OAB e dezenas de entidades se unem contra corte de orçamento da saúde

terça-feira, 09 de agosto de 2016 às 04:39

Brasília – A audiência pública “A Saúde na UTI”, realizada pela OAB Nacional nesta terça-feira (9), reuniu dezenas de representantes de entidades, secretários estaduais e municipais, ministros de Estado e demais representantes do governo federal, dos Estados e dos municípios. Na pauta, a luta pelo financiamento da saúde pública e estratégias para barrar o corte orçamentário. Os participantes assinaram termo conjunto a ser levado ao governo federal e ao Congresso.

O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, saudou a união de tantos agentes em prol de um assunto tão importante. “Este ato é de extrema importância e conta com a OAB e mais de 40 entidades representativas da área da saúde. Temos que celebrar a democracia e o compromisso das instituições com a saúde, estando cientes da responsabilidade que temos. Falar sobre saúde é falar sobre vida e cidadania”, afirmou, ao abrir os trabalhos.

Participaram da audiência pública, entre outros, os ministérios da Saúde e do Planejamento; Conselho Nacional de Justiça; Ministério Público; CNBB; Conselho Nacional de Saúde; Conselho Federal de Medicina; Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas; Conselho Nacional de Secretários de Saúde; Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde; Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde; e Federação Nacional dos Enfermeiros.

Segundo Lamachia, a OAB, como defensora da sociedade e da cidadania, rechaça qualquer tentativa de cortes no orçamento da saúde ou qualquer forma de contingenciamento de recursos, como o discutido no âmbito da PEC 241, assim como demonstra preocupação com a ideia de se lançar planos de saúde com cobertura reduzida.

“A OAB está imbuída com o propósito de contribuir, sempre de forma a trazer sugestões e críticas com o que entendemos ser necessário. Deixo clara a posição da instituição: a OAB não é do governo nem da oposição, mas do cidadão e da advocacia. Não nos envolvemos com paixões partidárias. Temos como bandeira o Brasil e a Constituição”, asseverou.

As entidades atacaram firmemente a PEC 241, que prevê desvinculações orçamentárias que atingem o financiamento da saúde. Editada pelo Planalto, a PEC 241 tem teto de gastos do governo federal pelos próximos 20 anos e acaba com a vinculação de verbas do Orçamento para as áreas da Saúde e Educação, o que representará diminuição dos gastos da União nessas áreas.

Grave crise

João Gabbardo dos Reis, representante do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, classificou como “a mais grave crise” o atual momento do Sistema Único de Saúde, explicando que o Brasil, em comparação com outros países que têm sistema universal de saúde, investe muito poucos recursos públicos. “A cobrança que se faz dos gestores de melhor qualidade fica comprometida com a insuficiência de recursos. SUS não é só atendimento em hospitais e emergências, é muito mais. Vai desde a qualidade da água até a fabricação de medicamentos”, disse.

Dom Leonardo Steiner, secretário-geral da CNBB, lembrou que o SUS e a saúde pública são essencialmente ligados aos pobres. Para a entidade, é importante pôr em pauta tanto o debate quanto à PEC 241 quanto a relação entre União, Estados e Municípios na gestão da saúde. “Talvez o principal não seja apenas brigar por mais orçamento, mas também o cuidado de onde é aplicado este dinheiro”, resumiu.

Deputados federais também participaram da audiência pública. Antônio Brito, da Bahia, conclamou as entidades a se unirem ao Congresso, em uma aliança suprapartidária, contra os cortes no orçamento da saúde. Odorico Monteiro, da Frente Parlamentar em Defesa do SUS, lembrou que a Constituição Federal, em seu art. 196, prega que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. “SUS é conquista dos brasileiros. Todos os brasileiros são beneficiários, todo o tempo”, completou.

Sandra Krieger, presidente da Comissão Especial de Direito Médico e da Saúda, afirmou que a OAB tem missão fundamental de não deixar a sociedade se acostumar com a inequidade da saúde. “Desde 1988 muito se acrescentou em termos de direito, o problema é a destinação de recursos públicos para sua concretização”, afirmou, lembrando ainda que a criação de planos de saúde com cobertura reduzida irá gerar ainda mais ações judiciais em torno do tema.

Gestão e orçamento

Diretor de assuntos fiscais e sociais do ministério do Planejamento, Arnaldo Lima levou ao evento a visão do governo federal interino sobre o tema, ressaltando logo no início que o novo regime fiscal não irá retirar recursos da saúde, mas que há a visão de que, se gastar mais em uma área, será necessário cortes em outra. Também explicou que o ministério criou comitê de avaliação de políticas públicas em saúde, para analisar os gastos.

Mauro Junqueira, do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde, fez um dos discursos mais contundentes do evento, afirmando que há divisão desigual entre as responsabilidades dos entes federados. Criticou a Emenda Constitucional 86, sobre execução da programação orçamentária, em vez do Saúde +10, projeto de lei de iniciativa popular que previa a utilização de pelo menos 10% do PIB na área.

Quanto à PEC 241, disse ser “o xeque-mate do sistema de saúde, o ferindo de morte”, com perda de até R$ 650 bilhões para a saúde nos próximos 20 anos, além de menos 12 mil leitos de UTI e 4 mil equipes de saúde da família. “Pelos próximos 20 anos serão estagnados os gastos com saúde e educação. Mesmo se houver crescimento da economia, o SUS continuará perdendo, crescendo apenas com a inflação. Congelar por 20 anos recursos financeiros federais destinados ao SUS é anti política de saúde”, afirmou.

Para Edson Rogatti, presidente da Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópica, pediu um olhar mais cuidadoso a essas instituições que, segundo ele, abarca 2.100 estabelecimentos, com mais de 270 mil leitos em todo o país. “ Temos que olhar melhor para eles, senão o SUS acaba. Nossa situação é muito grave. País está em crise e precisa fazer cortes, que acabam na ponta e na atenção básica, com hospitais sem receber. Temos que discutir juntos uma política de saúde para os brasileiros”, clamou.

Ronald Santos, do Conselho Nacional de Saúde, elogiou o envolvimento de anos da OAB com o tema, afirmando ainda que o envolvimento da sociedade é fundamental para que o financiamento da saúde seja reforçado. “Temos que somar forças políticas e sociais para mobilizar Congresso para apresentar alternativas ao histórico sub financiamento”, disse. Ele entregou ao presidente da OAB, Claudio Lamachia, o Plano Nacional de Saúde 2016-2019, que reúne informações e planos para os próximos anos.

Carlos Vidal, presidente do Conselho Federal de Medicina, explicou que saúde é o mais democrático dos direitos, não podendo ser nunca relativizada e apresentou números que mostram a situação crítica do país, que não desde recursos não gastos à falta de leitos de UTI.  “O pleito por mais financiamento deve ser permanente. Problema da saúde é crônico. Precisamos de financiamento e competência administrativa. Precisamos de técnicos que conheçam a área, controle de avaliação nacional efetivo e valorização de recursos humanos que trabalham nesta área, com carreira de estado para profissionais de saúde”, analisou.

Judicialização

Emerson Pacheco, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde, criticou o governo por não ter coragem de encarar as discussões que precisam ser feitas, criticando ainda a criação dos planos de saúde com cobertura reduzida. “Corremos perigo de voltar ao período anterior ao SUS, com alas de hospitais divididas entre cidadãos contribuintes e os indigentes”, disse.

Para o representante do Conselho Nacional de Justiça na audiência pública, desembargador João Pedro Neto, “o SUS é a melhor a maior conquista da Constituição de 88”. “Brasil neste período melhorou e evoluiu em muitos aspectos, principalmente na saúde pública. Não podemos cair no conto de que precisamos ter um sistema privado de saúde. Temos que melhorar o SUS”, afirmou, antes de explicar a questão da judicialização da saúde. 

Segundo magistrado, há a boa judicialização, que busca garantir aos cidadãos acesso a serviços e medicamentos que deveriam ser fornecidos pelo Estado, e outra que prejudica o país. Segundo ele, o CNJ foca suas propostas em protocolo clinico e diretrizes terapêuticas e em medicina baseada em evidências.

A procuradora Élida Pinto, do Ministério Público de Contas de São Paulo, a judicialização pode beneficiar a saúde, se usada da forma correta. Ela deu como exemplo decisão do Supremo Tribunal Federal que, em ação cautelar, proibiu o contingenciamento de recursos do Fundo Penitenciário, dizendo que o mesmo raciocínio poderia ser utilizado para a saúde. “Pode-se demandar em juízo possibilidade de sistema de proteção do financiamento da saúde”, explicou.

Em seguida, falou a deputada federal Carmen Zanotto (PPS-SC). “Como ex-secretária municipal e estadual de saúde, como enfermeira concursada, me sinto absolutamente à vontade para falar do tema. Dizíamos há alguns meses que estávamos com um sistema de saúde entrando em colapso. Colapso este que se materializou e tem como responsável parte do Parlamento brasileiro, quando, em vez de avançar no financiamento da saúde, permitiu que uma nova e menor base de cálculo fosse aprovada para destinação ao setor”, criticou.

Zanotto acredita que o SUS é uma conquista, mas, segundo ela, hoje encontra-se subfinanciado e com um teto estourado. “Quem já foi gestor de saúde sabe que vivemos com a espada do secretário de Fazenda apontada para nós”, completou. 

Maria Cecília Oliveira, presidente da Associação dos Familiares, Amigos e Portadores de Doenças Graves (Afag), também se manifestou. “Assistimos mais de 4 mil pessoas no Brasil, muitas com doenças raras. Há uma total falta de atenção em políticas efetivas para doenças raras. No Brasil, embora raras, são aproximadamente 15 milhões de pessoas. Então devemos não somente criar um olhar especial a essas pessoas mas também acabar com a cultura da necessidade de judicialização das demandas para se conseguir atendimento. Devemos possibilitar e incentivar políticas públicas efetivas”, apontou. 

Ao final dos pronunciamentos dos representantes de entidades, o secretário-geral nacional da OAB, Ibaneis Rocha, fez a apresentação oral da carta de recomendações oriunda da audiência pública. O documento será encaminhado a todos os gestores públicos responsáveis pela área de saúde na esfera federal, com solicitação de remessa aos Estados, que, por sua vez, passarão a carta aos municípios correspondentes.

“Todas as inconstitucionalidades apontadas foram colhidas e serão estudadas para que, se possível, estejam na pauta das deliberações do nosso Conselho Pleno no próximo dia 29 de agosto”, finalizou.