Enxergar com os óculos de Sobral

terça-feira, 20 de outubro de 2020 às 12:00

Sobral Pinto é uma reserva moral que não cessa de inspirar advogados experientes e os iniciantes. Seu rosto é familiar a qualquer advogado, e seu legado na advocacia é uma aquarela do exercício independente, corajoso, técnico e de elevado denodo. O exemplo deixado por este jurisconsulto de Barbacena, patrimônio jurídico brasileiro, orienta a nossa ética profissional.

Católico, Sobral Pinto tinha o compromisso diário de assistir a Santa Missa, e tinha na sua vida privada hábitos conservadores, prezando pela boa moral. Não são conhecidos excessos que maculassem sua honorabilidade social. Ora, ao olhar de qualquer pessoa, na análise comum e não teórica, poder-se-ia dizer tranquilamente: Sobral Pinto era um homem direito e de direita.

A ímpar conduta pessoal e o exercício do catolicismo não fizeram, tão somente, Sobral Pinto ser este exemplo louvado, e com absoluta justiça, por toda a sociedade jurídica brasileira. Sobral Pinto foi testemunha ocular dos piores momentos que a humanidade passou, e foi incólume no seu exercício profissional, pois a coragem e seu respaldo à ordem legal foram os fios condutores de sua vida como Advogado.

O mundo, no século XX, uniu a maior potência socialista com a sua rival potência capitalista para destruir o nazismo, ideologia que categoriza os seres humanos, algo jamais visto na história: o nazismo é tão repugnante que compará-lo a qualquer outra ideologia é ser condescendente a ele.

Getúlio Vargas, em 1937, a partir de um falso projeto comunista de tomar o poder, chamado “Plano Cohen”, interrompeu a nascitura democracia de 1934, instaurando o Estado Novo, de inspiração fascista. Vargas foi agraciado com uma cópia de “Mein Kampf” autografada pelo próprio Hitler.

Se por um lado, entendia-se que o comunismo era uma ideologia contrária aos valores constitucionais do Brasil, Sobral Pinto entendia que o Estado, no exercício de sua autoridade vertical perante os indivíduos, não poderia torturar, estuprar, violentar e assassinar aqueles que se opunham à ordem legal. Por este entendimento jurídico e correto, Sobral Pinto, conservador e católico, se pôs na defesa de Luís Carlos Prestes e Harry Berger, em 1935, evocando diante da tortura que Prestes e Berger sofreram até o diploma legal da proteção aos animais.

Como certo alemão disse, a história se repete, primeiro como tragédia e a segunda vez como farsa, novamente em torno do combate a um comunismo imaginário, a democracia foi aviltada ao se apear do poder, em 1964, um presidente democrático. Em torno de uma defesa da ordem constitucional, instalou-se um regime que ignorou as normas jurídicas da época: tanto em 1937, como em 1964, as normas jurídicas não autorizavam que os presos pudessem ser seviciados, violentados, torturados, assassinados. Então, os regimes, que a pretexto de combater a ilegalidade do comunismo, foram ilegais em todos os aspectos com seus concidadãos.

Sobral Pinto, novamente, não temeu a violência ignorante da força, e se portou em defesa dos perseguidos pela ditadura cívico-militar de 1964. Inobstante a gravidade da conduta criminosa, Sobral Pinto enxergava a ilegalidade daqueles, que no exercício da função pública, violentassem a lei e os homens. Sua vida católica e suas convicções conservadoras não direcionaram sua prática profissional, pois recusou o foco ideológico, que utiliza da política para a desvirtuação das instituições jurídicas.

Nestes tempos que vivemos, é dever da Advocacia e de toda a sociedade jurídica enxergar com os óculos de Sobral Pinto. As lentes de Sobral são as da impessoalidade, do devido processo legal e da ampla defesa, da prevalência dos direitos humanos independente da pessoa. Enxergar com os óculos de Sobral Pinto é se posicionar, com vigor, contra a sanha autoritária que ataca a advocacia, e cito aqui, como vítimas, o Presidente do Conselho Federal da OAB, Felipe Santa Cruz, e o advogado Cristiano Zanin Martins.

Enxergar com os óculos de Sobral Pinto é ver a Advocacia como a única fronteira sólida entre o Estado e o autoritarismo. A nossa missão exige esta nobreza de caráter, principalmente com aqueles que discordamos, aqueles que repudiamos, mas que não deixam de ser, na melhor acepção do cristianismo, nossos irmãos humanos.