Futuro presidente da OAB quer firmeza no combate à corrupção
Brasília, 15/01/2007 - Os 81 conselheiros federais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) elegerão, no próximo dia 31, o sucessor de Roberto Busato na presidência do Conselho Federal da Ordem. Apenas um candidato - conseqüentemente, futuro presidente - concorre ao cargo: Raimundo Cezar Britto Aragão, atual secretário-geral da OAB e ex-presidente da OAB de Sergipe. A investidura do cargo será no dia 1º de fevereiro. Sergipano, de 44 anos, Cezar Britto formou-se pela Universidade Federal do Sergipe (UFS). Destacou-se pela ativa participação em movimentos estudantis e sindicais. Como presidente do Conselho Federal, propõe uma OAB mais participativa nos órgãos de fiscalização do Estado. Pretendo aproximar a entidade da sociedade para atuar como parceira e como órgão de iniciativa de defesa social, fiscalizando as políticas públicas, diz.
Segue a entrevista concedida a jornalista Giselle Souza, do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro:
P- Quais serão suas prioridades à frente do Conselho Federal da OAB?
R- A Ordem dos Advogados do Brasil tem que atuar em duas linhas: a institucional e a corporativa. Na institucional, a função é manter a entidade como referência, além de parceira da sociedade na sua luta por um mundo mais plural e uma administração pública transparente. No campo corporativo, é profissionalizar a Ordem, corrigindo as naturais desorganizações decorrentes do trabalho voluntário exercido por seus dirigentes. A idéia da profissionalização é liberar o dirigente para fazer a política institucional e corporativa.
P- O que seria profissionalizado?
R- Seriam os serviços administrativos. A Ordem funciona através do trabalho voluntário de seus dirigentes. Mas cresceu de tal forma que o serviço voluntário, por si só, já não é suficiente. A entidade está presente nos 27 estados, tem 600 mil advogados. Daí a necessidade de melhor organização, com a contratação do quadro administrativo, permitindo que os dirigentes tenham tempo para exercer a política da OAB.
P- Além da contratação de profissionais da área administrativa, que outras ações o senhor pretende desenvolver?
R- Primeiro, pretendo aproximar a entidade da sociedade para atuar como parceira e como órgão de iniciativa de defesa social; segundo, atuar na fiscalização das políticas públicas. A falência do sistema representativo exige participação mais efetiva da sociedade na fiscalização e no controle dos recursos públicos. Isso é feito através dos conselhos de fiscalização que tem a participação da comunidade.
P- Como seria essa fiscalização?
P- Temos que ter presença mais ativa nos órgãos de fiscalização. Todos os conselhos previstos na Constituição precisam de uma forte participação da sociedade para que não sejam aparelhados pelo Estado, para que não sejam representados por integrantes do próprio Estado. Quando a sociedade se ausenta, esses órgãos geralmente acabam sendo assumidos por aqueles que deveriam ser fiscalizados. Quando falo dos conselhos, falo dos que foram criados pela legislação e dos quais a comunidade deve participar. Exemplos são os conselhos nacionais de Segurança Alimentar, de Assistência Social, dos Direitos da Criança e do Adolescente, de Desenvolvimento Rural Sustentável. Assim como os tutelares e de educação, que têm a função de fiscalizar os recursos públicos que chegam aos municípios. E a participação da sociedade neles resulta numa ação direta e mais eficaz no combate aos desvios de verbas públicas.
P- E qual seria papel da OAB?
R- A idéia é estimular a população a participar desses órgãos de controle. A Ordem vai atuar na linha de fortalecer as entidades da sociedade civil como forma de criar pessoas preparadas para cobrar a aplicação dos recursos públicos. A participação e orientação da sociedade nos órgãos de controle das políticas públicas resultam numa ação direta e mais eficaz no combate aos desvios de verbas públicas. Mas não é só aí. A Ordem tem que ter uma presença muito mais forte e macro no acompanhamento da atividade parlamentar e da atividade do Executivo e do Judiciário.
P- Os conselhos aos quais o senhor se refere incluem os de fiscalização da Justiça e do Ministério Público?
R- A atuação da OAB nos órgãos de administração da Justiça é uma meta constante. No Conselho da Justiça Federal somos apenas observadores. No Conselho Nacional de Justiça e no Conselho Nacional do Ministério Público temos dois representantes indicados pela Ordem. Nesses dois, temos participação real. Nos demais conselhos (de fiscalização), não temos direito (de participar como integrantes da OAB). Por isso, nos credenciamos enquanto representantes da comunidade. O objetivo é estimular a participação popular nesses órgãos de fiscalização. Isso seria feito com o apoio das seccionais, nos estados, e pelo Conselho Federal, aqui em Brasília.
P- Como será a fiscalização da atividade parlamentar?
R- Quando falo que a Ordem tem que estar profissionalizada no aspecto administrativo é para permitir que os dirigentes, que ocupam a atividade de forma voluntária, tenham disponibilidade maior de tempo para desenvolver as ações institucionais. Junto ao Legislativo isso seria feito por meio de um relacionamento mais próximo com os parlamentares. Acompanhando e ajudando o parlamento em alguns casos, principalmente nas matérias de interesse da cidadania e da advocacia, e cobrando em outras situações, assim como colaborando com sugestões legislativas que permitam o combate a morosidade judicial.
P- Qual será a postura do novo presidente do Conselho Federal frente às questões políticas?
R- Temos que ter uma postura não só de crítica, mas também de ação. Como detém o respeito da sociedade, a Ordem pode participar de ações que impeçam a concretização das políticas tidas como antiéticas. Um modo de fazer isso é chamar as entidades e representantes da sociedade para que ajam. É aliar o discurso crítico e coerente a uma ação contundente.
P- No campo corporativo, uma questão importante para a advocacia são as prerrogativas. Quais as suas propostas na área?
R - Primeiro, pretendo esclarecer para as pessoas que o advogado, quando defende suas prerrogativas, não o faz de maneira corporativa, ou seja, como uma tarefa voltada tão e somente para ele. É a sociedade a destinatária da campanha. O advogado que é livre e tem atribuições claras pode fazer com que o cidadão enfrente melhor a arbitrariedade do Estado ou de uma autoridade. Por exemplo, quando se diz que o preso tem direito a conversar com o advogado e que, por isso, não pode ser impedido, se está dizendo que o detento tem assegurado seu direito de defesa. Quando falamos que não se pode invadir escritórios de advocacia nem grampear telefone de advogado, mostramos ao cidadão que ele tem o direito de se defender da ação do Estado que o investiga, pois, se o telefone está grampeado, significa que, na relação processual, o Estado que o acusa sabe da defesa previamente. A campanha da prerrogativa é, sobretudo, uma campanha de defesa da sociedade naquela compreensão de que cidadania e prerrogativa são palavras sinônimas e devem andar sempre juntas. Então, pretendemos continuar com as campanhas de esclarecimentos. Segundo, pretendo desenvolver ação contundente contra aqueles que abusam do poder que têm para atentar contra as prerrogativas. Isso, processando e reconhecendo que quem atenta contra as prerrogativas não pode, depois, advogar por incompatibilidade de ações. Além disso, teremos presença constante no Congresso para procurar criminalizar a ação que atenta contra o direito de defesa, uma vez que a defesa é fundamental e importante para o Estado Democrático de Direito.
P- No ano passado vieram à tona diversas denúncias contra advogados envolvidos com o crime organizado. O que será feito para punir efetivamente o profissional infrator?
R - É preciso esclarecer que, quando crime é cometido, o é por delinqüente e não por advogado. Há uma frase corrente na OAB que diz que essas pessoas são delinqüentes travestidos de advogados. Por isso, são defendidas como qualquer infrator e não como advogados, porque a advocacia não se confunde com a atividade ilícita. A Ordem encaminhou um projeto ao Congresso para dar maior agilidade ao processo de punição, que hoje é burocrático. Para se ter noção, o prazo estabelecido para se suspender preventivamente um advogado que cometeu uma lesão grave é de 90 dias. O projeto visa a reduzir esse prazo e a permitir que os casos envolvendo infrações graves e de repercussão nacional sejam julgados pelo próprio Conselho Federal, para que tenhamos uma resposta imediata, assim como quando vamos proteger o advogado com o desagravo. Queremos criar mecanismos de resposta à sociedade mais rápidos.
P- Qual é a situação desse projeto?
R - Está tramitando na Câmara dos Deputados. Esperamos que, até o próximo ano, seja elevado à condição de proposta urgente urgentíssima, para que possamos dar uma resposta mais rápida à sociedade. O advogado não pode ser utilizado como um instrumento para o crime, mas para combater ou permitir que o cidadão se defenda do crime.
P - Que tipo de relação o Conselho Federal terá com as Seccionais?
R- O Conselho terá que se aproximar cada vez mais das subseções e das seccionais para que os advogados ajam conjuntamente na defesa da advocacia e da função social da advocacia. Na minha gestão, a exemplo do que tem sido feito nas demais, o Conselho Federal terá um relacionamento próximo com as Seccionais e Subseções, buscando resolver todos os conflitos internos e externos que existem na advocacia. Vamos aumentar o número de reuniões administrativas dos dirigentes da Ordem para que se possamos desenvolver ação conjunta por todas as unidades.
P- Que tipo de atuação o senhor pretende desenvolver no plano internacional?
R- A Ordem dos Advogados do Brasil é referência no mundo, pois somos a instituição de advocacia mais organizada do mundo e a única com legitimidade política e processual para defender a cidadania, mas sabemos que é preciso também interagir com os outros países para aprender o que de positivo tem sido feito. Compreendemos que a Ordem não pode ficar isolada dentro do território brasileiro. E isso só é feito através do estabelecimento de relações externas. Isso, porém, com a consciência de que somos referência e sem complexo terceiro-mundista.
P- Quais as suas propostas quanto ao Exame de Ordem?
R- A alta reprovação do Exame de Ordem e a altíssima reprovação nos concursos públicos para a magistratura demonstram que é preciso arrumar o ensino jurídico no País. É preciso fiscalizar e ter ousadia para fechar as faculdades ruins. Primeiro isso deve ser feito através do aumento da fiscalização. Segundo, que é dever da Ordem, por meio do Exame de Ordem unificado para todo o País. Com a aplicação de uma mesma prova, teremos como diagnosticar o ensino jurídico em todo o Brasil. Assim, poderemos oferecer um parâmetro para que as instituições ruins melhorem e para aquelas que não se adequarem fecharem. Não podemos deixar que o sonho de ascensão social do cidadão através do conhecimento seja mercantilizado.
P- No campo institucional, qual será a postura da OAB quanto às ações que visam a moralizar o Judiciário, entre elas a que proibiu o nepotismo e a que estabeleceu o teto remuneratório?
R- O Brasil precisa, urgentemente, tratar igualmente todos os seus. Não se pode mais permitir que tenham acesso à coisa pública àqueles que nasceram em berço esplêndido. O Judiciário tem uma função importante na disseminação da igualdade, pois é dele a função de julgar os casos de desigualdade. Quando o Judiciário praticava o nepotismo, dizia claramente que uns eram melhores que os outros. Acabar com a prática foi extremamente importante para definição ética do próprio Judiciário. Precisamos avançar em outras coisas a exemplo da remuneração do servidor público. O magistrado tem uma função nobre, porém não diferente de outras do serviço público. O tratamento remuneratório que se deve dar aos representantes do Poder Judiciário não pode ser diferenciado dos demais servidores públicos. Aliás, transformar o magistrado em servidor público é tarefa fundamental. Muitos magistrados compreendem que a função deles é servir ao público e não se servir da coisa pública. Esse debate de enquadrar a magistratura na atividade pública é importante para a própria magistratura. A Associação dos Magistrados Brasileiros teve papel fundamental nessa compreensão que o Judiciário tem que dar exemplo ético. E a Ordem vai aprofundar cada vez mais esse debate. Até porque a advocacia faz parte do Judiciário e, segundo a Constituição, é essencial à administração da Justiça.