Supremo presta homenagem a Oscar Dias Corrêa

quinta-feira, 31 de maio de 2007 às 05:29

Brasília, 31/05/2007 – O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) realizou hoje (31) sessão solene em homenagem póstuma ao ministro Oscar Dias Corrêa, falecido em 30 de novembro de 2005. Ao discursar em nome dos demais ministros da Casa, o decano do Supremo, Sepúlveda Pertence afirmou que recebeu gratificado o convite para representar o Tribunal na homenagem. “O convite teve sabor de uma convocação duplamente irrecusável. Para mim, pessoalmente, a solenidade marca a última oportunidade em que me tocará a honra de ser orador do Tribunal ao cabo de 18 anos de judicatura e, ao mesmo tempo, o significado de ter por objeto uma figura humana em que o tempo converteria de uma distante admiração intelectual de minha adolescência e caríssimo amigo de minha maturidade”.

Pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil falou o advogado Aristóteles Atheniense. Ele contou várias histórias sobre o homenageado, entre elas um episódio em que Oscar Corrêa, recém-formado em direito, ao abrir um escritório com Carlos Castelo Branco, em Belo Horizonte, deparou-se com a seguinte situação: “Certo dia, um possível cliente o consultou sobre a especialidade do escritório, recebendo dele essa resposta: ‘Meu amigo, quando você está começando a advogar não tem esse luxo de especialidade, tudo é clínica geral’”. “Ele foi também uma lanterna, uma bíblia, uma bússola a balizar e vocalizar e a sinalizar os caminhos de toda esta gente comum e atual da geração de brasileiros que dele tenham orgulho e honra”, afirmou Atheniense.

Segundo Aristóteles Atheniense, Oscar Corrêa relatou a um cientista político que foi convocado pelo presidente José Sarney a ocupar o cargo de ministro da Justiça. Atheniense disse que, na oportunidade o presidente ponderou: “‘Oscar, eu não estou convidando você para ser membro do meu gabinete, mas o estou convidando para servir ao Brasil’. O convidado disse com aquela franqueza que lhe era peculiar: ‘Já não dava mais para recusar, pois embrulhado na bandeira nacional eu serei capaz de tudo’”.

Biografia

Oscar Dias Corrêa nasceu em Itaúna, Minas Gerais, no dia 1° de fevereiro de 1921. Em Belo Horizonte, iniciou suas atividades literárias, ganhando em 1935, concurso de oratória com discurso sobre “A Paz no Chaco”. Anos mais tarde, fez o curso de bacharelado na Faculdade de Direito da UFMG e em seguida iniciou-se na advocacia e na vida pública. Em 1946, foi nomeado oficial de gabinete do secretário das finanças do estado de Minas Gerais.

No ano seguinte, foi eleito deputado da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, reelegendo-se para a legislatura 1951-1955. Neste último ano, foi reeleito a deputado federal, ocupando o cargo nas legislaturas seguintes (1959-1963 e 1963-1967). Foi nomeado secretário da educação do governo mineiro e ministro da Justiça do governo José Sarney nos anos de 1961 e 1989, respectivamente.

Corrêa ministrou economia na Faculdade de Direito de Minas Gerais, na Faculdade de Direito da Universidade do estado do Rio de Janeiro, na Universidade de Brasília e na Universidade Católica de Minas Gerais entre os anos de 1951 a 1971.

Em 1982, o homenageado foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal, na vaga decorrente da aposentadoria do ministro Clóvis Ramalhete. Em 1985, ele ocupou o cargo de membro substituto e vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Três anos mais tarde, foi eleito vice-presidente do STF, não exercendo o cargo por ter sido aposentado em 17 de janeiro de 1989 porque nomeado ministro de estado da Justiça.

O ministro Oscar Dias Corrêa foi eleito em 6 de abril de 1989 para a Cadeira nº 28, da Academia Brasileira de Letras, e participou de inúmeras entidades culturais, além de ter sido membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), representando Minas Gerais.

Íntegra do discurso do conselheiro federal Aristóteles Atheniense:

Por nímia deferência ao Presidente Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Cezar Britto, represento a nossa instituição na sessão em que o Supremo Tribunal Federal reverencia a figura exemplar do Ministro Oscar Dias Corrêa.

Na manhã de 30 de novembro de 2005, foi-me conferida uma pungente missão: ao lado de sua esposa Diva, de seus filhos Ângela e Oscar Júnior, e de tantos familiares e amigos, velei o seu corpo no Salão dos Poetas Românticos, na Academia Brasileira de Letras.

E o fiz tomado de angústia, pois, coincidentemente, há quatorze anos passados, também, no mesmo dia 30 de novembro, na mesma cidade do Rio de Janeiro, despedi-me de outro grande advogado.

Refiro-me ao nosso coestaduano Heráclito Fontoura Sobral Pinto, companheiro de Oscar Corrêa no Conselho Federal, durante oito anos, na vigília permanente que os uniu nas lutas sustentadas em prol das garantias democráticas. O primeiro natural de Barbacena; o segundo de Itaúna. Hoje dormem, serenamente, na mesma necrópole, o sono dos justos.

Ambos se notabilizaram pela intrepidez com que defendiam suas idéias. Identificaram-se, inclusive, pelo atrevimento com que resistiram aos impostores e à truculência, que não foi suficiente para atravancar o caminho percorrido, com inexcedível denodo.

No dia seguinte ao de sua morte, Oscar Corrêa iria lançar na Academia Brasileira de Letras o seu livro “Viagem com Dante”, o pai da poesia italiana. A sua admiração pelo poeta florentino o levou a saber de cor estrofes inteiras do Inferno, do Purgatório e do Paraíso.

Nesta obra, Aliguieri atravessou os nove círculos do inferno e, no ápice da montanha, encontrou Beatrix Portinari, que o conduziu ao Paraíso.

Para homens como Oscar Corrêa, a morte não é mais que um passaporte para a vida eterna; como não foi mais que a curva da estrada, no dizer de Fernando Pessoa.

Quando Oscar partiu, Murilo de Mello Filho, seu confrade na Academia Brasileira de Letras, em artigo publicado no Jornal do Brasil (7.12.05), fez um retrospecto da sua atuação nas diversas áreas em que militou. Algumas retratam bem a sua maneira de ser e o seu humor permanente.

Em 1944, Oscar foi instado por Pedro Aleixo a assinar um telegrama de solidariedade a José Américo, pela entrevista que concedera ao Correio da Manhã contra o Estado Novo. De pronto, atendeu ao pedido, mas com este adendo: “Dr. Pedro, vou assiná-lo, porque na prisão o senhor leva jeito de ser pelo menos um bom companheiro”.

Recém-formado em Direito, Oscar abriu um escritório com Carlos Castelo Branco, em Belo Horizonte. Certo dia, um possível cliente o consultou sobre a especialidade do escritório, recebendo dele essa resposta: “Meu amigo, quando você está começando a advogar não tem esse luxo de especialidade. Tudo é Clínica Geral”.

Considero ocioso não só enumerar as funções que exerceu, mercê de seu talento, como recapitular as obras que nos legou nas diversas searas do Direito.

Tenho como mais oportuno reavivar a sua inquietação com os vícios da política brasileira, abrangendo todos os escalões. E, que nos dias atuais, constituem um explodir sem fim de escândalos e atos criminosos, sem que se possa prever até quando iremos conviver com tamanha desfaçatez.

Alguns meses antes de sua ida (Jornal do Brasil, 23.3.05), em artigo entitulado “A Amazônia é nossa”, externou sua preocupação com a notícia de que ambientalistas veicularam, em Conferência sobre a Amazônia, o propósito de internacionalizar o nosso território, sob o pretexto de que se trata de uma reserva ambiental da biodiversidade e, como tal, deveria ser transformada em patrimônio universal a ser explorado pelas nações mais poderosas.

Opondo-se tenazmente a essa usurpação, observou: “O mais esquisito é que indicam como o território deve ser explorado e os efeitos da exploração, mas não se dispõem a ajudar o país, que lhe tem o domínio, nem a tentá-lo, preferindo fazê-lo como lhes aprouver e como se fosse coisa sua”.

Não se perderá, no tempo, a tese que defendeu na V Conferência Nacional da OAB (“Direitos Humanos na Área Internacional”), no Rio de Janeiro, ao considerar que:
“As tergiversações, as interpre-tações extensivas da autoridade ou restritivas da liberdade, a dilação no cumprimento dos deveres para com a liberdade, a ação incontrolada dos detentores do poder, tudo são obstáculos que os direitos humanos devem transpor e vencer, todos os dias, em todos os lugares.

Não se compenetram os que os desobedecem de que a roda da vida os faz de algozes de hoje em possíveis vítimas amanhã; os que os pisam agora, podem ser os pisoteados de depois; e que a situação da liberdade do homem deve fazer-se acima de tudo, porque ela não representa desdouro a quem a assegura, mas honra e prêmio, e antes se engrandece quem se rende a ela, como se amesquinha o que a ignora ou coarcta” (Anais, f. 495).

Em conferência pronunciada como Diretor da Faculdade UERJ, após apresentar-se modestamente não como “... doutor em Direito Constitucional, senão analista de problemas de Direito Constitucional positivo, diletante...”, censurou o art. 160 da Emenda de 1969. Segundo aquele dispositivo, “A ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base nos seguintes princípios...”.

Segundo entendia: “a redação é defeituosa, porque o objetivo é a justiça social. O desenvolvimento econômico não é objetivo em si, não é fim em si mesmo, mas meio de atingir a justiça social, como instrumento”.

Referindo-se à segurança nacional, tão exaltada pelo regime militar de então, mostrou tratar-se de “... conceito insuscetível de fixação rígida, visto como obedece as circunstâncias de variabilidade infinita, mutáveis instantaneamente, não sujeitas a fixação legal e impossíveis de se conterem em texto positivo estrito. A própria definição da lei, casuística, cheia de distinções e hipóteses, o comprova”.

Ocupando-se das leis delegadas e decretos-leis, emitiu reflexões que se adequam, presentemente, às medidas provisórias:“A autorização ao Presidente da República para legislar através de delegação legislativa, em nosso entender, é um dos maiores males que corrompem o regime democrático, entre nós, com o nosso presidencialismo exacerbado, não há como conceder novas prerrogativas ao Executivo, além das que tradicionalmente tem tido e das que, tradicionalmente, usurpa”.

Numa advertência oportuna quanto à efemeridade do Texto Constitucional, foi, ainda, mais incisivo ao proclamar que, muitas vezes, “Fazêmo-lo para resolver as aperturas de hoje. Temos um vezo invencível a pensar que a simples edição da lei resolve o problema. Isso até depõe em favor do brasileiro, esse feiticismo da lei. O brasileiro acredita que no momento em que se promulga a lei está resolvido o problema. Acreditamos na lei e lhe emprestamos poder que ela não tem. O resultado é a pletora de leis, enxurrada de leis, inclusive constitucionais, à menor provocação” (RF vol. 267/101).

Ao discorrer, na VII Conferência Nacional da OAB, sobre o tema central “O Estado de Direito”, Oscar Corrêa observou que este deverá ser interpretado como sendo “... aquele no qual se asseguram as condições do exercício à liberdade do homem; em que o Estado como representante da sociedade dos homens lhe garante o pleno exercício de suas virtualidades, estabelecendo-lhe as normas que a balizam, os limites dentro dos quais devem exercitar-se”.

Prosseguindo nessa ordem de idéias: “O estado de direito pressupõe a vigência de normas estáveis que asseguram o exercício regular da atividade do Estado e dos cidadãos, em equilíbrio, de modo que estes não sofram pressão injusta daquele e aquele não padeça das atividades contrárias deste”. (ANAIS, f. 405)

A decepção de Oscar Dias Corrêa com o sistema eleitoral, imposto pelo movimento militar de 1964, concorreu expressivamente para o seu afastamento da atividade política, como está condensado nessa passagem de outra conferência pronunciada quando no exercício do magistério jurídico:“Em nossa opinião, um dos mais graves erros da Revolução foi a extinção dos partidos políticos e a edição do Ato Complementar nº. 4, de 20 de novembro de 1965, que determinou a criação de suas organizações com atribuições de partidos políticos, enquanto estes não se constituíssem. Isto foi uma violência, contra a qual gritamos tanto quanto pudemos. Em vão. E solitários.
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Ao fim de poucos anos, com a renovação dos pleitos, chegaríamos a um pluripartidarismo saudável, de meia dúzia de partidos nacionais, realmente surgidos da realidade, com base nos então existentes.

Que a organização que se fez era artificial e falsa, a prova aí está, reconhecida pelo próprio projeto de reforma do partido do Governo, o grande beneficiário do Poder” (RF 267/106).

Em 1982, Oscar Dias Corrêa foi nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal na vaga decorrente da aposentadoria do Ministro Clovis Ramalhete. Exerceu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, vindo a ser eleito vice-presidente deste Augusto Pretório, sem chegar a exercer esse cargo.

Dentre os muitos votos que proferiu, nesta Corte, recordo-me do que emitiu no RE 93.701-MG. Tratava-se de uma ação reivindicatória julgada procedente, na comarca de Uberaba, em sentença da lavra do então jovem magistrado Humberto Theodoro Júnior.

Fui advogado do apelado e como a sentença veio a ser reformada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, interpus recurso extraordinário, sustentado oralmente neste Pretório pelo Dr. José Guilherme Villela e que teve como relator o Ministro Oscar Corrêa.

Já no preâmbulo de seu voto, assinalou que competia à Corte pronunciar-se prioritariamente quanto “... a distância entre o direito – na lei – e a moral – na solução da equidade, que se impunha a fazê-la”.

Foram palavras suas: “Que não está o Juiz adstrito à letra da lei, não se nega; que o fundamento moral da aplicação do texto legal não lhe é estranho, não se objeta; que a equidade, os fins sociais, o bem comum devem inspirá-lo, não só se reconhece de consciência como se afirma em disposição expressa.

Mas, por outro lado, que o juiz não se substitui ao legislador e não julga ‘contra-legem’; que não despreze e cumpra a norma impositiva, é tanto regra jurídica como moral; porque seria imoral que se autorizasse o juiz a negar a aplicação à lei sob o fundamento moral de que sua consciência a ela se opunha. Estabelecer-se-ia o reino do arbítrio, da vontade de cada um, erigida em Juízo soberano. O que equivaleria a não haver juízo que pudesse impor-se a todos”.

Daí a conclusão convincente: “Mitigue o juiz o rigor da lei, aplique-a com equidade; dose-lhe a dureza ante a fraqueza humana; é de seu dever e deve ser seu comportamento. Mas não a enfrente para negá-la, que não se constrói assim o direito”.

A homenagem deste Excelso Tribunal, por ocasião de sua aposentadoria, lhe foi prestada em sessão de 1º de março de 1989.

Discursou pelo Supremo Tribunal Federal o Ministro Célio Borja; pelo Ministério Público, o então Procurador Geral da República José Paulo Sepúlveda Pertence e pela Ordem dos Advogados do Brasil, o Dr. Pedro Augusto de Freitas Gordilho.

A sua vaga, nesta Corte, foi ocupada pelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence e, na cadeira que deixou na Academia Brasileira de Letras Jurídicas, teve como sucessor o eminente Ministro Carlos Ayres de Britto.

Nesta solenidade póstuma, em que se exalta a imagem de Oscar Dias Corrêa – advogado, ministro, político e imortal –, vale redizer Machado de Assis (“Dom Casmurro”, LXVI): “... o louvor aos mortos é um modo de orar por eles”.

Ainda, na avaliação de Murillo de Melo Filho, neste preito de saudade, podemos acrescentar que: “Ele foi, também, uma lanterna, uma Bíblia, uma bússola, um azimute e um norte a balizar, a vocalizar e a sinalizar os caminhos de toda esta gente comum e atual da geração de brasileiros, que dele têm motivo de honra e de justo orgulho” (Jornal do Brasil, 7.12.05).

Senhora Presidente, senhores Ministros , em exercício e aposentados, ilustrado Procurador-Geral da República e demais autoridades:

Oscar Dias Corrêa, conforme relatou em depoimento prestado a um cientista político, fora convocado pelo Presidente José Sarney a ocupar a Pasta da Justiça, que, na oportunidade, ponderou-lhe: “Oscar, eu não estou convidando você para ser membro do meu gabinete, mas o estou convidando para servir ao Brasil”.

“Aí – disse o convidado em sua entrevista, não dava mais para recusar, pois embrulhado na Bandeira Nacional, sou capaz de tudo” (“Duas Visões da Política Mineira”, 1997, p. 201).

Brasília, 31 de maio de 2007.

Aristoteles Atheniense,

Conselheiro Federal da OAB.