OAB debate diferenças entre Justiça do Brasil e de outros países

quarta-feira, 20 de setembro de 2006 às 11:36

Brasília, 20/09/2006 – O vice-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e presidente da Comissão de Relações Internacionais da entidade, Aristoteles Atheniense, ressaltou a existência de diferenças e semelhanças importantes entre os Judiciários do Brasil e de países como a Colômbia, Índia e África do Sul. As comparações entre as realidades dessas e de outras Justiças foram feitas durante a Conferência Inter-regional sobre Sistemas de Justiça e Direitos Humanos, realizada pelo Itamaraty em Brasília, e da qual Aristoteles participou em nome da OAB.

Entre as semelhanças que detectou durante o evento com relação à operacionalidade da Justiça brasileira, o vice-presidente da OAB citou especialmente o Judiciário da Índia, país onde os cidadãos se queixam de uma Justiça que não funciona e incapaz de atender às necessidades maiores da população. Segundo o dirigente da OAB, discutiu-se muito a respeito da dificuldade do acesso do povo à Justiça indiana, principalmente no tocante aos custos e altas taxas judiciais. “A Justiça bastante cara torna, até certo ponto, não digo inacessível, mas difícil de ser acessada por pessoas que dela necessitam. Isso em razão não só da lentidão, mas, também, do alto custo”.

Com relação à Colômbia, Aristoteles destacou uma estatística importante: a de que, hoje, um processo naquele país chega à Corte Superior (ao Supremo Tribunal de Justiça) em, aproximadamente, cinco meses. No Brasil, essa rapidez é totalmente impensável. Aristoteles ressaltou, ainda, a tendência mais forte de uma maior aplicação, por parte dos Tribunais colombianos, dos tratados internacionais.

“Com isso, tem havido uma proteção maior aos indígenas e aos povos mais humildes na Colômbia. Isso só veio ocorrer depois que começou a existir naquele país uma preocupação nova e maior com os direitos humanos”, afirmou o vice-presidente da OAB. Essas informações foram prestadas na Conferência pelo juiz da Corte Constitucional da Colômbia, Rodrigo Uprimny.

Quanto à África do Sul, o foco foi o grande desconhecimento que o povo ainda tem quanto à necessidade de garantir e fazer valer os próprios direitos. Esse desconhecimento decorre, principalmente, de ser este um país que detém, ainda, um índice de 65% de analfabetos.

No evento, o vice-presidente da OAB ainda destacou os avanços e as bandeiras defendidas pela entidade, apresentando-a não só como uma Ordem restrita aos interesses da advocacia, mas com portas abertas à sociedade. Debateram com ele, além do juiz colombiano, o juiz Lee Bozalek, da África do Sul; o juiz D. Chandrachud, da Corte Maior de Munbai, na Índia; Juan Rafael Perdomo, juiz na Venezuela; Victor Abramovich, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos; e Marcos Fuchs, do Instituto Pró-bono de São Paulo.

Aristoteles participou da Conferência juntamente com dois membros de Comissões da OAB: Joelson Dias, membro efetivo da Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e consultor da Comissão de Relações Internacionais, e a membro consultora da CNDH da OAB, Herilda Balduíno de Sousa.

A seguir, a íntegra das observações feitas pelo vice-presidente do Conselho Federal da OAB, Aristoteles Atheniense, quanto às diferenças entre as Justiças dos países:

“No caso da Índia, o que se verificou principalmente é que esse país tem algo muito em comum com o Brasil. Eles se queixam que a Justiça não funciona, não digo com a devida celeridade mas, pelo menos, de uma maneira mais rápida, incapaz de atender às necessidades maiores da população.

Deve-se lembrar que a Índia é o segundo país do mundo em número de advogados. O primeiro é os Estados Unidos, o segundo é a Índia, e o terceiro é o Brasil. Então, discutiu-se muito a respeito da dificuldade do acesso do povo à Justiça indiana, principalmente no tocante ao alto preço da Justiça. A Justiça bastante cara torna, até certo ponto, não digo inacessível, mas difícil de ser acessada por pessoas que dela necessitam. Isso em razão não só da lentidão, mas, também, do alto custo.

Com relação à Colômbia, o que me pareceu interessante foi o fato de verificar que naquele país há, no momento, uma tendência forte de maior aplicação, por parte dos Tribunais colombianos, dos tratados internacionais, o que até então não acontecia. Com isso, tem havido uma proteção maior aos indígenas e aos povos mais humildes na Colômbia. Isso só veio ocorrer depois que começou a existir naquele país uma preocupação nova e maior com os direitos humanos. O problema dos direitos humanos na Colômbia está muito mais focado, hoje, nos tratados internacionais do que, propriamente, na Constituição do país.

Há, por outro lado, um dado bastante significativo. Segundo a informação do juiz Rodrigo Uprimny, da Colômbia, um processo naquele país chega à Corte Superior, ao Supremo Tribunal de Justiça, em, aproximadamente, cinco meses, o que é, realmente, uma estatística muito importante.

Em face da força que se criou, de algum tempo para cá, do Poder Judiciário na Colômbia, vêm surgindo várias crises e críticas como se a Colômbia tivesse passado a ser um governo comandado por juízes, uma vez que, segundo alguns políticos, os juízes estão interferindo demais em esferas governamentais.

A posição do representante da Colômbia foi justamente no sentido de que ainda que seja importante o trabalho realizado pelas Cortes, mais relevante seria, no caso, a Justiça de primeira instância, porque é essa que tem contato diretamente com o povo. Então, o ideal seria que, da mesma forma que houve uma melhora na atuação dos Tribunais, houvesse também uma melhoria correspondente na chamada Justiça de primeiro grau, na Justiça de primeira instância.

Também foi debatido o problema da África do Sul, a luta que vem sendo travada lá para melhorar a situação do povo da África do Sul, país que ainda tem 65% de analfabetos, índice realmente bastante expressivo. Isso dificulta, até certo ponto, o conhecimento do povo quanto a seus próprios direitos.

Outra importante manifestação feita durante a Conferência foi a do doutor Marcos Fuchs, que é o presidente do Instituto Pró-bono de São Paulo, a respeito da atuação da Ordem dos Advogados do Brasil nesta matéria. Ele afirmou que a Ordem se julga no sentido de um monopólio de todas essas questões infra-sociais, os problemas sociais, como se a Ordem quisesse monopolizar isso.

Tive que pedir a palavra e dizer que não é verdade. A Ordem não tem o monopólio da pobreza. Ela pode ter muito, e tem demonstrado, é o monopólio da coragem. Isso porque, nas situações mais difíceis, a sociedade civil tem recorrido a ela e a Ordem nunca esteve de portas fechadas.

Por outro lado, a preocupação do presidente Roberto Busato tem sido tão grande com as questões concernentes aos direitos humanos e direitos sociais que, durante o seu mandato, fez várias visitas a alguns Estados para checar in loco as mazelas. Citei, especialmente, as visitas feitas às regiões mais pobres da Paraíba, do Piauí, do Ceará, da Bahia, no sentido de demonstrar o interesse da Ordem, não só pela garantia dos direitos dos cidadãos, mas no sentido de prestigiar os advogados, também no desempenho das suas atividades.

Manifestei, ainda, que a preocupação da Ordem não se cinge, exclusivamente, aos problemas de ordem doméstica. Temos atuado fortemente na área internacional, vide os recentes casos da Turquia - da brasileira Angela Wress, 23 anos, presa em Istambul, acusada de tráfico internacional de drogas – e do Líbano, onde atuamos em apoio a brasileiros que, por conta da guerra, queriam deixar o Líbano e retornar ao Brasil. Essa preocupação com os direitos humanos tem sido uma constante na Ordem. Não de forma acadêmica e improdutiva, mas de forma efetiva.

Temos ido aos locais onde os conflitos têm surgido, de maneira que as pessoas devem enxergar que a Ordem não é apenas uma Ordem dos Advogados, mas uma Ordem do Brasil. Conseqüentemente, todos os problemas brasileiros, ainda que não afetem diretamente à instituição, têm sido examinados. Temos lutado também pela melhoria do ensino jurídico porque entendemos que, na medida em que tivermos um melhor ensino jurídico, teremos, também, melhores advogados, juízes e promotores.

Fiz questão de deixar bem claro aos representantes dos países estrangeiros que estavam presentes à Conferência Inter-regional sobre Sistemas de Justiça e Direitos Humanos que a nossa entidade não é uma entidade simbólica. Pelo contrário, é uma entidade bastante ativa e consciente, sobretudo da responsabilidade que tem perante a sociedade brasileira.”