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Durante a década de 1940 e início de 1950, a questão da posição de autonomia e independência da Ordem entrou na ordem do dia de várias reuniões, impulsionada principalmente pela pressão que o governo autoritário de Vargas impunha às corporações profissionais. Finalmente, em abril de 1950, o Tribunal de Contas da União expediu ofício ao Conselho Federal da OAB, considerando que a Ordem era uma autarquia e intimando-a a fazer a prestação de contas, que como tal estava sujeita, no prazo de sessenta dias. O Conselho recorreu à Justiça, impetrando um mandado de segurança elaborado a partir do parecer do Conselheiro Dario de Almeida Magalhães, arrolando 17 pontos para repelir a prestação de contas, dentre os quais: - que a Ordem não geria nenhuma parcela do patrimônio público que se houvesse destacado do patrimônio da União; - não recebia nenhuma ajuda, auxílio nem subvenção do Tesouro Nacional; - não tinha objetivos econômicos, executando tarefa, apenas, de natureza ética, disciplinar e cultural; - que a Ordem tinha assegurados plena independência e íntegro autogoverno, sendo todos os seus componentes de órgãos de direção eleitos pelos membros da corporação, não estando sujeita ao controle ou subordinação hierárquica de qualquer outro órgão ou entidade, senão ao controle jurisdicional pertencente à justiça ordinária na verificação da legalidade de seus atos; - e que a prestação de contas significava uma subordinação e um controle que não se coadunavam com a plena independência (seu verdadeiro patrimônio) que à Ordem devia ser assegurada a fim de bem desempenhar a missão para a qual fora criada. A sentença de primeira instância negou o mandado de segurança, mas o Recurso apresentado no Tribunal Federal de Recursos foi julgado favoravelmente em 25 de setembro de 1951. Foram apresentados embargos à decisão, rejeitados pelo Tribunal em 22 de setembro de 1952, que alegou que a Ordem não fazia parte da administração pública, embora fosse pessoa jurídica de direito público. O regime militar instaurado em 1964 tentou submeter a Ordem ao controle direto do Poder Executivo em duas ocasiões. A primeira ocorreu em 1967. Buscando apoio no Decreto-lei n.º 200, de 25 de fevereiro de 1967, que tratava de Reforma Administrativa relativamente às Autarquias, foi baixado o Decreto n.º 60.900, de 26 de junho de 1967, que prescrevia a vinculação da Ordem dos Advogados do Brasil ao Ministério do Trabalho e Previdência Social. Em sessão de junho de 1968, o presidente da OAB, Raymundo Faoro, comunicou que manteria contatos com o consultor jurídico do Ministério do Trabalho, sobre o problema da subordinação da Ordem, afirmando que se fosse mantido tal intuito, tomaria as providências para que o Conselho ingressasse em juízo contra a decisão. A matéria foi submetida ao consultor-geral da República, na época Adroaldo Mesquita da Costa, que emitiu o parecer 753-H, aprovado pelo presidente da República em 17 de outubro do mesmo ano e publicado no DOU de 21/10/1968, considerando não se aplicar à Ordem dos Advogados a legislação referente às Autarquias, em obediência ao disposto no § 1.º do art. 139 da Lei n.º 4.215/63, o Estatuto da OAB. A segunda investida contra a autonomia da Ordem se deu em função da edição, pelo Poder Executivo, do Decreto n.º 74.000, de 1 de maio de 1974, seguido do Decreto n.º 74.296, de 16 de julho de 1974. O art. 1.º, inciso I, item 23, do Decreto n.º 74.000, procurou vincular o Conselho Federal e os Conselhos Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil ao Ministério do Trabalho, “para os fins dos artigos 19 e 26 do Decreto-lei n.º 200, de 25 de fevereiro de 1967”, enquanto o Decreto n.º 74.296, declarava que o liame estabelecido era “para efeito da supervisão ministerial de que trata o art. 1.º, parágrafo único do Decreto-lei n.º 968, de 13 de outubro de 1969”. O problema da autonomia da entidade somente foi resolvido com a publicação no Diário Oficial da União, de 14 de fevereiro de 1978, novo parecer do consultor-geral da República, desta vez um ex-Conselheiro da Ordem, Luiz Rafael Mayer, emitido em maio de 1975 e aprovado pelo presidente da República em 21/06/1975, que desligava definitivamente a Ordem de qualquer órgão governamental. Mas em 1998, decorridos vinte anos da decisão favorável à autonomia da OAB, as medidas provisórias n.º 1549 e n.º 1642 pretenderam vincular o Conselho Federal e as Seccionais ao Poder Judiciário dos Estados. A estratégia de atuação do Conselho Federal resultou na exclusão da OAB da lista de entidades de classe transformadas em pessoas jurídicas de direito privado e, por conseguinte, sujeitas à jurisdição da Justiça Comum. A posição de advogados e juristas foi indeclinável ante a possibilidade de perda de autonomia da entidade. Em razão dos argumentos defendidos pela Ordem, os congressistas decidiram incluir um parágrafo que estabelecia que as normas criadas para serviços de profissões regulamentadas não se aplicariam à Ordem dos Advogados do Brasil. A ressalva incluída no texto da lei foi de fundamental importância, já que a submissão do Conselho Federal e das Seccionais à Justiça Comum representaria uma circunstância que causaria mal irreparável à independência da entidade. De grande destaque foi a atuação do senador Bernardo Cabral, ex-presidente da Ordem, cujo empenho foi importante para a vitória do Conselho. Com relação ao trabalho desenvolvido pela OAB, ele destacou: Todos sabíamos que ali havia um grande erro de inconstitucionalidade e tínhamos certeza de que a Ordem dos Advogados do Brasil não ficaria saliente, nem eqüidistante, nem indiferente. No ano 2000 a OAB manteve, novamente, disputas jurídicas para assegurar o cumprimento de suas funções enquanto órgão fiscalizador e defensor da Constituição. Desta vez, defendeu-se de uma representação formulada pelo Ministério Público, que tratava da obrigatoriedade de apresentação regular de contas ao Tribunal de Contas da União. Para tanto, foram utilizados argumentos que enquadravam a Ordem como uma federação de pessoas jurídicas de direito público, ou seja, uma autarquia, e como sendo prestadora de serviço de fiscalização profissional, o que era, no entendimento do Ministério, atividade típica do Estado, delegada e exercida por entidades de natureza necessariamente pública. Além disso, O Ministério Público considerou que as contribuições arrecadadas pela OAB eram de origem tributária, constituíam dinheiro público, o que deveria levar o Conselho Federal e as Seccionais a prestarem contas ao TCU. A reação da OAB foi imediata. A defesa alegou, primeiramente, que a matéria em apreciação já havia sido julgada pelo Poder Judiciário em 12 de setembro de 1952, o que comprometia a legalidade do processo impetrado pelo Ministério Público. A existência de uma sentença sobre causa já apreciada, segundo o Código de Processo Civil, impediria qualquer tribunal de julgá-la novamente. Na década de 1950, entendeu-se que a entidade não estaria sujeita à fiscalização do Tribunal de Contas da União, decisão que não deveria ser revista. Em seguida, a defesa discorreu sobre a natureza jurídica da OAB, alegando ser esta uma autarquia sui generis, não sujeita a qualquer tipo de controle estatal e, portanto, livre de qualquer obrigação tributária para com o Estado. Apesar de exercer serviços públicos, o Conselho Federal goza de ampla autonomia administrativa, é mantido com recursos próprios, não recebe subvenções e dispõe de legislação especifica, diferente da que trata do funcionamento das autarquias. O parecer do ministro Rafael Mayer, reforçou essa posição, pois, segundo ele o tratamento diferenciado da OAB no universo das chamadas corporações ou entidades incumbidas da fiscalização do exercício das profissões liberais, tem razão de ser na eminência das atribuições que a ela são confiadas pelo ordenamento jurídico, excedentes do campo da simples disciplina e defesa da classe. Até o momento não houve decisão final sobre a natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil e, por conseguinte, sobre as obrigações tributárias da entidade para com os cofres públicos. |