Editorial: Crise de representação
Vitória (ES), 17/12/2006 - O editoral "Crise de representação" foi publicado hoje (17) no jornal A Gazeta, do Espírito Santo:
"Uma onda de protestos irrompeu no país. Motivo: indignação provocada pelo aumento de 91% nos subsídios de deputados e de senadores. Eles, que já ganham 15 salários por ano, saltarão de R$ 12,8 mil (que já era uma remuneração muito elevada) para R$ 24,5 mil mensais. Autopresentearam-se com esse fenomenal reajuste. Além disso, continuarão a receber uma série de salários indiretos – como verbas para gabinete, para custear estudos, combustível, despesas telefônica e postal, materiais gráficos, auxílio-moradia, passagens aéreas, etc. Uma farra paga pela população, na sua grande maioria constituída de pessoas de baixa renda.
O termo "revolta" passou a ser utilizado em importantes sites de veículos de comunicação para definir o sentimento popular diante da atitude dos parlamentares. O brutal aumento salarial é mais um motivo para os cidadãos se sentirem traídos por aqueles que institucionalmente são seus representantes. Que situação incômoda para o país! Nesse clima, órgãos de representação classista se manifestam com veemência.
Em nota divulgada na sexta-feira, a CUT classifica o reajuste como "bofetada no povo e na democracia" e afirma que os atuais congressistas "incentivam o achincalhamento das instituições democráticas". Já a Ordem dos Advogados do Brasil, por meio do seu presidente, Roberto Busato, diz que o Congresso, "que deveria ser a caixa de ressonância da sociedade", na atual legislatura se transformou em "caixa de ressonância da imoralidade"..
O protesto da OAB abrange a série incessante de escândalos dos últimos anos, que colocaram em cena o valerioduto, o caixa dois de campanha, os caudalosos rios de combustível gastos por parlamentares às custas do Congresso e todas as demais falcatruas que motivaram a instalação de quatro CPIs: a dos Bingos, a dos Correios, a do Mensalão e a dos Sanguessugas.
Esse quadro mostra que está em curso a mais aguda crise de representação da história da democracia brasileira. O legislativo não responde aos anseios da maioria da sociedade. Passou a afrontá-la. Inúmeras pesquisas de opinião pública exprimem o clamor do povo contra o desempenho de muitos parlamentares. Em princípio, isso também afigura-se como um contra-senso: se a sociedade reprova os maus políticos, por que os elege? Ora, nem sempre. Dos 513 deputados, 269 conseguiram se reeleger. Entre 69 suspeitos de serem sanguessugas, só cinco ganharam novo mandato.
O problema é que a substituição nem sempre acresce qualidade ao Congresso. O mesmo verifica-se nas assembléias legislativas e nas câmaras municipais. Os discursos sedutores e o marketing eleitoral da desfaçatez costumam engambelar eleitores com as melhores intenções possíveis. A desinformação política de numerosa parcela da população – refletindo deficiência educacional – constitui campo fértil para a proliferação e a sobrevivência de políticos ruins.
Nesse ponto, levanta-se um antigo debate: a crise da representação popular no Legislativo é causada por maus políticos, pelo sistema eleitoral defeituoso, ou por ambos os fatores. É o momento de as forças da sociedade organizada discutirem intensamente o que deve ser feito. Do jeito que está não dá para continuar. É fundamental que se construa um modelo de representação democrática auto-sustentável."