Auditoria da dívida: Lula paga US$ 17 bi anuais só de juros

terça-feira, 19 de outubro de 2004 às 11:25

Brasília, 19/10/2004 - O governo de Luiz Inácio Lula da Silva paga, por ano, um mínimo de US$ 17 bilhões somente de juros da dívida externa brasileira. O dado foi denunciado hoje (19) ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pelo coordenador da Campanha Jubileu Sul, Rodrigo Vieira de Ávila, que defende a auditoria urgente da dívida externa. “São valores de juros de uma dívida impagável e que os brasileiros não imaginam como foi adquirida”. O dado é parte do relato apresentado por ele na sessão plenária dos conselheiros federais da OAB, que preparam uma ação de argüição de violação de dispositivo da Constituição para exigir que o Congresso faça uma auditoria dessa dívida. O relator dessa ação na OAB é o conselheiro federal pela Bahia, Arx Tourinho.

Os dados apresentados por Rodrigo de Ávila foram obtidos por meio da campanha Auditoria Cidadã da Dívida Externa, uma sub-campanha da Jubileu Sul. Segundo suas estatísticas, o Brasil devia US$ 555 bilhões de 1978 a 2003. Desse total, o país conseguiu pagar US$ 725 bilhões apenas em juros e amortizações - US$ 170 bilhões a mais do que devia no total - e continua devendo.

Entre os grandes vilões dessa dívida, Rodrigo aponta a adoção de juros flutuantes para a dívida a partir dos anos 80, o que deu aos credores brasileiros o direito de cobrar taxas de juros que quisessem do governo. “No final da década de 70, no fim da ditadura militar, estávamos completamente endividados e aceitamos a imposição dos juros flutuantes. Com isso, os Estados Unidos multiplicaram por cinco os nossos juros devidos”, explicou ele.

O Plano Real e os sucessivos acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI) foram outros potencializadores dessa dívida, segundo o coordenador da Jubileu Sul. No primeiro caso, explicou ele, houve um aumento significativo das importações com grande atração de capital estrangeiro. O problema é que essa operação foi viabilizada pelos bancos, que contraíram empréstimos fora do País a juros pequenos e, no Brasil, cobraram juros muito mais elevados por empréstimos concedidos ao governo. Nos acordos com o FMI, o Fundo passou a exigir do Brasil sucessivos superávits comerciais e reformas estruturais que, segundo Rodrigo de Ávila, atingiram a soberania brasileira.

Como alternativa para o pagamento eterno dessa dívida, a OAB e a Campanha Jubileu de Prata vêm defendendo o cumprimento do artigo 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Segundo este dispositivo, “no prazo de um ano, a contar da promulgação da Constituição, o Congresso Nacional promoverá, através de comissão mista, exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro”. A comissão teria força legal de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). “Não é possível mais o Brasil pagar essa dívida com o suor e lágrimas do povo brasileiro”, afirmou o presidente nacional da OAB, Roberto Busato. Na sessão plenária, Busato falou, ainda, do projeto que vem sendo defendido por muitos países de criação de um tribunal internacional de auditoria da dívida externa de países do terceiro mundo.

Rodrigo de Ávila contou aos conselheiros federais que já houve três tentativas de realização dessa auditoria em momentos diferentes da história do País. A primeira foi em 1931, quando o então presidente Getúlio Vargas encontrou apenas parte dos contratos referentes à dívida e decidiu não pagar mais os valores previstos em contratos que não existiam. A segunda foi em 1987, quando Fernando Henrique, ainda como senador, conduziu um relatório no Senado sobre a matéria. Sua conclusão, já naquela época, foi a de que os juros flutuantes impediam a quitação do débito e que, até 1987, um quarto da dívida referia-se ao pagamento de juros sobre juros. A terceira tentativa veio em 1989, com a Comissão de 89, cujo relator era o senador Severo Gomes. Essa comissão se fixou nas questões do ataque à soberania nacional e à alegação de nulidade de cláusulas dos contratos da dívida. Ao final, o relatório da Comissão de 89 sequer foi votado.

Ao final de seu relato, de Ávila informou que, por meio da Auditoria Cidadã da Dívida Externa, foi possível obter parte dos contratos e títulos sobre a dívida externa brasileira e levantar questões que poderão ser abordadas na ação que será apresentada em breve pela OAB. A Campanha teve acesso, junto ao Senado, a 238 dos 570 contratos referentes à dívida - o equivalente a apenas US$ 42 bilhões do total devido.

Desses US$ 42 bilhões, segundo ele, a conclusão é de que 92% do valor financiado refere-se a juros flutuantes e em 49% dos contratos há cláusulas obrigando o Brasil a não alegar a questão da soberania do país para não arcar com a dívida. Dos contratos que não foram encontrados, muitos, segundo a Auditoria Cidadã da Dívida Externa, nunca foram apresentados ou submetidos à votação do Congresso na época do regime militar.