Subseções da OAB da Bahia relatam quadro caótico do Judiciário

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006 às 07:03

Brasília, 16/02/2006 – O caos que se instalou na Justiça do Estado da Bahia, frente à crônica insuficiência de juízes e serventuários e deficiências estruturais e materiais de toda ordem, é fato notório há tempos denunciado pela Ordem dos Advogados do Brasil e que será inclusive investigado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que anuncia para os próximos dias uma visita ao Estado de seu presidente, ministro Nelson Jobim, para verificar a caótica situação do Judiciário in loco. A dramaticidade da situação vivida pela Justiça da Bahia é reforçada nos relatos dos presidentes de sete Subseções da OAB em importantes municípios daquele Estado – Bom Jesus da Lapa, Itaberaba, Juazeiro, Serrinha, Irecê, Itamarajú e Santa Maria da Vitória – que estiveram acompanhando a última sessão do CNJ, na terça-feira (14). Um dos casos mais rumorosos foi revelado pela presidente da Subseção de Itamarajú, Sandra Bastos Pereira: “O quadro de Itamarajú, hoje, é um quadro muito difícil, porque tivemos uma magistrada que era da Vara Cível na comarca e que permaneceu de licenças reiteradas por quase três anos. Foram duas licenças maternidades praticamente seguidas e outras licenças médicas. E nesse período o Tribunal de Justiça da Bahia jamais mandou qualquer juiz substituto ou juiz auxiliar”.

A ida de Jobim à Bahia é o resultado de um pedido da inspeção no Judiciário baiano apresentado recentemente pelo presidente da Seccional da OAB naquele Estado, Dinailton Oliviera. Ele será acompanhado na visita pelo corregedor-geral daquele órgão de controle externo, ministro Antonio de Pádua Ribeiro, além de dois conselheiros do CNJ e do presidente nacional da OAB, Roberto Busato. Os relatos dos presidentes das Subseções da OAB-BA confirmam a precariedade do funcionamento do Judiciário baiano e as sérias deficiências no atendimento à população, a mais prejudicada em todo esse quadro.

A seguir, a íntegra dos relatos dos presidentes das Subseções da OAB da Bahia que estiveram em Brasília, juntamente com Dinailton Oliveira, acompanhando o julgamento do seu pedido no CNJ:

Edvaldo Ramos de Araújo (OAB de Bom Jesus da Lapa) – “Bom Jesus da Lapa está a 900 quilômetros da capital, mas, lá, nenhum juiz quer permanecer. A maioria dos juízes vem designado, mas acaba indo morar em Salvador. Nossos problemas começam aí, pois os juízes, quando são designados, já chegam pensando em ir embora. Ultimamente, o problema se agravou, pois estamos há mais de um ano sem juiz na Vara Crime. Só para exemplificar, a primeira substituta para a Vara está em Bom Jesus da Lapa há três anos, mas se trabalhou dois meses foi muito. Inicialmente, quando tomou posse, ela passou dois meses fazendo inspeções. Como estava grávida, logo em seguida saiu de licença-maternidade. Terminada a licença maternidade, a juíza entrou em férias e, concluído o período de férias, já estava grávida novamente. Como, segundo ela, se tratava de uma gravidez de risco, veio outra licença. Por conta disso, estamos até hoje sem juiz titular da Vara Crime. Vamos para o segundo substituto, que é de Riacho de Santana, a 70 quilômetros de Bom Jesus da Lapa e cuja estrada é tão ruim que leva duas horas para chegar. Ele nunca foi à comarca de Bom Jesus da Lapa como segundo substituto e diz que não vai. Quem precisa de um despacho tem que se servir de veículo próprio e levar um oficial do cartório até ele, em Riacho de Santana. Imagine o sacrifício. Só para se conseguir um alvará em Bom Jesus da Lapa leva-se cerca de três anos. Já nos reunimos, já reclamamos, apresentamos um dossiê ao presidente do Tribunal da Bahia, mas não houve resposta. Quanto aos serventuários, foi aberto um concurso público, mas, lamentavelmente, as vagas não são preenchidas. A única que funciona rapidamente é a Justiça do Trabalho, que atende 23 municípios e tem oito servidores. Já a Justiça comum, que atende somente três municípios e possui 38 servidores, é emperrada. Uma verdadeira situação de calamidade. Precisamos urgentemente de um juiz para a comarca, ainda que provisório. Isso porque temos conflitos seríssimos, inclusive de desavenças e de mortes, uma vez que cada um decidiu fazer a sua própria justiça. Ninguém acredita mais na Justiça da Bahia”.

Ilson Azevedo Oliveira(OAB de Itaberaba) - “A situação do Judiciário baiano já é de conhecimento público. Ninguém está inovando ou reclamando de uma situação que a sociedade já não conheça, que a sociedade já não sinta. Na Bahia, o Judiciário vive um momento terrível e em Itaberaba não é diferente. Apesar de termos as três varas ocupadas com juízes e promotores, são profissionais que, infelizmente, não conseguem dar conta do imenso volume de processos que chegam todos os dias. Como resultado, temos uma Vara de Família que não se consegue realizar uma audiência de alimentos dado o volume de trabalho. Estamos reivindicando principalmente uma melhor estrutura para o Judiciário, melhor condução por parte do Tribunal de Justiça do Estado e por uma nova lei de organização judiciária, já que a nossa está caduca. A legislação que rege o Judiciário baiano está ultrapassada. Não atende às necessidades, ao dinamismo e ao crescimento da procura por Justiça por parte da sociedade baiana. Estamos parados por conta de uma lei retrógrada e que não traz avanço ou condições de melhorias para o Judiciário”.

Edna Maria Sampaio Mello (OAB de Juazeiro) - “Os juízes estão muito descompromissados. Não só em Juazeiro, mas naquela região todinha. Por exemplo, o de Remanso leva quatro meses para dar um despacho num mandado de segurança. A juíza da Vara Criminal de Casa Nova está grávida e apresenta com atestado atrás de atestado. Em Juazeiro, os juízes tratam os advogados como se fossem ladrões, nesses termos mesmo. Se recusam a entregar os alvarás aos advogados. Lá, o alvará é entregue à parte, o que fere a legislação. Outro problema é a falta de atenção dos juízes para o conteúdo dos processos. Não prestam atenção no que está ocorrendo e, muitas vezes, encerram um processo sem julgamento da sentença, extinguindo o processo sem julgamento feito. Apesar de termos cinco juízes, nossa situação é muito ruim. São várias as Subseções da OAB que reclamam dos problemas da Justiça e digo mesmo: a situação do advogado está feia na Bahia. Aliás, está péssima, feia é brincadeira. A gente não ganha dinheiro porque os processos não têm andamento. Quando andam, os juízes os extinguem sem julgamento no mérito e ficamos em maus lençóis para com as partes, os nossos clientes. Ninguém acredita mais no Judiciário. Nem nós, advogados, nem os cidadãos, que passaram a fazer justiça com as próprias mãos”.

Heusa Régia de Araújo Silva (OAB de Serrinha) - “O Judiciário baiano está deixando a desejar há muito tempo. Em 1980, foram designados dois juízes para Serrinha. Àquela época, nossa população era a metade da atual, em torno de 68 mil habitantes. Hoje, temos de 130 a 150 mil habitantes e continuamos com os mesmos dois juízes. Para piorar, há dois anos e meio, o juiz substituto teve de deixar o cargo porque responde a um processo administrativo. Desde então, estamos com um único juiz atuando na Vara Crime. Também ficamos seis meses sem juiz na Vara Cível. Agora, uma juíza da Vara Crime passou a dar um subsídio à Vara Cível, mas ela não tem condições de ajudar, uma vez que existem em torno de 25 mil processos tramitando no Juizado criminal e cível. A demanda judicial só aumenta. Para se ter uma noção, em 1982, tínhamos a entrada de 93 processos por ano. Em 2005, foram 1.500 processos, só na área cível. Sem juízes, os processos ficam parados e os advogados passam sérias necessidades, principalmente quem está começando. Ficamos desacreditados porque as partes não entendem, acham que somos nós quem não damos andamento aos processos. É uma situação constrangedora. Temos três juízes auxiliares no papel, mas, de fato, nenhum. Há uma juíza que passa em Serrinha de 15 em 15 dias, pega quatro processos para despachar e devolve na próxima quinzena. Para quem tem 25 mil processos tramitando, quatro processos julgados por quinzena é inviável. Na verdade, os advogados de Serrinha já estão pensando em se mudar. Isso porque, lá, estamos sem condições de trabalhar e de sobreviver”.

Edivaldo Martins Araújo (OAB de Irecê) - “A Subseção de Irecê tem uma jurisdição de 20 municípios, 14 comarcas. No que tange ao provimento de juízes, estamos relativamente bem, porquanto apenas duas comarcas de primeira entrância estão sem provimento. Todas as demais têm juízes. Mas nós carecemos muito de serventuários, porque ao longo dos últimos vinte anos, somente no ano passado tivemos um concurso para serventuário. E, também, materialmente falando, enfrentamos várias deficiências. Enfim, são deficiências que, de resto, atingem o Judiciário da Bahia inteira. O baiano costuma até brincar com a gravidade da situação, ao dizer que no Brasil nós temos três tipos de Justiça: a boa, a ruim e a da Bahia. Isso demonstra a nossa Justiça tem sido sui generis, ao longo do tempo. E, infelizmente, os jurisdicionados, que são os destinatários do Poder Judiciário, da Justiça, ficam completamente necessitados, principalmente no interior. Para se ter uma idéia, até recentemente, ou há seis meses, nessas 14 comarcas da área da Subseção de Irecê nós tínhamos apenas 3 possuíam informatização. Todas elas ainda funcionavam com aquela máquina de escrever de 50 anos atrás, onde nem a fita para ser reposta possuíam. Hoje, as comarcas já estão, de certa forma, estruturadas materialmente mas ainda deixam muito a desejar, porque ao longo do tempo a Justiça da Bahia não foi priorizada. Ela deixou de ser priorizada por parte das nossas autoridades, sem que houvesse concursos para juízes, sem que houvesse concursos para serventuário, sem que houvesse a infra-estrutura material, de modo a proporcionar ao cidadão um serviço adequado. Em Irecê, temos problemas, mas estamos avançando. Mas ainda há muita deficiência, por falta de infra-estrutura material e humana que deixou de ser provida, ao longo de décadas, na nossa região e em todo o Estado da Bahia”.

Sandra Bastos Pereira (OAB de Itamarajú) - “A Subseção de Itamarajú compreende duas comarcas, senado a própria sede de Itamarajú e Prado. O quadro de Itamarajú, hoje, é um quadro muito difícil, porque tivemos uma magistrada que era da Vara Cível na comarca e que permaneceu de licenças reiteradas por quase três anos. Foram duas licenças maternidades praticamente seguidas e outras licenças médicas. E nesse período o Tribunal de Justiça da Bahia jamais mandou qualquer juiz substituto ou juiz auxiliar. Curioso também é quando nos dirigimos à Presidência do TJ a informação foi de que havia na sua relação os juízes auxiliares e substitutos para Itamarajú. Mas era só no papel, pois, na verdade, não tínhamos acesso a esses juízes porque eles na comarca não compareciam. A comarca de Prado, por exemplo, está sem nenhum juiz, nenhum mesmo. Em Itamarajú, essa magistrada da Vara Cível das reiteradas licenças de três anos, só retornou agora. Mas em que consiste o trabalho da magistrada? Ela tem uma imensa dificuldade de receber advogados, ela determina dia e hora para que o advogado possa se dirigir a ela. E os despachos só funcionam quando os advogados, com os processos embaixo do braço, imploram um despacho. Enquanto isso, os processos vão se acumulando. Estamos agora mesmo com a Vara Criminal sem juiz, porque a Juíza saiu de licença-maternidade e o Tribunal não determinou ainda nenhum juiz auxiliar que permaneça na comarca. Então, de uma certa forma, todos os juízes substitutos e auxiliares - que estão designados, entre aspas, nós poderíamos dizer assim - para a Subseção de Itamarajú e suas duas comarcas (Prado e Itamarajú), não comparecem às comarcas. E os advogados precisam correr realmente atrás do juiz, numa verdadeira luta de humilhação do profissional. E fica aquele círculo pernicioso: a parte cobra do advogado, o advogado cobra do juiz e não tem resultado. Além disso, há a questão de toda a estrutura física do Judiciário precaríssima, sem computadores, sem espaço, sem serventuários. Muitas vezes, durante a audiência, a impressora está quebrada, não tem o cartucho, e essas dificuldades estruturais de toda ordem. Por exemplo, a comarca de Caravelas - uma comarca que pertence à subseção de Teixeira de Freitas, que, inclusive, é da atuação dos advogados também de Itamaraju, porque é tudo próximo - temos processos com iniciais lá, ajuizadas, que têm 10 meses sem nenhum despacho. As iniciais estão lá nas prateleiras e são ações de alimentos, são ações que requerem despachos imediatos e que não têm a devida atenção e a devida responsabilidade dos magistrados. Gostaríamos de dizer, também, que essa questão dessa crise do Judiciário baiano, ela se arrasta há muitos anos, não é novidade. E não é falta de nós reivindicarmos, não é falta de irmos ao Tribunal. Lá em Itamarajú, mesmo, os advogados já fecharam o Fórum. Nós tivemos que fechar o Fórum num dia de protesto, porque não admitimos mais a situação em que se encontra a comarca de Itamarajú, a comarca de Prado e as comarcas vizinhas. Então, é uma calamidade, é uma questão séria e nos parece uma responsabilidade tanto do Tribunal de Justiça da Bahia como do estado da Bahia. Porque, de qualquer maneira, é atenção ao jurisdicionado e é o direito do acesso à Justiça que não está sendo observado, que não está sendo cumprido, no estado da Bahia. É lamentável. As denúncias têm sido feitas de toda sorte, a todos os órgãos, e o clamor dos advogados é geral. Todos os advogados baianos têm esse clamor para que a Justiça da Bahia se reestruture, se modifique e atenda e cumpra a sua responsabilidade”.

José de Sousa Lisboa (OAB de Santa Maria da Vitória) - “A Subseção de Santa Maria da Vitória se compõe de 13 municípios e, desses, são comarcas: Santa Maria da Vitória, Cocos, Coribe, Correntina, Santana e Serra Dourada. Então nós temos, aí, seis comarcas, algumas delas englobando mais de um município, como é o caso de Santa Maria da Vitória, que é a comarca que congrega os municípios de Santa Maria e São Félix do Coribe. Na comarca de Santa Maria da Vitória, temos uma comarca de dois juízes. Ambos são juízes probos e não temos o que reclamar com relação à licitude dos seus trabalhos. O que temos a reclamar é, realmente, a questão da morosidade. Todos os dias eu recebo reclamações dos colegas, se queixando da paralisação dos serviços do Cível. Essa é a situação em Santa Maria da Vitória. Temos também dois Promotores de Justiça, que estão trabalhando com o devido cuidado. Já nas outras comarcas da região, da base territorial da Comarca de Santa Maria da Vitória, temos problemas em Serra Dourada. Eu até recebi agora, recentemente, o relatório do Juiz de Serra Dourada, relatando para nós, da OAB, a série de deficiências existentes naquela comarca. Não só com relação à estrutura do Fórum, ao número diminuto de funcionários como, também, com relação à segurança pública do município. Eu reputo que atualmente, na base territorial da Subseção da OAB de Santa Maria da Vitória, o problema mais grave é o de Serra Dourada. Com relação a Coribe, que é uma comarca que está com um volume de trabalho considerável, nós estamos necessitando lá da construção de um Fórum. Recentemente, há duas semanas, inauguramos o Fórum de Cocos, que era uma comarca sofrida, que ficou longos anos, dezenas de anos sem juízes. Agora temos uma juíza titular e tivemos, há duas ou três semanas, a inauguração do Fórum, por sinal um prédio muito bom. Já Jacoribe, outra cidade, não tem fórum. A comarca de Correntina precisa de um novo Fórum, porque o Fórum de lá não está atendendo mais às necessidades. Então são essas, na verdade, as principais questões, as principais deficiências de lá, da Subseção de Santa Maria da Vitória”.