Artigo: Violência e inoperância institucional

quarta-feira, 10 de janeiro de 2007 às 08:32

Brasília, 10/01/2007 – O artigo “Violência e inoperância institucional” é de autoria do presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, e foi publicado na edição de hoje (10) no jornal Correio Braziliense (DF):

O presidente Lula aplicou o vocábulo “terror” para designar os recentes vandalismos perpetrados no Rio de Janeiro pelo crime organizado. Não há dúvida de que se trata de atos bárbaros, que remetem aos momentos mais hediondos da condição humana. Mas o termo terrorismo, hoje, tem conotação política específica e delicada, vinculada à guerra assimétrica internacional, que envolve potências do Ocidente e organizações paramilitares, predominantemente sob o comando de lideranças árabes. A tragédia que abala os grandes centros urbanos nacionais não tem relação com nada disso.

É inteiramente made in Brazil — e é inadequado associá-las. Decorre do crônico descaso dos nossos governantes, ao longo de sucessivas administrações, para com todos os fatores relacionados com a segurança pública. O primeiro deles, sabemos, é a exclusão social. Sem acesso à educação e ignorados por partidos e governos, numerosos contingentes da população — a maioria jovens — vêem-se à margem dos frutos do progresso e da civilização, reféns da barbárie e mão-de-obra preferencial do crime organizado.

O narcotráfico, fenômeno relativamente recente em nossa paisagem sociopolítica, prosperou graças a essa convergência de fatores adversos: o descaso sistemático dos governantes com a segurança pública e os numerosos bolsões de excluídos sociais, com farta predominância de jovens.

O presidente Lula mencionou a necessidade de agravar a legislação penal para reverter esse quadro. O governador do Rio, Sérgio Cabral, chancelou esse ponto de vista, que sensibiliza muita gente, sobretudo na seqüência de acontecimentos traumáticos como os do Rio de Janeiro. Mas não penso que seja por aí.

A crise social brasileira não decorre da ausência ou escassez de leis, mas da inoperância e inapetência dos governantes em aplicá-las — em especial, em fazer valer os instrumentos institucionais à disposição do cidadão. As polícias — civil e militar — não funcionam. São mal-remuneradas e estão desequipadas. Os presídios são caóticos e, em vez de instâncias de regeneração de infratores, são universidades do crime. E é de lá que as ações de vandalismo que infernizam os habitantes de São Paulo e Rio de Janeiro são comandadas.

Não há uma política nacional de segurança pública. Não se trata de criar ministério ou secretaria. Estrutura física não falta. O que é necessário, indispensável mesmo — e é espantoso que até hoje inexista —, é articulação efetiva entre estados e União. Interesses político-partidários menores — mesquinhos mesmo — impediram que estados como São Paulo e Rio, reféns da crescente agressividade dos criminosos, obtivessem auxílio das forças nacionais de segurança.

A União, por sua vez (e não me refiro ao atual governo apenas, mas também aos que o antecederam), tem sido negligente no repasse de recursos e no cumprimento da parte que lhe cabe nesse processo: o policiamento das fronteiras, a repressão ao contrabando de armas e ao ingresso de drogas no país. A violência nas metrópoles é subproduto desses fatores. Combatê-la sem que sejam suprimidos é inútil. É como enxugar gelo. É preciso articular autoridades estaduais e federais.

A eficiência desse combate precisa ir ainda mais longe. Precisa agregar as polícias dos países vizinhos. Os serviços de inteligência dos países latino-americanos têm sido burros. Não falam entre si. Limitam-se às suas fronteiras, que são ignoradas pelos criminosos. Só muito recentemente países como Brasil e Argentina — para citar os dois maiores — iniciaram um tímido relacionamento entre suas polícias federais. É preciso que se estabeleça um Mercosul da segurança.

Não tenho dúvidas de que o caminho é este: melhorar a condição dos órgãos de segurança e, simultaneamente, ampliar a articulação entre eles, nas diversas esferas em que atuam. Isso quanto ao aspecto meramente operacional. Do ponto de vista estrutural, a missão é mais árdua e só dará respostas a médio prazo.
Trata-se de investir em educação, absorvendo os numerosos contingentes de jovens excluídos da sociedade brasileira. Se o país quer mesmo superar as mazelas do subdesenvolvimento, não há outra saída. Não se chega ao Primeiro Mundo com a população do lado de fora.

Não é preciso, portanto, agravar as leis. É preciso cumpri-las. E aí o exemplo vem de cima: se além de inoperante, o poder político assume viés delinqüente, torna-se, inversamente ao que se espera, estímulo e não fator intimidador do crime. Esse, sim, é um quadro de terror, que precisa ser banido de nossa paisagem institucional.