Aristoteles ressalta importância de Prado Kelly para advocacia

quinta-feira, 12 de maio de 2005 às 02:22

Brasília, 12/05/2005 - O vice-presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Aristoteles Atheniense, destacou hoje (12) a atuação na advocacia e no Judiciário do ministro José Eduardo do Prado Kelly, em sessão realizada pelo Supremo Tribunal Federal em homenagem ao centenário de seu nascimento (1904-1986). Na sessão, o ministro do STF Marco Aurélio foi o orador e Aristoteles Atheniense falou em nome da OAB. Nascido em 10 de setembro de 1904 e falecido aos 82 anos, Prado Kelly foi o único ex-presidente da OAB a se tornar ministro daquela Corte.

Na sessão, Aristoteles ressaltou os vários alertas feitos por Prado Kelly quanto ao constrangimento a que a classe da advocacia esteve exposta em alguns momentos da História brasileira, principalmente em fases de obscurantismo político. E citou as palavras do próprio Prado Kelly: “onde possa haver o ministério independente, corajoso e probo dos advogados, tribunais de onde eles desertam serão menos o templo do que o túmulo da Justiça”.

Ainda segundo Aristoteles Atheniense, Prado Kelly também afirmou, quando presidiu a OAB, que “a milícia da Justiça somos nós que a constituímos, como procuradores das partes, substituindo-as nos atos processuais do começo ao fim das demandas, à exceção dos atos raríssimos em que a sua presença se torne indispensável”. E disse ainda, por ocasião da durante a II Conferência Nacional dos Advogados, em São Paulo: “Somos para os juízes o que, na tragédia grega, era o coro, símbolo do povo, intérpretes de interesses, mas a nossa missão é a de instrumentos da verdade”.

Nascido em Niterói (RJ), Prado Kelly foi ministro da Justiça no governo Café Filho, em 1955, e nomeado ministro do Supremo em 26 de novembro de 1965, três anos depois de ter deixado a Presidência nacional da OAB. Antes de chegar à Corte, segundo Aristoteles, Prado Kelly defendeu a reorganização dos Estados brasileiros, a participação política da mulher e o direito do povo em resistir à opressão e à ordem ilegítima. Ascendeu ao tribunal de que participara seu pai, o ministro Octavio Kelly (1934-1942), fato registrado pela primeira vez na história da Corte. No STF, o ministro relatou mais de dois mil processos. Como advogado, Prado Kelly defendeu Prudente de Morais Neto e João Ribeiro de Dantas, entre outros.

Segue a íntegra do discurso proferido pelo vice-presidente nacional da OAB na sessão solene:

“Senhores e Senhores:

Estamos a homenagear insigne cidadão, pelos altos serviços prestados à Pátria a que se consagrou.

Acedeu a essa Corte em 1965, três anos após haver deixado a presidência nacional da Ordem dos Advogados do Brasil.

Nascido em 10 de setembro de 1904, no ano passado foi comemorado um século de seu nascimento.

Em nome da Ordem dos Advogados do Brasil, agradeço o honroso convite dirigido à nossa instituição. Aqui compareço para exaltar aspectos significativos da vida deste talentoso advogado e jurista, representando o nosso bastonário Roberto Antônio Busato.

Nas inúmeras ocasiões em que emitiu a sua palavra abalizada, Prado Kelly alertava quanto ao constrangimento a que a nossa classe já esteve exposta, notadamente nas fases de obscurantismo político.

Ressaltava que só haverá justiça

“... onde possa haver o ministério independente, corajoso e probo dos advogados. Tribunais de onde eles desertam serão menos o templo do que o túmulo da justiça.

Uma religião pode viver sem igrejas – como viveu o Cristianismo em catacumbas –; mas se lhe falta o rebanho dos crentes, de que servirão os ídolos e os pastores?”


Ainda, nesta sua memorável oração de posse, na presidência do Conselho Federal, proferida na II Conferência Nacional dos Advogados, realizada na Faculdade de Direito de São Paulo, sublinhou:

“A milícia da Justiça somos nós que a constituímos, como procuradores das partes, substituindo-as nos atos processuais do começo ao fim das demandas, à exceção dos atos raríssimos em que a sua presença se torne indispensável. Somos para os juízes o que, na tragédia grega, era o coro, símbolo do povo, intérpretes de interesses, mas a nossa missão é a de instrumentos da verdade. Por isso, desde as épocas mais remotas, os advogados aprenderam a falar aos potentados como nunca os fracos e desprotegidos ousariam falar-lhes. E é este o apanágio da nossa corporação, ainda antes de se organizar na idade moderna com a autonomia e as prerrogativas que as leis e as Cortes lhe reconhecem”.

Ao final de fecundo mandato, reafirmou fé na Justiça e na profissão que elegera, acentuando:

“Os bens morais da civilização contemporânea estão confiados à nossa guarda, mais do que a de outros cidadãos, igualmente prestantes e comprometidos com o progresso das coletividades humanas, porque nos cabe a primazia em defender e justificar as prerrogativas de cada indivíduo na obra comum do desenvolvimento nacional”.

Não menos fulgurante foi a sua atuação política.

Iniciada em 1934, aos 29 anos, era o mais novo dos constituintes, granjeando, logo, a merecida reputação de constitucionalista na comissão presidida por Carlos Maximiliano, tendo como relator Raul Fernandes.

No desempenho dessa atividade, pugnou pela criação de um Quarto Poder, que tivesse como uma das funções solucionar os conflitos entre os demais.

Defendeu a reorganização dos estados da Federação, a participação política da mulher e o direito do povo e do proletariado em resistir à opressão e à ordem ilegítima.

Elaborou emenda em prol do direito à educação, constando do texto que a arte e a ciência haveriam de ser declaradas livres.

Assim, há setenta anos passados, já se preocupava com problema que ainda hoje aflige os governantes, formulando emenda substitutiva atinente à discriminação da competência entre a União e os Estados em relação à política tributária.

Na Constituinte de 1946, eleito vice-presidente da Comissão Constitucional presidida por Nereu Ramos, aliou-se a Hermes Lima e se dispôs a recusar o mandato caso o TSE entendesse que a nova Carta deveria ter por base a Constituição de 1937.

Verberou o fechamento, por quinze dias, da “Tribuna Popular”, por determinação do então Ministro da Justiça, Carlos Luz.

O combativo jornal denunciara os crimes de “lesa-pátria” que estavam sendo praticados na Constituinte, priorizando os interesses de grupos estrangeiros quando da votação dos arts. 151 e 153, que favoreciam as pretensões da LIGHT, da HANNA e da STANDARD OIL no Brasil.

Naquela ocasião, reproduziu os protestos da ABI e do escritor católico, Alceu Amoroso Lima, em nome do Centro Dom Vital.

Em agosto de 1943, eram freqüentes os sobressaltos e as notícias de espancamentos, interdições, prisões e invasões de domicílios de deputados, impedidos de comparecer ao Plenário da Câmara para votação daqueles artigos.

As arbitrariedades culminaram com a prisão de Adauto Lúcio Cardoso, então vereador da UDN, que, juntamente com Prado Kelly, se opunha à prepotência do governo Dutra.

Homem de formação liberal, ocupou posição de relevo no debate travado quando do cancelamento do registro do PCB (Partido Comunista Brasileiro), aprovado pelo TSE por três votos contra dois.

Em ardente oração, condenou o Projeto de Lei de Segurança Nacional, oriundo do Executivo, censurando a intervenção federal em São Paulo, destinada a afastar o governador Ademar de Barros, de quem era adversário político.

Em 1952, quando dos acesos debates havidos no Congresso e na imprensa sobre a criação da Petrobrás, combatida por setores das classes armadas e empresariais, Prado Kelly considerou que a solução mais adequada seria que a empresa fosse exclusivamente estatal, com direito ao monopólio de sua produção.

A renúncia do presidente Jânio Quadros, em agosto de 1961, encontrou-o na presidência nacional da OAB. Numa das sessões do Conselho, na efervescência dos fatos, emitiu juízo afirmativo em relação ao grave episódio:

“Sentimos que há ameaças à ordem jurídica e assistimos à aliança de dois déspotas – a inflação desenfreada e a intolerância política”.

Empossado ministro desta Corte, em 26 de novembro de 1965, na fase em que aqui permaneceu relatou mais de dois mil processos, mostrando-se exímio nos deslindes das causas e seguro na adequação do caso à doutrina científica, pois era versado nas diferentes searas do Direito.

De sua atuação sobrelevam:

- o RE 45.255/67 (RTJ 43/666), em que interpretou a cláusula “negar vigência a dispositivo de lei federal”, introduzida pela Constituição de 1967;
- a competência originária em ações penais (REP. 738-RTJ 42/480);
- embargos de divergência em mandado de segurança denegado (EMB MS 16179 – RTJ 41/322);
- Poder Legislativo – Poder de Emenda (AI 38152 – RTJ 40/678; Rep. 687-RTJ 40/416);
- desapropriação – juros compensatórios em ação direta (RE 55556 – RTJ 48/115).

Como advogado assumiu a defesa de Prudente de Morais Neto e João Ribeiro Dantas (redator e diretor do “Diário de Notícias”), que foram incriminados na Lei de Segurança Nacional – e não na Lei de Imprensa –, tendo saído vitorioso na tese sustentada.

Segundo Aliomar Baleeiro, o advogado Prado Kelly, na barra dos tribunais, fiel aos exemplos de Rui e Sobral Pinto, não se importava em patrocinar os direitos de adversários políticos, se configurada a ameaça à liberdade e aos direitos individuais.

Isto ocorreu, também, no mandado de segurança obtido em favor do Coronel Napoleão Alencastro Guimarães, submetido pelo Ministro da Guerra, General Lott, à pena disciplinar por manifestação de pensamento, externada na TV, embora já estivesse reformado.

Eminente Ministro Presidente Nelson Jobim; Senhores Ministros e Dignas Autoridades:

Em abril de 1982, na condição de presidente da Seccional mineira da OAB, tive a grata satisfação de receber em Ouro Preto o Ministro Prado Kelly, numa das solenidades comemorativas da Semana da Inconfidência, que contou com a presença do saudoso Ministro Cunha Peixoto.

Obsequiou-me com algumas de suas obras, que continham generosas dedicatórias ao seu colega mais novo.

Naquela época, estávamos empenhados na revitalização da democracia, após longo período de escurantismo imposto pelos glutões do mandonismo.

Na homenagem que lhe prestamos, no centenário teatro daquela histórica cidade, Prado Kelly discursou referindo-se ao Ato Institucional n.o 5, editado em 13 de dezembro de 1968, isto é, após a sua aposentadoria, ocorrida de 18 de janeiro daquele ano.

Indagado por um estudante quanto à sua concordância com aquela medida opressiva, Prado Kelly respondeu ao auditório, que em silêncio o contemplava, tomado de incontida admiração:

“A Providência me poupou a prova do AI-5”.

A platéia se pôs de pé, ovacionando o provecto orador, que encarnava o advogado autêntico, avesso ao arbítrio ignominioso.

Inobstante o peso dos anos, não só mostrava-se disposto a defender, como a estimular as novas gerações à plena fruição das liberdades democráticas, em face dos riscos a que estivessem expostas.

Este homem excepcional, falecido em 11 de novembro de 1986, aos 82 anos, merece os louvores que o Supremo Tribunal Federal lhe faz nesta sessão solene.

Aplica-se-lhe o mesmo conceito que fez ao Ministro Carvalho Mourão, outro advogado ilustre que marcou presença neste Sodalício:

“Se como advogado tinha as características morais do juiz – como juiz não perdeu a vivacidade e os pendores polêmicos do advogado”.

Assim foi e continuará sendo o exemplar Ministro José Eduardo do Prado Kelly”.