Toron responde críticas de lista publicada pela OAB-SP

quinta-feira, 16 de novembro de 2006 às 10:02

Brasília, 16/11/2006 - O conselheiro federal pela Seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Alberto Zacharias Toron, enviou carta ao diretor do jornal O Estado de S.Paulo, Ruy Mesquita, respondendo ao editorial "A OAB ameaça seus inimigos" onde o jornal critica a denominada lista negra integrada por autoridades que se recusaram “a receber advogados ou por não terem acolhido reivindicações por eles encaminhadas”.

Segue a íntegra da carta :

"O prestigioso jornal do qual Vossa Senhoria é diretor (e do qual, orgulhosamente, sou leitor e assinante há mais de 30 anos), na edição de domingo último, dia 12 de novembro, na página A3, veiculou um editorial intitulado “A OAB ameaça seus ‘inimigos’”, no qual critica a denominada lista negra integrada por autoridades que se recusaram “a receber advogados ou por não terem acolhido reivindicações por eles encaminhadas”. Ademais, o editorial observou que “ao negar registro profissional a quem eventualmente desagradou a algum advogado, a OAB está exorbitando de suas funções, procurando intimidar funcionários de empresas particulares e servidores dos poderes públicos, que têm regras e procedimentos a cumprir e não podem em hipótese alguma acolher pretensões absurdas de determinados bacharéis”.

O editorial, pesa dizê-lo, parte de premissas fáticas falsas para chegar a uma conclusão errada. Não é certo, é inverídico, que qualquer desagrado a um advogado ou mesmo recusas a pretensões absurdas, possam ensejar a colocação de uma autoridade pública na assim chamada lista negra da OAB. Somente autoridades que abusaram do poder, desrespeitando direitos especificamente assegurados aos advogados para bem defender o cidadão, é que, após o devido processo legal, com amplo direito de defesa, poderão ter seu nome lançado em lista para avaliar o preenchimento dos requisitos para futura inscrição na OAB.

Assim, todas as autoridades que ensejaram, nos termos da Lei n.º 8.906/94, a realização de um desagravo em favor do advogado ofendido no exercício de sua atividade (art. 7º, inc. XVII) é que propiciará a colocação do agente público violador das prerrogativas profissionais na lista da OAB. Se a OAB pode conceder desagravo é porque, na sua esfera administrativa, julga os atos abusivos praticados por agentes públicos. Se estes têm os seus atos avaliados por suas corregedorias, isso se faz com vistas a outras providências. Uma coisa não exclui a outra. Aliás, a atuação correcional não inibe e nem prejudica a da OAB, legalmente prevista.

O cadastro criado de fato não é simpático. Basta, porém, examinar o porquê de sua adoção para se perceber que ele se apresenta como um instrumento de defesa da classe e dos direitos que, em prol do cidadão, asseguram a defesa do constituinte. Não se trata aqui de chantagem, mas de uma advertência clara para o fato de que abusos e desmandos não podem ser tolerados. Ou será que o juiz que não recebe o advogado, deixando de cumprir um dever de ofício, para o despacho de uma petição ou a entrega de um memorial deve merecer o aplauso da sociedade? O cidadão que por meio de seu advogado ficou privado de expor pessoalmente os fatos deve ficar alegre com os mal-bofes do juiz? E que dizer do ressurgimento dos inquéritos secretos à moda dos procedimentos da Santa Inquisição, nos quais o advogado, mesmo munido de procuração e com o cliente preso, não consegue examinar os autos? Isso para não falar nos delegados de polícia que destratam o advogado impedindo-o de falar para corrigir falhas e desvios ou dos parlamentares que nas CPIs enxovalham a honra dos advogados que assistem investigados, que se pode dizer?

Este jornal que de forma tão expressiva (e orgulhosa) para todos os brasileiros lutou pelo restabelecimento do Estado de Direito, aliás, seguindo a luta de seus Maiores contra o autoritarismo do Estado Novo, há de ter presente, como bem advertiu o ministro CELSO DE MELLO, que “o respeito às prerrogativas profissionais do Advogado constitui uma garantia da própria sociedade e das pessoas em geral, porque o advogado, (...), desempenha papel essencial na proteção e defesa dos direitos e garantias fundamentais” (Prefácio no livro “Prerrogativas Profissionais do Advogado”, ed. OAB, 2006, p. 11).

Portanto, quando a OAB reclama do respeito ao advogado e aos direitos que lhe foram conferidos não para gáudio pessoal ou como privilégio de classe, mas para o bom exercício da profissão, está em jogo a própria eficiência da justiça. Daí a atual presidente da OAB/SP, Marcia Melaré,em nota publicada pelo Conjur, ter afirmado que “As prerrogativas dos advogados não são privilégios de uma classe, mas um conjunto de normas estabelecidas em lei, destinadas a garantir a liberdade de defesa e os direitos dos cidadãos”. Calamandrei, há mais de meio século, chamava atenção para o fato de que os personagens que atuam na justiça funcionam como um sistema de vasos comunicantes: quando o nível de um baixa, é inevitável que o mesmo ocorra com o outro.

Quando o desdém de quem feriu garantias asseguradas aos que têm a incumbência de falar pelos cidadãos nos tribunais, repartições públicas ou mesmo empresas privadas chega ao ponto de ignorar desagravos (às vezes concedidos sucessivamente contra a mesma autoridade) só resta à OAB adotar mecanismos de defesa. O que soa extravagante é perceber que os que ensejaram a realização de desagravos, medida concedida com toda a cautela e com amplo direito de defesa da autoridade reclamada, venham agora reclamar da exorbitância ou chantagem. Deveriam pensar duas vezes antes de espezinhar as prerrogativas profissionais no que é exorbitar. Mais grave é a afirmação de que se quer intimidar o agente público que exerce suas funções. Não absolutamente não! Somente quem violou os direitos assegurados em lei para o correto exercício da advocacia é que pode, garantido o direito de defesa, vir a integrar a condição de persona non grata para a OAB. O agente público ou privado que age corretamente, ainda que desagrade quem quer que seja, nunca terá seu nome em qualquer cadastro, a não ser para o devido elogio.

Se erros forem cometidos, a Ordem está pronta a corrigi-los. Mais: está disposta a dialogar com todas as entidades de classe para encaminhar as dificuldades que enfrentamos de parte a parte e conquistarmos um patamar mais eficaz, digno e humano para a nossa Justiça. Todavia, não toleramos mais ouvidos moucos em relação às arbitrariedades e desmandos praticados contra o primo pobre da justiça, o advogado. Quem nos tempos da ditadura ficou calado e agora se lembrou das praticas do antigo Dops, deveria olhar melhor à sua volta para não confundir a defesa de direitos com o acobertamento da prepotência."