Busato entrega a Ellen visão da OAB sobre processo eletrônico
Brasília, 09/10/2006 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, fez hoje (09) a entrega à presidente do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie, de documento relatando as providências que a entidade vem adotando para modernização e adaptação da rotina de trabalho dos profissionais da advocacia ao processo eletrônico. Este sistema será implantado no país a partir da vigência do projeto de lei 5828 do Congresso Nacional, permitindo o envio de petições, de recursos e práticas de atos processuais em geral, por meio eletrônico. A presidente do STF está realizando neste momento uma reunião de trabalho com o Conselho Federal da OAB, reunido em sessão plenária na sede da entidade, em Brasília, sob a presidência de Roberto Busato.
No documento, a OAB descreve os esforços realizados em relação às novas tecnologias eletrônicas que serão utilizadas no Judiciário - como a nova identidade do advogado, com certificação digital - mas ressalva a importância de que esses avanços, pela rápida mudança cultural que implicam, sejam introduzidos de forma gradativa. Diante de mudanças tão drásticas - salienta o documento - é preciso haver muita cautela para não se criar um “apartheid digital”, de modo a não excluir deste novo cenário advogados com natural dificuldade em lidar com os recursos tecnológicos ou menos favorecidos. Por estas e outras razões, a OAB defende aperfeiçoamentos ao projeto de lei 5828.
"Se o Judiciário condicionar o acesso dá Justiça Eletrônica a um cadastramento prévio em um banco de dados diferente do que é gerido pela OAB, certamente acontecerão problemas quanto ao regular exercício profissional, sem que se saiba se o advogado está apto a exercer a advocacia pelo seu órgão de classe", alerta a OAB. A entidade defende o cadastramento do advogado exercido exclusivametne pela OAB, conforme previsto na lei 8.906/94.
O documento recomenda que as novas regras do processo eletrônico sejam adotadas “de forma gradativa par melhor compreensão dos usuários, mantendo durante todo instante o contínuo diálogo entre os atores do processo eletrônico para divulgação e treinamento das etapas de implantação”. Durante a entrega do estudo com as sugestões da OAB à ministra Ellen Gracie, o presidente da Comissão de Tecnologia da Informação do Conselho Federal da entidade, Alexandre Atheniense, fez uma exposição sobre algumas rotinas eletrônicas já em curso na OAB e que serão utilizadas no dia-a-dia no trabalho do Judiciário - como o Cadastro Nacional de Advogados, que hoje contabiliza 605.507 profissionais inscritos na entidade em todo o País, e a nova identidade do advogado, que será lançada em breve com certificação digital, permitindo atos da advocacia à distância.
A seguir, a íntegra do documento entregue à presidente do STF, ministra Ellen Gracie, pelo presidente nacional da OAB, Roberto Busato:
Ofício nº 782/2006 – GPR.
Brasília, 9 de outubro de 2006.
À Exmª Srª
Ministra Ellen Gracie
Presidente do Supremo Tribunal Federal
Brasília - DF
Senhora Presidente,
Somos protagonistas de uma mudança que irá impactar a justiça brasileira nos próximos anos. Esta transformação terá início a partir da vigência do projeto de lei 5828, que cria o processo eletrônico. Na qualidade de gestores da justiça brasileira não podemos perder a oportunidade de cumprir esta missão da melhor forma possível.
No decorrer desta trajetória deveremos fortalecer o diálogo que sempre existiu entre OAB, Judiciário e Ministério Público objetivando que a tecnologia não contamine o projeto de implantação do processo eletrônico de modo a criar novas regras que discordem da legislação vigente.
Entendemos que o texto atual do projeto atende às expectativas iniciais para início de uma mudança que irá ocorrer a longo prazo. Preocupa-nos o dispositivo do artigo 2º do PL 5828 de iniciativa do Judiciário em insistir no propósito de criar banco de dados paralelos ao Cadastro Nacional dos Advogados da OAB com a finalidade de credenciar advogados para acesso aos sistemas de andamento processual a serem desenvolvidos pelos Tribunais Brasileiros.
Não restam dúvidas de que a tecnologia diariamente nos contamina com as suas contínuas inovações que multiplicam e aperfeiçoam as formas de interatividade entre as pessoas. Mas não podemos nos influenciar de modo a criar novas regras do funcionamento da justiça, como a possibilidade de criação de cadastros de advogados que queiram acesso ao Judiciário.
O credenciamento de profissionais do direito deverá ser exercido exclusivamente pela OAB, conforme dispõe a lei 8906/94. Apesar de várias tentativas visando melhorar o atual texto do PL 5828, a redação vigente em seu artigo 2º está em desacordo com a legislação, ao condicionar que o envio de petições, recursos e a prática de atos processuais em geral, por meio eletrônico seja admitido mediante uso de assinatura eletrônica, na forma do art. 1º, sendo obrigatório o credenciamento prévio junto ao Judiciário conforme vier a ser estabelecido pelos seus órgãos.
Este credenciamento junto ao Judiciário será realizado mediante procedimento que assegure a adequada identificação presencial do interessado.
O conflito legislativo mencionado está caracterizado em razão do que preceitua o artigo 4º da lei 8906/94 determinando que reputa nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas. O seu parágrafo único complementa a norma considerando também igualmente como nulos os atos praticados por advogado impedido e que no âmbito do impedimento esteja suspenso, licenciado a passar exercer atividade incompatível com a advocacia.
Se o Judiciário condicionar o acesso a justiça eletrônica a um cadastramento prévio em um banco de dados diferente do que é gerido pela OAB, sobrevirão problemas quanto ao regular exercício profissional, sem que se saiba se o advogado está apto a exercer a advocacia segundo o seu órgão de classe. Vale insistir na assertiva de que o credenciamento, cadastramento e atualização de dados de advogados é de competência exclusiva da OAB.
A OAB vem desenvolvendo um esforço desmedido na implantação e atualização da infra-estrutura do Cadastro Nacional de Advogados e da nova identidade do advogado. Quanto a esta, será lançada ainda este ano com certificação digital, através de suas 27 Seccionais e 868 Subseções espalhadas por todo território nacional.
Esta base de dados conta hoje com mais de 600 mil inscritos, tem um crescimento de 15% ao ano, sofre mais de três mil alterações de seus registros por dia, sendo que o seu volume de dados já superou mais de 2 terabytes.
Devido a estes investimentos, já estamos celebrando convênios com alguns tribunais que são destinados ao acesso ao nosso banco de dados para implantação de sistemas. Esta iniciativa permitirá o credenciamento de advogados e a aferição profissional dos que estejam capacitados a exercer a advocacia.
Inobstante experiências já iniciadas, suscetíveis de aprimoramento, pela metodologia até o momento utilizada pelos Juizados Especiais Eletrônicos Federais, no peticionamento eletrônico no STJ, STF, TST, a instalação de um generalizado sistema eletrônico-processual, nos moldes da amplitude proposta no PLC 5828/2001 (compreendendo todo o processo penal, cível e trabalhista), proclama justificada cautela.
Torna-se necessário cuidado na instalação e dimensionamento do projeto, dentro desta propugnada amplitude. Esta cautela compreende estudo ponderado de topologias, migrações de sistemas já existentes, adequação, proporcionalização, e regionalização de soluções, o que concorrerá para tornar exitosa a iniciativa em todo o País.
Não se concebe que um sistema judiciário eletrônico generalizado alcance êxito sem que seja instalado progressiva e comedidamente, respeitando as particularidades e especificidades praticadas numa área continental como o Brasil.
O processo eletrônico não será apenas o histórico divisor monumental de águas da justiça, encerrando a "era do papel, do processo de papel" e inaugurando a "do processo-arquivo computacional". Será bem mais do que isso, pois quando implantado permitirá que os atores do processo judicial passem a ter seus trabalhos visualizados e fiscalizados, e conhecidos da população. Este processo ensejará a instalação de um novo e inédito conceito prático de publicidade de atos administrativos-judiciários. Destarte, a imagem e a individualidade das partes envolvidas no processo torna-se-á accessível através da mera conferência eletrônica, mediante acessos telemáticos usuais pela própria rede mundial de computadores.
A produção da prova, o limite clássico do contraditório, sairão dos lindes tradicionais de produção documental em papel, fazendo com que conflitos usuais - condominiais, societários, familiares, proprietários - possam ser gravados, com imagem e/ou som, e transformados em arquivos de formatação específica como MP3, MPEG ou JPEG. Com isto poderão gerar provas compatíveis com a estrutura processual, e cuja clareza será o seu ponto positivo. Essas provas serão aceitas no processo eletrônico, como elementos formadores da convicção judicial e a exemplo das demais serão abrangidas por uma publicidade inédita, suscetível de exame inclusive por terceiros, nacionais ou estrangeiros, através da Internet.
Os espaços físicos clássicos, compreendendo Secretarias Judiciais, prédios de arquivos vivos e arquivos mortos, prateleiras, escaninhos, judiciários, entrarão em rota de ociosidade, gerando o benefício da redução de custos clássicos proporcionais que poderão ser realocados para investimentos em redes computacionais telemáticas judiciárias, ensejando melhores capacidades transmissivas, processadoras, além de arquivamento dos processos eletrônicos.
Como todo processo massivo de automação, a mão-de-obra, hoje numerosa, compreendendo milhares de agentes administrativos integrados aos serviços judiciários, incumbidos da prestação da atividade-meio perderão seus pontos convencionais de trabalho como atendimentos em balcão, processamento de milhares de petições físicas e documentos ajuizados por dia em cada foro, autuações, carimbagem, numeração, cadastramentos e terão, por isso, de ser remanejados, treinados, preparados, para uma qualificação maior, no trato do processo eletrônico.
Sobreleva notar que o exercício da advocacia, passará por intensas transformações a partir da necessidade de reaparelhamento físico-computacional de escritórios e advogados. Ainda que não se possa fazer uma estimativa concreta destes investimentos, em face das condições econômicas desfavoráveis da maior parte dos 600 mil advogados brasileiros.
Outro ponto de grande repercussão será a da migração de dados e de sistemas, hoje já instalados em vários tribunais brasileiros, para a(s) plataforma(s) computacionais que será(ão) destinada(s) ao processamento do processo eletrônico.
Como serviço público essencial, a continuidade da prestação jurisdicional não poderá ficar a mercê de escolhas ou unificações computacionais que não permitam uma passagem tranqüila e saudável, do cenário atual para o de uma justiça completamente eletrônica. Neste ponto, assinalo como advertência o recente entrave surgido no âmbito do TRF da 1ª. Região em São Paulo, onde a escolha de novo programa de computador para gerenciamento da distribuição de novas ações terminou por bloquear a iniciação dos processos. Isto implicou em grave lesão do direito de petição. Este exemplo presta-se a recomendar caminhos e soluções que se tornem exitosas para a implantação generalizada do processo eletrônico brasileiro.
A Ordem dos Advogados do Brasil insere com entusiasmo, neste contexto da modernização imprescindível dos serviços judiciários e buscando contribuir para que a nova realidade se instale, no País. Assim procede com respeito a postulados constitucionais intransponíveis e sugere ao Excelso Supremo Tribunal Federal adoção de seguintes providências e metodologias para a fase de coordenação e implantação do processo judicial eletrônico de que cuida o PLC 5828/2001:
a) Diálogo permanente com gestores de tecnologia da informação dos Tribunais Estaduais e Federais, sob cuja responsabilidade acham-se hoje, em tramitação, milhões de processos envolvendo interesses da população, a fim de que as particularidades regionais e estaduais, e os variados ritos legais processuais, sejam permanente considerados na definição das novas topologias e soluções computacionais de tecnologia da informação. Esta sugestão visa evitar riscos de estagnação da prestação jurisdicional evitando-se a adoção unilateral de sistemas-padrão que não assegurem migrações ou adaptações locais ou que não preservem, com razoabilidade e proporcionalidade, dados e andamentos judiciários já atualmente disponíveis no âmbito destes Tribunais;
b) Diálogo permanente entre o Conselho Nacional de Justiça e Tribunais com a OAB visando a implantação saudável do processo judicial eletrônico, uma vez que a lei brasileira, assentada em secular tradição do direito pátrio, entrega a estas instituições a missão de identificação e cadastramento de seus respectivos integrantes, como já anteriormente justificado nestas proposta.
c) Coordenação da implantação do processo eletrônico por fases programáticas, que incluam etapas prévias, abrangendo a instalação de projetos piloto, de caráter experimental, no âmbito de cada Poder Judiciário - com a participação da OAB e do MP - a fim de que respectivas experiências, com seus dados de aceitação e eventuais inadaptações, possam ser tratadas em debate centralizado, no STF, para encontrar soluções em comum acordo que assegurem a instalação saudável do sistema;
d) Coordenação de estudo-conjunto - que inclua representantes de Tribunais estaduais, federais, OAB, e MP - sobre as alterações da prática processual e judiciária em sua feição eletrônica, frente à norma em que se vier a converter o PLC 5828/2001, elaborando-se, do estudo, "cartilha" nacional, de orientação, com glossário de expressões computacionais e respectiva elucidação, destinada a agentes administrativos, magistrados, advogados, membros do MP, e a sociedade, com o fito de preparação cultural interna e externa do Poder Judiciário para efetivo uso do novo sistema.
e) Sugerimos ainda que se estabeleça um trabalho conjunto entre a OAB e o Judiciário e o Ministério Público visando educar os seus integrantes e a sociedade brasileira a utilizar os recursos do processo eletrônico.
Finalmente, entendemos que o impacto da adoção da legislação do processo eletrônico repercutirá por meio da criação de um canal alternativo para a prática de atos processuais a distância, que certamente irá redefinir conceitos de tempo e distância na prática cotidiana da advocacia brasileira, pois o computador deixará de ser meramente uma ferramenta para uso de programas aplicativos para ser um instrumento de manifestação de vontade.
Diante destas mudanças drásticas, impõe-se a cautela já reclamada para não criarmos um "apartheid digital" de modo a não excluir deste novo cenários advogados que enfrentem com natural dificuldade em lidar com os recursos tecnológicos ou menos favorecidos.
Esta preocupação justifica-se devido à mudança cultural sem precedentes em outros países causada pela desmaterialização do processo e implantação de rotinas processuais à distância.
É ainda recomendável que a implantação destas novas regras se faça de forma gradativa para melhor compreensão dos usuários, mantendo durante todo instante o contínuo diálogo entre os atores do processo eletrônico para divulgação e treinamento das etapas de implantação.
Com estas sugestões, a OAB aplaude a iniciativa do CNJ em buscar agilidade e modernização da justiça brasileira, esperando que o PL 5828/2001 possa ser revisto quanto à redação do artigo 2º, além de pugnar pela sua participação na contínua troca de idéias, mormente se os advogados serão os principais clientes do processo eletrônico, o que legitima a sua participação no processo inovatório em curso.
Atenciosamente,
Roberto Antonio Busato
Presidente