Editorial: Fora de sintonia
Brasília, 02/08/2005 - O editorial "Fora de sintonia" foi publicado na edição de hoje (02) do jornal O Globo:
"Se ainda houvesse dúvidas sobre a necessidade urgente de uma reforma universitária no Brasil, o alto índice de reprovação no último exame para a Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo seria o argumento que faltava para convencer os céticos. Dos mais de 20 mil bacharéis de direito que se candidataram cerca de 90% foram rejeitados.
Diante de tão alto número de profissionais desqualificados, a Justiça e a sociedade brasileiras ficam em dívida com a OAB, que criou uma barreira capaz de impedir que exerçam a advocacia e ostentem o título de advogado.
Infelizmente não existe sistema de triagem semelhante numa área vital como a medicina, e merecem apoio os esforços do Conselho Regional de Medicina de São Paulo para tirar do mercado os maus médicos.
O governo federal está se mobilizando para mudar a situação, e na sexta-feira encaminhou ao Congresso proposta de reforma universitária preparada pelo Ministério da Educação. Mas, além de equívocos na própria escala de prioridades do MEC, ainda há muito a ser aperfeiçoado no projeto, a julgar pela versão do texto que acaba de ser divulgada.
Insiste-se na idéia de instituir cotas e subcotas no ensino superior. Todas as universidades federais que venham a ser criadas depois que a lei entrar em vigor estarão obrigadas a reservar metade das vagas de graduação para alunos que tenham feito o curso médio em escolas públicas. Deverão também destinar a negros e índios um número de vagas que reflita a composição étnica do estado onde se localizem. As universidades existentes terão até 2015 para se enquadrar.
A intenção de utilizar o sistema de cotas para fazer justiça social, assegurando oportunidades de educação e acensão social a brasileiros historicamente em desvantagem, pode ser admirável, mas tem o grave inconveniente de aguçar o racismo e destruir o princípio do mérito. Como melhorar a qualidade do ensino desprezando o merecimento?
Mas o grave defeito em toda a política educacional é a baixa prioridade dada à reforma do ensino fundamental e do médio. A deficiência denunciada em exames como os da OAB não vem só dos bancos universitários: é herança dos primórdios da vida estudantil, quando se lançam os alicerces da educação".