Segundo turno seria prudente inclusive para Lula, diz Busato
Belém (PA), 29/09/2006 – O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, disse, em Belém, que a realização do segundo turno na eleição para presidente da República “seria altamente prudente para todos, inclusive para o próprio presidente Lula”.
“Nós vemos que se as eleições terminarem nesse domingo, o presidente terá metade do país com ele e praticamente a outra metade contra ele. Está virando quase que um plebiscito. E há um escândalo ainda inconcluso, sem os seus pontos devidamente elucidados, sem que tenhamos certeza da participação ou não do presidente da República nesses fatos”, afirma Busato, em entrevista exclusiva ao “Pará Negócios”.
Ele não afasta a possibilidade da OAB ingressar com o pedido de impeachment do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas ressalta que qualquer movimento nesse sentido deveria ser pensado para a próxima legislatura, com a posse do novo Congresso Nacional, já que a atual Câmara dos Deputados não teria condições para julgar o presidente da República, “tendo em vista os graves desvios éticos e de conduta de uma boa parte dos parlamentares”.
Roberto Busato destaca ainda o papel da imprensa na cobertura da crise. “Acredito que a imprensa brasileira está desempenhando um papel condizente com a sua importância perante a sociedade”.
Busato analisa que toda essa crise provoca uma situação muito difícil para a OAB, “que sempre teve uma parceria histórica com o Partido dos Trabalhadores e com o presidente Lula, que foi e que é a maior figura desse partido”. Mas lembra que tão logo tomou posse no Conselho Federal da Ordem, dia 1º de fevereiro de 2004, “nós tivemos que trilhar caminhos diferentes”.
“A Ordem continuou com sua bandeira em prol da ética, da moralidade. Enquanto que, a partir daquele mês de fevereiro, estourando o caso de Waldomiro Diniz, o governo e o presidente Lula tomaram caminho diferente daquele que costumava trilhar na sua caminhada histórica”, diz Busato.
“Os escândalos de avolumaram, se sucederam um atrás do outro, como se fosse uma caixa de lenço de papel. Se puxava um, aparecia o segundo, tirava o segundo vinha o terceiro e chegamos até esse último escândalo, que já é um escândalo em cima do escândalo, o do dossiê, que veio decorrente do escândalo dos sanguessugas”.
E nesse meio, segundo Busato, a OAB se deparou com a hipótese de pedir o impeachment do presidente Lula, tendo em vista a gravidade dos acontecimentos que ocorreram dentro de seu governo e o modo como o presidente Lula se colocou perante esses problemas, “principalmente dando guarida a seus antigos companheiros, sempre tendo uma palavra de apoio àqueles que, mesmo confessando delitos graves, contaram com o beneplácito presidencial”.
Em maio, o Conselho Federal da OAB discutiu o assunto e decidiu não ajuizar o impeachment naquele momento, não porque os fatos não justificassem, de acordo com seu presidente, mas por dois motivos que obstavam a entrada do pedido. O primeiro era a inoportunidade daquele momento, no início do processo eleitoral, “para que a petição do impeachment não se transformasse num palanque eleitoral, tanto pro governo quanto para a oposição”
O segundo motivo era que o impeachment teria que ser apresentado à Câmara dos Deputados. “E nós entendíamos naquele momento que não havia clima de confiança na Câmara dos Deputados, que não teria condição, nem mesmo moral, para julgar o presidente da República, tendo em vista os graves desvios éticos e de conduta de uma boa parte dos parlamentares”.
Mas reconhecendo a gravidade dos fatos e também a participação do presidente da República, a OAB ingressou com uma notícia-crime perante o Procurador Geral da República, com quem está o processo.
“Estamos vendo com absoluta apreensão – declara Busato - o clima que está instalado agora, com esse último escândalo. Um presidente da República que detém uma maioria, pelo menos nas pesquisas, está sujeito a ter um segundo mandato absolutamente tumultuado, complicado, já que terá de um lado uma vitória nas urnas, e de outro uma contestação moral e ética da forma como foram conseguidas essas eleições”.
Existe clima hoje para o impeachment? Roberto Busato reponde que, terminadas as eleições, estaria superado o problema do calendário eleitoral. “Mas pelo menos até 31 de dezembro o Congresso é o mesmo, que cada vez mais perde a sua credibilidade. Eu acredito que qualquer movimento em termos de impeachment deveria ser pensado para a próxima legislatura”.
Sobre o fato de o presidente continuar afirmando que não sabia de nada sobre es escândalos, Busato destaca que a informação é exercício de poder. “Não há presidente de uma República como o Brasil que não tenha informação do que está ocorrendo dentro de seu próprio local de trabalho. Os grandes assuntos delituosos que foram aflorados vieram de pessoas tanto de alto coturno, quanto de pessoas de nível mais baixo na hierarquia, mas de grande intimidade com o presidente da República. Não me parece crível que não houvesse a informação ao presidente daquilo que estava ocorrendo. Os fatos são muito graves para que o presidente não tenha conhecimento. Afinal de contas, o exercício do poder é o exercício da informação, que faz parte do poder. Ou o presidente Lula sabia dos fatos ou realmente não governava o país, não tinha nem o comando daquilo que ocorria dentro do Palácio do Planalto”, diz o presidente da OAB.
Ele lembra dos primeiros escândalos envolvendo o ministro chefe do Gabinete Civil, José Dirceu, que tinha a sala ao lado do presidente da República. “E nesse escândalo agora, estamos vendo o envolvimento de pessoas próximas fisicamente dele, como este sr. Freud (Godoy), que há quase duas décadas cuida das contas pessoais do presidente e ainda hoje cuida do apartamento dele em São Paulo, cuidava de sua segurança pessoal. E o (Jorge) Lorenzetti, que era o churrasqueiro do Lula e, portanto, convivia com a cozinha dele. Não há nada mais íntimo que isso. Isso tudo não dá credibilidade ao não conhecimento dos fatos pelo presidente da República”.
Por tudo isso, Roberto Busato acha que o segundo seria “altamente prudente para todos”, inclusive para o próprio presidente Lula. “Nós vemos que se as eleições terminarem nesse domingo, o presidente terá metade do país com ele e a outra metade praticamente contra ele. Está virando quase que um plebiscito. E um escândalo ainda inconcluso, sem os seus pontos devidamente elucidados, sem que tenhamos certeza da participação ou não do presidente da República nesses fatos”.
“O clima é muito acirrado, de muita violência verbal. Isso impede qualquer tipo de conciliação, da concertação como prega o ministro Tarso Genro (das Relações Institucionais), aquele modelo do Chile da concertação. Me parece que neste primeiro turno, encerrando-se desta forma, poderá abrir uma divisão muito forte, de um lado apoiando o presidente, e de outro acusando o presidente de delito. Isso não é clima para se sentar em torno de uma mesa e se discutir os altos interesses de uma Nação”.
Para Busato, a imprensa exerce um papel muito importante num estado democrático de Direito. “É uma grande fonte de orientação à população brasileira. Nós temos que preservar esta liberdade. Acredito que a imprensa brasileira está desempenhando um papel condizente com a sua importância perante a sociedade e neste ponto nós da OAB sempre defendemos a imprensa livre, que seja investigativa, uma vigilante das coisas que acontecem neste país”, acrescenta. A entrevista fio concedida pelo presidente da OAB ao site Pará Negócios.