Busato condena fisiologismo do Planalto na eleição da Câmara
Florianópolis (SC), 29/09/2005 – O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, condenou hoje (29) durante a cerimônia de encerramento da XIX Conferência Nacional dos Advogados, o “novo show de fisiologismo” explícito protagonizado pelo governo federal, para garantir a eleição de seu candidato à Presidência da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Ao informar aos participantes que foram liberados nada menos que R$ 1,5 bilhão em emendas parlamentares ao orçamento, os cerca de três mil advogados e advogadas participantes da Conferência soltaram vaias de indignação e bradaram por mais ética no Executivo.
“O imoral está em que esse dinheiro, que é público e não pertence aos agentes políticos, está sendo usado não para atender ao contribuinte, mas para gerar resultados casuísticos para a facção política que ocupa o poder”, afirmou o presidente da OAB, confirmando, como uma das principais conclusões dessa Conferência, a necessidade de reformar mentalidades.
Busato lembrou que o resultado da votação na Câmara – de 15 votos de vantagem para o candidato do Palácio do Planalto – revelou uma curiosa coincidência numérica: quinze também são os deputados acusados de receber o “mensalão” e que a mídia informa terem sido cortejados pelo candidato vitorioso com acenos de atenuar o processo que pesa sobre eles.
Sob fortes aplausos, Busato afirmou que a República brasileira está doente, “em plena UTI moral” e necessita urgentemente de uma injeção de ética e cidadania para reabilitar-se. “A situação blinda seus aliados e recorre aos cofres públicos para manter o status quo, enquanto a oposição busca tirar proveito do desgaste que o escândalo impõe ao governo. A cidadania brasileira quer Justiça, ética, transparência”, finalizou o presidente nacional da OAB.
Participaram da cerimônia de encerramento da Conferência o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Edson Vidigal; toda a diretoria do Conselho Federal da OAB, presidentes de Seccionais da entidade nos Estados; o juiz da Corte Internacional da Haia, Francisco Rezek; o jurista Paulo Bonavides; o constitucionalista e medalha Ruy Barbosa, Fábio Konder Comparato; e os membros honorários vitalícios da OAB José Cavalcante Neves; Eduardo Seabra Fagundes; Hermann Assis Baeta; Ophir Filgueiras Cavalcante; e Reginaldo Oscar de Castro.
Segue a íntegra do discurso do presidente nacional da OAB, Roberto Busato, no encerramento da XIX Conferência Nacional dos Advogados:
"Com a experiência de já ter participado de diversas outras conferências nacionais da OAB, não hesito em constatar – e proclamar - que esta XIX, sediada com desvelo e competência pelos nossos colegas da seccional de Santa Catarina, foi um sucesso.
Refiro-me não apenas ao expressivo número de inscritos, mas sobretudo à participação entusiástica e ao rico temário, que seguramente enriquecem nossos anais. República, Poder e Cidadania são questões que vão ao cerne da problemática brasileira.
A crise política que aí está – e que estarrece a nação - resulta do enfraquecimento dessas três vertentes da vida brasileira. O exercício pervertido do poder político, desvio cultural que tem passado tragicamente de geração a geração, corrói os alicerces de nossa República – e com ela nossa já de si debilitada cidadania.
A República brasileira, como constatamos nesta Conferência, está doente, em plena UTI moral. Precisa urgente de uma injeção de ética e cidadania para reabilitar-se.
Com as responsabilidades que nos são inerentes, como instituição representativa dos anseios da sociedade civil, a Ordem dos Advogados do Brasil tem deveres cívicos e estatutários diante dessa conjuntura. Cabe-nos não apenas nos manifestar, mas propor e agir.
E é o que aqui fizemos – e continuaremos a fazer. Ontem mesmo, enquanto aqui nos reuníamos, novo espetáculo de degradação política era exibido à nação – ao vivo e em cores.
Para garantir a eleição de seu candidato à Presidência da Câmara dos Deputados, o Governo Federal protagonizou novo show de fisiologismo explícito. Os jornais de hoje informam que foram liberados nada menos que 1 bilhão e 500 milhões de reais em emendas parlamentares ao orçamento.
Não se trata nem de questionar os valores e as finalidades a que se destinam. Os valores podem ser até condizentes com a natureza das obras em questão. O imoral está em que esse dinheiro – que é público e não pertence aos agentes políticos – está sendo usado não para atender ao contribuinte, mas para gerar resultados casuísticos para a facção política que ocupa o poder. Facção que está sendo investigada por atos ilícitos e que buscou na eleição de ontem meios de inibir as investigações.
O resultado da votação – 15 votos de vantagem para o candidato do Palácio do Planalto - revelou uma curiosa coincidência numérica. Quinze são também os deputados acusados de receber o mensalão – e que a mídia informa terem sido cortejados pelo candidato vitorioso com acenos de atenuar o processo que sobre eles pesa.
Já o Jornal do Brasil de hoje informa que a oposição aceitou adiar o depoimento do ministro da Fazenda à CPI dos Bingos para não trazê-lo ao centro da crise. Segundo o jornal, convicta de que elegerá o próximo Presidente da República, a oposição quer poupar o ministro para que não venha a herdar uma economia com problemas.
Ou seja, a questão moral – se há ou não delitos a serem apurados e punidos – é secundária. Serve apenas como instrumento de manobra política. O que importa é o jogo de poder. E o que temos, de cada um dos lados desta moeda política, é o mesmo gesto de perversão.
A situação blinda seus aliados e recorre aos cofres públicos para manter o status quo, enquanto a oposição busca tirar proveito do desgaste que o escândalo impõe ao governo. A sociedade, no entanto, a quem se destina a ação governativa, não está interessada em nada disso. A cidadania brasileira quer justiça, ética, transparência!
E o que aí está configura trapaça – nada mais, nada menos.
Que República é esta, meus caros advogadas e advogados?
Mais que nunca, as conclusões desta Conferência precisam ser difundidas e propagadas perante nossos cidadãos! Mais que nunca precisamos ativar os instrumentos constitucionais de democracia direta – referendo, plebiscito e iniciativa popular.
Saímos desta Conferência na certeza de que a luta em defesa das prerrogativas da advocacia – que é uma luta da cidadania brasileira, destinatária de nossos serviços – sai fortalecida. É uma luta permanente, que se confunde com a luta em defesa do Estado democrático de Direito e das instituições republicanas.
A qualidade dos debates e o nível intelectual das propostas confirmam nosso otimismo em relação ao panorama institucional brasileiro. Estamos convictos de que a cidadania brasileira está apta a exercer sua soberania e indicar novos rumos aos agentes políticos. Não basta apenas reformar sistemas e códigos políticos.
É preciso reformar mentalidades! E esta é uma das principais conclusões desta XIX Conferência: somente a partir da ativação dos instrumentos constitucionais de participação direta da sociedade será possível romper vícios e bitolas de nosso sistema político.
Somente assim estaremos de fato dando sentido e significado ao termo República – estaremos, enfim, colocando o povo brasileiro como agente de seu próprio destino.
Concluo parabenizando a advocacia brasileira e conclamando-a a permanecer em vigília cívica em defesa da República e da cidadania. Muito obrigado".