OAB: “União faz vista grossa para falta de segurança no Pará”
Brasília, 27/10/2004 - O presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Pará, Ophir Filgueiras Cavalcante Júnior, criticou hoje (27) a ausência de políticas públicas voltadas para a segurança e a quebra do pacto federativo pela União federal, que tem impossibilitado o Estado do Pará de investir mais recursos em segurança. “A União está sufocando os Estados e ela, cada vez, toma conta de tudo e quebra o pacto federativo. O Estado fica sem condições de investir no que deveria”, afirmou Ophir Filgueiras. “A União, lamentavelmente, ainda está ausente dessa realidade. Faz muito ouvido de mercador, vista grossa para esse problema todo”.
A declaração foi dada pelo presidente da OAB-PA em entrevista, ao ser questionado sobre a chacina ocorrida no município de Brejo Grande do Araguaia (PA), a 100 km de Marabá, que culminou na morte do vereador recém-eleito Silas Martins Borges e de outras quatro pessoas. Informações da polícia dão conta que quatro pistoleiros armados de escopetas e pistolas invadiram o município e mataram, além do vereador, seus pais (o fazendeiro Jeová Martins Borges e Maria de Sousa Borges), o ex-policial Antonio Carlos Cardoso e a mulher dele, Laurivânia Leite de Alencar. A polícia investiga se a chacina está ligada à luta pela posse da terra na região ou se foi acerto de contas.
Ophir Filgueiras Júnior afirma que o problema da violência não decorre da falta de interesse do governo estadual. Vontade política existe, o que interfere, segundo ele, é uma enorme impossibilidade do ponto de vista de recursos financeiros e de estrutura. “Nós temos um Estado de dimensões continentais e, apesar de todos os esforços do governo atual no sentido de dotar e prover segurança pública, tem sido humanamente e estruturalmente impossível fazê-lo”. O presidente da OAB-PA reclama da ausência de políticas públicas envolvendo o governo do Pará e o governo federal e pede uma reforma agrária imediata no Estado.
Segue a íntegra da entrevista feita com o presidente da OAB do Pará, Ophir Filgueiras Cavalcante Júnior:
P - Como está a questão da falta de segurança no Pará, principalmente no interior, onde ocorrem com mais freqüência conflitos envolvendo a posse de terras?
R - Essa questão da segurança no Pará vem sendo denunciada há algum tempo pela OAB e não ocorre somente no interior do Estado. Nós temos um Estado de dimensões continentais e, apesar de todos os esforços do governo atual no sentido de dotar e prover segurança pública, tem sido humanamente e estruturalmente impossível fazê-lo. Temos conflitos agrários sérios no interior do Estado e convivemos com uma falta de segurança muito grande. Esses conflitos são, na maioria das vezes, ocasionados pela ausência efetiva do Estado. Há municípios que não possuem delegacia de polícia, que não têm destacamento da Polícia Militar, juiz ou promotor. Enfim, o Estado não está presente, o que torna várias regiões um palco aberto para os fora-da-lei. A gente costuma dizer que muitos locais do Pará são terras sem lei em função dessa dificuldade e da ausência do Estado. Já se comenta que há alguns municípios em que o próprio crime organizado tem seus sustentáculos no poder público, financiando parlamentares e prefeitos, principalmente quadrilhas de desmanche de carros, de roubo de gado e de madeira. É realmente uma situação difícil de administrar, que gera casos como esse assassinato, que vemos acontecer repetidamente.
P - Como ocorreu essa chacina em Brejo Grande do Araguaia?
R - Não se conhece o motivo da chacina, mas há suspeitas de motivação política e de acerto de contas. Um vereador recém-eleito foi assassinado juntamente com familiares e outras pessoas em Brejo Grande do Araguaia, quando deixavam a casa onde moravam. Eles foram tocaiados, o que é muito comum no Pará porque os assassinos de aluguel transitam no interior do Estado com grande tranqüilidade. Muitas vezes, por falta de segurança e até de estrutura, a polícia tem conhecimento dessas tocaias, mas não pode fazer nada por temer pela própria vida. Então, o que se precisa, efetivamente, é ocupar o interior do Estado com segurança. Precisamos de políticas públicas envolvendo o governo do Pará e o governo federal para que haja a ocupação efetiva da terra. Precisamos de reforma agrária efetiva e de políticas públicas que evitem que as pessoas se desviem para o caminho do crime.
P - Então, o senhor acredita que a polícia e o Estado não estão presentes em vários municípios do Pará por impossibilidade, não por falta de vontade política?
R - Vontade política até tem. O que há é uma enorme impossibilidade do ponto de vista de recursos financeiros e de estrutura. Cada vez mais a União tem quebrado o pacto federativo e o nível de possibilidades de gastos do Estado do Pará só fica menor. Todas as receitas que chegam ao Estado já estão carimbadas, ou seja, vêm com destino certo: saúde, educação, etc. Hoje, a cada cem reais que o governo do Pará arrecada, só faz uso de cinco a dez reais, o restante é todo de despesas vinculadas. Isso por um lado é bom, mas de outro é prejudicial porque a União está sufocando os Estados e ela, cada vez mais, toma conta de tudo e quebra o pacto federativo. Ela repassa os recursos diretamente para os municípios, então, o Estado fica sem condições de investir como deveria. A União, lamentavelmente, ainda está ausente dessa realidade. Faz muito ouvido de mercador, vista grossa para esse problema todo.
P - De alguma maneira essa situação atrapalha o trabalho dos advogados?
R - Sim. Tememos muito pela vida dos advogados. Hoje, 88% da advocacia paraense está na capital, Belém. Essa concentração acontece, principalmente, porque os advogados temem a interiorização, temem deixar a capital para ir atuar no interior, tudo em função da falta de segurança e de estrutura de vida. Temem ir para o interior e serem vítimas dessa violência porque o advogado sempre incomoda, questiona, é um cidadão que tem um senso crítico muito maior. Quando ele começa a questionar essa situação de ausência de lei, de ausência de poder, certamente torna-se uma vítima em potencial.