Busato considera excessivo número de cursos de Direito
Brasília, 10/10/2004 - No seu discurso de posse como presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o advogado pontagrossense Roberto Antônio Busato, 50 anos, anunciou a prioridade de seu primeiro mandato. Desde fevereiro, ele pressiona o Governo Federal para aumentar a fiscalização e até fechar faculdades de Direito que, pelos critérios da OAB, não tenham condições adequadas de funcionamento.
O presidente da OAB considera excessivos os 13 cursos de Direito existentes no Distrito Federal. E defende o fechamento de mais de uma centena dos 700 cursos em atividade no país. O motivo: eles não garantem a aprovação de seus formandos no Exame da OAB, necessário àqueles que desejam advogar; tampouco em concursos públicos da magistratura.
As faculdades de Santa Catarina tiveram o pior desempenho no Exame em 2003: 86% dos candidatos reprovaram. ‘‘Enquanto diversas faculdades particulares não aprovaram um único aluno, a Faculdade de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina aprovou 69% de seus candidatos’’, destacou Busato. ‘‘Precisamos de mais juízes e não temos matéria-prima. Os índices de reprovação mostram o baixo nível dos profissionais formados’’, completou.
Busato não poupa críticas ao MEC, que, nos últimos três anos, aprovou a abertura de 204 cursos não recomendados pela OAB. No entanto, ele tem buscado a parceria do órgão em sua cruzada contra as ‘‘instituições fajutas.’’ ‘‘O maior avanço dos últimos dez anos foi a suspensão da autorização para novas instituições e o fechamento de 50 cursos de pós-graduação. Se tivermos uma fiscalização mais eficaz, muitos cursos de graduação também serão fechados.’’
Na entrevista à jornalista Ana Helena Paixão,do Correio Braziliense, Busato faz uma análise pessimista da situação do ensino jurídico no país, por causa da proliferação dos cursos de Direito.
Correio Braziliense — O Conselho Federal da OAB tem lutado contra a lei que possibilita as transferências de militares e dependentes vindos também de instituições particulares para universidades públicas. Como está isso?
Roberto Busato — A Justiça Federal de São Paulo concedeu uma liminar que, por ora, suspendeu os efeitos do parecer da Advocacia Geral da União (AGU), que determinava a obrigatoriedade. Nossa Comissão de Estudos Constitucionais prepara um parecer final, que será apreciado na sessão de terça-feira do Pleno do Conselho Federal. Há uma inconstitucionalidade na lei que baseou o parecer da AGU.
Correio — O argumento das universidades federais é que o acesso ao ensino superior das particulares é diferenciado e que as instituições não têm a mesma qualidade das públicas. No caso do Direito, que tipo de faculdades existem?
Busato — A criação de mais de 500 cursos nos últimos nove anos só podia redundar numa situação caótica. Você encontra cursos bizarros, que são uma verdadeira brincadeira de mau gosto, um estelionato contra o jovem. Cursos que têm mais vagas do que candidatos. Temos ainda o absurdo de reprovação no Exame da OAB, que prova que o aluno saiu mal informado e começa a gerar uma indústria de cursos preparatórios para o Exame da Ordem, o que também não resolve. A advocacia não é uma atividade de macetes, mas de cultura analítica.
Correio — Quem fiscaliza essa abertura de cursos?
Busato — O Ministério da Educação (MEC). Mas ele reconhece sua deficiência e propôs ao Conselho Federal a criação de um grupo de trabalho conjunto, já em andamento, para melhorarmos isso. A OAB está à disposição.
Correio — A OAB já interfere de alguma forma nesse processo de abertura de novos cursos?
Busato — Há dez anos, damos um parecer sobre as novas instituições, que é entendido pelo MEC como opinativo. Cruzamos dados como reprovação e aprovação no Exame da Ordem com o resultado do Provão para termos alguns indícios do que ocorre dentro dos cursos de Direito. Denunciamos essa situação de descalabro ao ministro Tarso Genro (Educação). Mostramos que no segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso houve um brutal crescimento do ensino jurídico. E que isso foi pior ainda no primeiro ano do atual governo. Só nos últimos três anos, o MEC aprovou 222 faculdades de Direito, enquanto a OAB deu parecer favorável a apenas 19. O ministro, então, suspendeu autorizações para novas faculdades.
Correio — Mas o que acontece depois disso?
Busato — Precismaos tornar a fiscalização mais eficiente. Há tempos, denunciamos o problema da pós-graduação. Um dos critérios para a abertura de novos cursos é a presença no corpo docente de mestres e doutores. Mas o que se fez? Abriram cursos fajutos de pós-graduação, só para dar títulos. O MEC anunciou o fechamento de 50 cursos. Se tivermos uma fiscalização mais eficaz, muito dos quase 700 cursos de graduação em Direito que tem por aí deverão ser fechados também. Mais de uma centena merece o fechamento.
Correio — E quais os principais problemas verificados?
Busato — Examinamos projeto pedagógico, corpo docente, qualificação e remuneração de professores, instalações físicas, laboratórios, bibliotecas e outros equipamentos que propiciem um bom ensino — o que teoricamente também é visto pelo MEC. Mas há um critério que diferencia o parecer da OAB e o do MEC: a necessidade social. Numa cidade como Ponta Grossa (PR), por exemplo, com 320 mil habitantes, há dois cursos de Direito. Será que ela precisa de mais um?
Correio — Então Brasília está saturada? Existem 13 cursos no DF e somos pouco mais de 2 milhões de habitantes...
Busato — Exatamente. Veja o boom de cursos de Direito particulares e a situação da universidade pública. Daí surgiu o problema da UnB. As públicas, em todo o país, têm se mantido praticamente estáticas e as particulares têm crescido assustadoramente. Há várias faces odiosas nesse sistema: as indústrias de cursos preparatórios para o Exame da Ordem e o de cursos fajutos de pós-graduação para os docentes, a criação desenfreada de cursos de graduação, vestibulares que cada vez mais facilitam o acesso com objetivos mercadológicos e não de aferir quem tem condição de cursar uma faculdade.