O que há a comemorar?
O que há a comemorar quando o principal bem da vida, que é a liberdade, é suprimido das pessoas, sem um prévio crime e sem um julgamento justo e imparcial que assim o legitime?
O que há a comemorar quando a crítica válida e o controle social do Estado são substituídos, da noite para o dia, por receitas de bolo estampadas nas páginas dos jornais e peças de teatro, obras literárias, músicas e a arte em geral são censuradas, como se patologias fossem?
O que há a comemorar quando os advogados são impedidos de entrevistarem-se com seus clientes, ou, pior, são perseguidos?
O que há a comemorar quando pessoas presas arbitrariamente aparecem suicidadas?
O que há a comemorar quando o medo passa a tomar conta da sua rotina, e lhe escraviza, e não se sabe o dia de amanhã?
O que há a comemorar quando se suspende a principal garantia de que se dispõe para fazer cessar a ilegal prisão ou detenção que é o habeas corpus?
O que há a comemorar quando se fecha o Congresso, sede do Legislativo, e se cassa Ministros do Supremo Tribunal Federal, ferindo outro Poder no seu âmago, e, com isso, reduzindo a pó a regra da tripartição e da recíproca independência?
O que há a comemorar quando opositores são rotulados de inimigos e forçados a um humilhante exílio?
O que há a comemorar quando se tenta atemorizar pela violência uma entidade como a Ordem dos Advogados do Brasil, fazendo explodir uma bomba direcionada ao seu então Presidente Nacional?
Rupturas da institucionalidade não merecem ser comemoradas, nada nelas habita que mereça ser comemorado. Quantas vezes isso vai ter que ser repetido até que se aprenda com o passado? As mazelas da democracia se combatem dentro da democracia e não matando-a por inanição.
Neste 31 de março em que recordamos o ponto histórico de 57 anos passados, de ruptura institucional, em que tanto se prendeu e se arrebentou, honremos a dignidade do sacrifício dos que tombaram para que restabelecêssemos a vocação natural humana que é a de vivermos livre, respeitando o espaço do outro, de quem até podemos ocasionalmente divergir, mas que nunca será nosso inimigo, e, pois, um alvo a destruir.