ao livre exercício da profissão sob a inconsistente justificativa do sigilo, o que tem ocorrido no conselho tutelar e no inquérito civil;

escuta telefônica, invasão de escritórios e até prisão de advogados;

recolhimento de advogados detidos por suspeita de participação criminosa em celas comuns;

problemas com a administração penitenciária, onde as comissões de direitos humanos denunciam violações cada vez mais graves, etc. etc.

Estes e outros pontos importantes são fundamentais para o fortalecimento do exercício da profissão do advogado, para prestígio e dignidade da advocacia. Precisamos cuidar das atribuições de casa, dispensar especial atenção aos filiados, fortalecer práticas em defesa das prerrogativas, participar mais direta e ativamente da administração do Judiciário e da Justiça, enfim, responder e corresponder adequada e prontamente ao jurisdicionado, razão de ser de nossa profissão. Para isto, o advogado precisa instrumentar-se técnica e eticamente, estudar as novas teorias, atualizar-se com os novos fundamentos e valores constitucionais.

O advogado também precisa saber usar os modernos equipamentos técnicos, em especial o computador, para não ser um estranho no ninho das novas tecnologias e poder então utilizar os avanços da ciência para otimizar os processos de distribuição de justiça e os resultados práticos no campo do direito. as Subseções precisam ter condições de promover cursos de atualização, em conjunto com a ESA, procurando alternativas viáveis para motivar a participação dos advogados. temos ouvido que juízes, ministério público, advocacia pública e a defensoria pública têm realizado constantes cursos para atualização de seus membros, de caráter obrigatório e vinculativo para promoções e carreira nos órgãos. A advocacia privada está em débito e precisa correr para não ficar para trás nestes pontos.

Essas medidas tendem naturalmente a desencadear ações de valorização do advogado e da advocacia privada. Não obstante, tenho para mim que se mostra oportuna e mesmo necessária campanha nacional de valorização do advogado, diante de ataques indevidos por parte de integrantes de poderes constituídos, que agridem a todos nós por conta da conduta de maus profissionais. Também existem maus juízes e promotores (e em todas as profissões), mas nem por isto a OAB tem criticado indistintamente todos os integrantes dos órgãos.

É preciso razoabilidade e ponderação nas manifestações, devendo a OAB estar atenta para repudiar e mesmo demandar os que atentam de forma irresponsável contra o advogado e a advocacia brasileira. As Subseções precisam de apoio nas Seccionais e no Conselho Federal para essa árdua missão.

Sem as prerrogativas profissionais o advogado é pequeno diante dos problemas e dramas sociais das pessoas que procuram o socorro e o apoio dos seus serviços. Serão privilégios, como levianamente sugerem alguns? Não, seguramente não. Serão então direitos dos Advogados (arts. 6º e 7º, Lei nº 8.906/94)? A resposta é de Paulo Luiz Netto Lobo: “prerrogativas são gênero das quais os direitos do advogado são espécies”. Aduz que “prerrogativa profissional significa direito exclusivo e indispensável ao exercício de determinada profissão no interesse social”. Qualifica-as como direito-dever, configurando condições fundamentais ao exercício da advocacia. Mais que direitos, são escudos que beneficiam quem o advogado defende, tantas vezes claro dever e responsabilidade, indispensáveis à realização da Justiça como valor social.

Aqui, exatamente aqui está a força e o vigor do advogado e da advocacia, condição mínima indispensável ao pronto e adequado atendimento das funções de nossa profissão aos jurisdicionados. as Subseções estão travando luta titânica em certos fronts, como por exemplo, a resistência de alguns promotores públicos que não aceitam a presença do advogado em depoimentos no âmbito do inquérito civil; os conselheiros tutelares que relutam em permitir que os advogados acompanhem pessoas acusadas de violações de direitos ou interesses de menores, chamadas no conselho tutelar. sob esse ponto, merece elogios a atuação da Seccional do Pará, que realizou a III Conferência Estadual em 09/05 com destacada abordagem sobre as prerrogativas. mas o arbítrio não cessou; é preciso vigilância.

Impõe-se repudiar as indiscriminadas interceptações telefônicas de escritórios de advocacia. Sob a desculpa esquálida do auxílio às investigações de crimes violam claramente as prerrogativas dos advogados. Vão mais além, invadem escritórios como a dizer para a sociedade que ali se praticavam crimes, quando, na verdade, o compromisso do advogado é com a ampla defesa, seus meios e recursos, constitucionalmente garantidos, e não práticas ilícitas. Nessa trilha, em pouco tempo estarão colocando grampo no confessionário para ouvir a confissão dos fiéis ao padre. É necessário ficar clara a distinção entre advogado e cliente. quando o advogado comete um crime, deve responder por ele na forma da lei. mas não é possível concordar com aqueles que põem no mesmo saco os advogados criminalistas e os criminosos, como se fossem parceiros ou cúmplices de ilícitos. O advogado e a advocacia merecem respeito. Para isto, urge tornar crime a violação das prerrogativas do advogado, a fim de poder responder aos abusos.

Julgo relevantíssimo algumas palavras sobre os processos ético-disciplinares. Os maus advogados parecem aumentar, pondo em sério risco o conceito, o nome e a dignidade de todos nós. O advogado que rouba o dinheiro de seu cliente violando gravemente os deveres profissionais e a confiança depositada pelo jurisdicionado por meio do mandato precisa resposta imediata da OAB. Quando os fatos gritam, a demora na reação da Ordem parece corporativismo mal-são, jamais verbalizado pela Instituição, não obstante práticas tortas e equívocas de alguns relatores de processos ético-disciplinares, afeiçoados aos Embargos de Gaveta. A sociedade e os jurisdicionados esperam da OAB suspensão preliminar dos advogados que, comprovadamente, se apropriaram de dinheiro de seus clientes. Não basta ser ético e sério internamente, são necessárias medidas concretas que externem esse proceder, tal qual a mulher de César. As Subseções pedem que o TED oriente o procedimento e acate os pedidos de suspensão preliminar dos maus advogados, dando resposta efetiva e eficaz aos reclamos sociais. Com medidas como ésta é que elevaremos o prestígio e a dignidade da advocacia.

Teria ainda assuntos a tratar e comentar, mas já me estendi demais. Fortalecer o Exame de Ordem me parece necessário, ao mesmo tempo em que impõe-se discutir fundamente o ensino jurídico. O Conselho Federal precisa avaliar e disciplinar melhor a questão dos Estagiários de Direito, a fim de que não consigam advogar quando, já bacharéis, malograrem no Exame de Ordem. O exercício ilegal da profissão de advogado também deve ser tornado crime, como já o é a prática de qualquer outra profissão jurídica (juiz, promotor, defensor, etc.). Como simples contravenção não pode ficar, pois praticamente nada ocorre com aquele flagrado exercendo ilegalmente a advocacia. O jurisdicionado vê que nada acontece com quem age ilicitamente, e isto depõe contra todos os advogados e a advocacia.

Por derradeiro quero cumprimentar a Seccional do Pará e o Conselho Federal pelo avanço na instalação de salas de apoio aos advogados nos diversos órgãos de atuação do advogado. Esta medida certamente trará bons frutos a curto prazo, fortalecendo o processo de atendimento do jurisdicionado e de distribuição da justiça. Muito temos feito, mas há tantas coisas por fazer. Juntos e unidos haveremos de vencer as dificuldades, fortalecendo sempre a atuação das Subseções, que têm contato direto e cotidiano com os advogados.

Agradeço a atenção e mãos a obra.