Britto: Vamos descentralizar e profissionalizar a OAB

domingo, 25 de fevereiro de 2007 às 08:15

Brasília, 2502/2007 - Durante o primeiro mês à frente da presidência da Ordem dos Advogados do Brasil, Cézar Britto movimentou a instituição. Entre suas primeiras providências está a mudança no sistema de apuração ética. Logo no primeiro dia, a câmara que julgava os processos disciplinares do Conselho Federal da Ordem foi transformada em três turmas. Segundo ele, a medida levará mais celeridade aos processos. Além disso, Britto já se reuniu com o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, para apresentar uma proposta de reforma política e está com um encontro marcado para discutir o assunto com os presidentes da Câmara e do Senado. Na área do ensino jurídico, ele comemorou a aprovação de um novo marco regulatório pelo Ministério da Educação. Britto acredita que as novas regras trarão mais qualidade para o ensino do Direito.

Empossado no dia 1º de fevereiro, Britto, que era secretário-geral da Ordem, foi o único candidato na sucessão do ex-presidente Roberto Busato. Sua expectativa em relação ao novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é boa. O novo presidente da OAB, no entanto, mandou um recado. “Estamos em compasso de espera para ver se as promessas de um governo mais ético sairão do papel, caso contrário continuaremos intransigentes na defesa do país e dos interesses sociais”, disse. Sergipano de Propriá e formado pela Universidade Federal de Sergipe, Britto teve participação ativa no movimento estudantil e já ocupou a presidência da OAB do estado. Seu tio, Carlos Ayres Britto, é ministro do Supremo Tribunal Federal.

Segue a íntegra da entrevista concedida à jornalista Renata Chamarelli do jornal Hoje em Dia, de Minas Gerais:

P-Quais são suas prioridades à frente da OAB Nacional?
R- Nossa instituição integra 600 mil advogados, está presente nos 27 estados da federação e tem duas funções legais e constitucionais - defender o estado democrático de direito e a categoria. Sendo assim, não podemos ter uma única prioridade. Nossos objetivos têm de englobar a capilaridade da sociedade e a abrangência da advocacia, que quer uma ação corporativa. Por isso, temos múltiplas ações, entre elas descentralizar e profissionalizar a Ordem. Temos o dever de fazer as coisas. Falo muito que qualquer cidadão tem o direito de ficar indignado, mas o advogado tem o dever de ficar indignado e transformar essa indignação em justiça.

P- Como o senhor vai lidar com as questões ligadas à política?
R- Nessa área teremos duas vertentes de atuação. A função republicana da Ordem - de defender a própria República, de denunciar os escândalos, ou de exigir a ética na política -vai continuar forte. Estamos propondo um novo projeto de reforma política para o Brasil. A proposta já foi apresentada ao ministro Tarso Genro e no dia 28 de fevereiro teremos uma reunião com os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Arlindo Chinaglia, para apresentar a proposta. Paralelamente a isso também vamos participar ativamente dos órgãos de controle de políticas públicas do Brasil. Queremos estimular os representantes da comunidade a fiscalizar os recursos públicos. Esses órgãos oficiais de controle de políticas públicas podem impedir a corrupção. Por exemplo, quando sai uma ambulância para o interior, o conselho tutelar pode fiscalizar. Fiscalizaremos na saída, como é a historia da Ordem, e na chegada, como será a nova história da Ordem.

P- E qual a expectativa para o novo governo do presidente Lula?
R- O governo Lula tem uma oportunidade rara de fazer história apagando os erros do passado. Substituindo o sistema de cooptação pelo de coalizão. Tem se prometido mudança na postura ética. O governo está começando e a Ordem está em compasso de espera. Se o governo mantiver a linha do passado, a Ordem evidentemente manterá sua postura intransigente em defesa da República e da ética. Se o padrão do governo for outro, mais ético, a Ordem vai continuar na sua tarefa de exigir cada vez mais ética e cooperar quando precisar.

P- Qual o posicionamento da Ordem sobre a mudança da maioridade penal?
R- Na questão pontual da redução da maioridade penal, a Ordem tem sido contrária a ela e entende que essa não é a solução para o combate à violência. Tanto é que no caso que chocou a sociedade (do menino João Hélio) dos cinco supostos envolvidos, quatro eram maiores de idade. Então não é a indicação de um pena mais dura que impediu a ação delituosa, o que demonstra que não é modificando a legislação penal que vamos resolver o problema da violência.

P- A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie, disse que é equivocada a discussão de tema tão importante de forma emocional. O senhor concorda?
R- Esta é outra preocupação da Ordem. Quando se discute de forma emocional um tema tão importante, que é o combate à violência, você termina prestando um desserviço à nação. Um problema é apontado como culpado, nesse caso a idade penal, e as pessoas acham que solucionando ele vai resolver o problema da violência no Brasil. Isso é errado. A violência brasileira é fruto de anos e anos de afastamento do Estado na solução dos problemas sociais, de segurança pública e da educação. O acobertamento dos crimes de colarinho branco e de desvio de verba pública também deram a sensação de que vale a pena cometer o crime. É a chamada impunidade. Esses são os problemas que devemos enfrentar. A questão da maioridade penal é a ponta do iceberg na questão da violência. Não podemos nos perder num momento tão importante para discutir a violência.

P- Como a Ordem avalia a discussão em torno do teto salarial do Judiciário e do Legislativo?
R- No que se refere à troca de vencimentos, qualquer dirigente sindical da Ordem trocaria os seus vencimentos por qualquer ministro do Judiciário ou qualquer parlamentar porque nós não somos remunerados. Cumprimos nossa tarefa por amor à cidadania e por compreender a importância de exemplos para fazer um Brasil melhor. Esse debate tem importância grande se sairmos das questões pessoais e aproveitarmos para fazer um Brasil mais transparente. É direito do cidadão saber quanto percebe seu servidor público, independentemente do nome do cargo que se dá ao servidor publico. É preciso que se saiba quanto ganha um parlamentar com todos os penduricalhos que fazem engordar a verba remuneratória assim também como a dos ministros do Judiciário.

P- Há alguma novidade em relação ao ensino jurídico?
R- Quando a OAB defende um ensino de qualidade, ela não o faz apenas por interesse corporativo de ter em seus quadros bons advogados. Temos um papel social num país que é desigual. Com o nepotismo solto no Legislativo, Executivo e Judiciário, é necessário que a possibilidade de ascensão social pelo saber seja efetivamente real. Constatamos que na questão do ensino jurídico isso não está acontecendo por causa da mercantilização das instituições. O sonho de ascensão se frustra quando as pessoas percebem que, na verdade, o seu diploma não tem utilidade nenhuma. Diferentemente das demais carreiras, para exercer a profissão em função do diploma de bacharel em Direito, é preciso se submeter a alguma espécie de seleção pública: ou Exame da Ordem, para ser advogado, ou um concurso público, para seguir uma carreira jurídica. É nesse momento que as pessoas percebem que foram vítimas de um grande engodo, porque o índice de reprovação é absurdo. O que demonstra que é preciso mudar. Finalmente o MEC reconheceu que estávamos certos. Agora no início de fevereiro aprovou uma portaria que é um novo marco regulatório no ensino jurídico brasileiro. A partir de agora a qualificação passa a ser importante, a opinião da Ordem também passa a ter um peso maior, mas fundamentalmente a mudança se dá no próprio órgão que vai decidir a criação do ensino jurídico no Brasil. Em vez de ser o Conselho de Educação, para ser um órgão mais qualificado e mais técnico, a exemplo da Capes, que tem um rigor maior na concessão. Então há uma novidade muito boa e espero que com ela o sonho de ascensão social se torne efetivamente real.

P- Qual será a posição da OAB na área internacional?
R- A Comissão de Relações Internacionais já tem um presidente designado, que é o ex-presidente da OAB Roberto Busato. Acertamos que nessa gestão vamos atuar em três frentes distintas, ampliando o leque da Ordem no cenário internacional. O primeiro é o intercâmbio entre associações de advogados. A Ordem tem uma presença muito forte lá fora, é exemplo de organização para o mundo, principalmente porque nós temos a legitimidade de defender a sociedade e não apenas a corporação. A nossa vinculação com a causa social é muito mais forte e isso não é muito visível nos outros países. A segunda medida será de criar uma coordenação específica de defesa da advocacia brasileira em relação à invasão de escritórios estrangeiros no Brasil. Estamos sentindo uma presença muito forte de escritórios que se constituem enquanto empresas mercantis. Quando esses escritórios chegam ao Brasil, onde nossa visão não é mercantil e proíbe a comercialização da atividade, sofremos uma concorrência desleal. A terceira frente de atuação será de internacionalização de direitos e ajuda comum nesses intercâmbios de direitos. Vamos tentar interagir com as outras Ordens para que os cidadãos brasileiros necessitando de ajuda jurídica fora do país possam procurar uma das nossa irmãs. Queremos também ajudar na repatriação de recursos públicos desviados.

P- Nos últimos dois anos foi possível observar o envolvimento explícito de advogados no crime organizado. Como a Ordem vai lidar nesses casos?
R- Acho que a frase de Busato na época é um grande divisor de águas no comportamento da Ordem. Quando ele disse que não existem advogados delinqüentes e sim delinqüentes travestidos de advogados ele fez uma pontuação muito clara: não vai e nem deve ter ações corporativas da Ordem em relação aos que entram para a delinqüência. E isso tem que ser feito de forma intransigente. Se há injustiça no Brasil temos que reconhecer as nossas culpas. No meu discurso de posse apontei várias delas: alguns de nós fazem lobby, alguns se acovardam quando vão enfrentar o poder público porque preferem a posição cômoda da convivência com aquele que é autoridade, outros não cumprem o dever ético e ainda há os que, na posição de dirigentes sindicais, são permissivos, deixando os processos contra os advogados prescreverem. Temos que mudar essa postura. Nessa gestão, já no primeiro dia, operacionalizamos uma mudança na estrutura de apuração ética. Tínhamos uma câmara que julgava os processos disciplinares no Conselho Federal da Ordem e transformamos essa câmara em três turmas para dar uma resposta muito mais rápida aos processos disciplinares que aqui chegam evitando que prescrevam ou que não tenham uma resposta imediata.