Em Lages, Approbato defende a “Cidadania Ativa”
Brasília, 08/08/2002 – Ao abrir a XIV Conferência dos Advogado Catarinenses nesta terça-feira (07/08) em Lages (SC), o presidente nacional da OAB, Rubens Approbato Machado, disse que nas eleições de 6 de outubro estará em jogo o destino da democracia brasileira. Ele defendeu a organização da sociedade em torno de uma “Cidadania Ativa” para que ocorram a modernização e a revitalização das estruturas nacionais. Ou, como definiu, a própria refundação do Estado brasileiro. “Para tanto, urge fazer as reformas necessárias para o progresso do país e repactuar as competências entre União, Estados e municípios”, disse.
Approbato defendeu também a modernização da formação do advogado, diante das profundas transformações sociais. “O Direito impõe um conhecimento dogmático, abstrato, divorciado da realidade e que solidifica o mito de que o sistema jurídico tem respostas para todas as questões apresentadas pela sociedade. O que vislumbramos, na atual moldura da profissão, é o grave despreparo dos operadores do direito para resolverem questões cada vez mais complexas”, afirmou.
Abaixo, na íntegra, o pronunciamento do presidente Rubens Approbato Machado em Lages (SC):
“É com muita honra que abro a Conferência Estadual dos Advogados Catarinenses. Trata-se de um evento de muita significação não apenas para a classe dos advogados, mas para as comunidades catarinense e brasileira, pois o ideário que aqui será amplamente debatido diz respeito às mais legítimas demandas dos grupamentos sociais.
Entendemos, ainda, que colocar sobre a mesa de debates temas de alta relevância social e política significa eleger o aperfeiçoamento institucional como o eixo central dos nossos interesses, o que, per si, denota o civismo que ilumina os passos dos advogados.
Não posso deixar de atribuir particular importância a este Evento, pelas circunstâncias especiais que nos cercam. Estamos no limiar do maior pleito eleitoral da história contemporânea do nosso país. Podemos, de certa forma, intuir que a decisão que os 115 milhões de eleitores tomarão, no dia 6 de outubro, não apenas elegerão a nossa representação política, a partir do cargo maior de presidente da República, como definirão as linhas do nosso próprio futuro. Estarão em jogo as estratégias de desenvolvimento, os compromissos políticos perante a população brasileira e a comunidade internacional, os programas para combate ao desemprego, à violência, à desigualdade perversa de renda entre os cidadãos, para ajuste das estruturas de proteção e apoio social, de busca de novos eixos de progresso e bem estar.
Estará em jogo, se quisermos um pensamento mais forte, o próprio destino de nossa democracia. Não se trata, como alguns poderão imaginar, de simples retórica discursiva. Como ensina Goffredo Telles Junior, “a democracia ou é um sistema que garante a introdução dos anseios das entidades representativas da sociedade, nas decisões dos órgãos planejadores dos Governos, ou a democracia perde o seu sentido.” Significa que a democracia brasileira há de se banhar nas águas da representatividade social, de forma a assegurar a permanente penetração do pensamento e da vontade dos governados nas decisões dos governantes. Significa que o papel dos grupos sociais, como produtores de normas e inspiradora de leis, e como forças de pressão, agindo sobre os Poderes Públicos, já não pode ser mais esquecido. Significa, enfim, a consolidação da democracia participativa, com a devida inserção das instituições representativas dos grupamentos sociais na esfera das decisões institucionais.
A advocacia está no epicentro das grandes discussões nacionais e este evento, como tantos outros que estão ocorrendo em todos os recantos do território patrocinados pelas entidades de advogados, demonstra a veracidade da assertiva. E se isso ocorre é porque o papel da advocacia é o de procurar, por todos os meios possíveis, consolidar o sistema democrático, satisfazendo as demandas mais legítimas da sociedade, esforçando-se para a modernização política e a conscientização cívica do país.
O compromisso maior da advocacia é com a Construção da Cidadania.
E Cidadania ativa requer modernização e revitalização de estruturas, que demandam, ao cabo, a própria refundação do Estado brasileiro. Para tanto, urge fazer as reformas necessárias para o progresso do país e repactuar as competências entre União, Estados e Municípios.
Por que cabe à advocacia papel especial nesta tarefa?
A resposta, apesar de ser muito simples, nem sempre está na ponta da língua, inclusive de nossos companheiros. Penso que a resposta a tal indagação é a de que o advogado é, por excelência, o cidadão mais posicionado no centro da defesa da cidadania. Todos sabem que a profissão recebe a essencialidade da Constituição, por meio do art. 133, que reza: “o advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
Se a Constituição garante a essencialidade do exercício da advocacia, é porque compete ao advogado a missão de assegurar o pleno direito à cidadania, de forma efetiva, dando concretude ao comando constitucional que garante os direitos fundamentais ao ser humano. É esta a garantia que preserva o equilíbrio das relações humanas, sociais, políticas e jurídicas. Esse é o papel da Advocacia.
O advogado é quem dá vida aos processos judiciais, sendo o elo e o pólo de difusão de idéias e de formação de jurisprudência. Não é o advogado um mero instrumento de composição da lide, e sim um praticante de atividade essencial à realização da Justiça. É através da criatividade e inteligência do advogado que se mantém vivo o Direito e se realiza a Justiça.
Com estas tão nobres funções, pode-se concluir que o advogado exerce um papel social da maior relevância, comprometido que está com o conceito de cidadania, de aperfeiçoamento moral e ético do homem, de garantia dos direitos individuais e sociais, de preservação dos valores mais altos da pessoa humana.
Poderia discorrer horas sobre o papel da Advocacia nos mais variados campos dos conflitos e interesses humanos, familiares, individuais, sociais e negociais. Poderia lembrar que a advocacia é a profissão que exige conhecimentos sistêmicos, um domínio em áreas múltiplas do saber. E ainda lembrar que o advogado deve balizar sua profissão num conjunto indissolúvel de valores que formam a grandeza do caráter, como a independência, a ética, o espírito da solidariedade, o zelo, o respeito, a modéstia, a probidade, a humildade, a coragem, a determinação de pugnar pela boa aplicação da Justiça, a permanente luta pelo aperfeiçoamento das instituições jurídicas, o sentimento de classe e a integração na casa que o abriga – a Ordem dos Advogados do Brasil – cuja história de lutas e de grandeza está solidamente fincada nas mais memoráveis campanhas cívicas de nosso país, desde a Independência, a abolição da escravatura, a Proclamação da República, o combate à ditadura, a defesa de presos políticos, a preservação dos direitos humanos, as campanhas pela moralização e pela ética na política, dentre outros eventos.
Podemos, pois, aduzir que o advogado tem um inalienável papel a cumprir:
na defesa da cidadania
na defesa do civismo
na defesa do primado do Direito
na defesa da boa aplicação da Justiça
Além disso, tem uma pauta de compromissos com o país e com a sociedade, que extrapola o próprio exercício técnico da profissão. Podemos listar como compromissos fundamentais, entre os quais o compromisso com a soberania, o compromisso com a solidariedade, o compromisso com o desenvolvimento, o compromisso com os valores mais nobres dos cidadãos, o compromisso com o aperfeiçoamento da democracia, que significa a vontade de aumentar o grau de participação dos cidadãos na obra política, inserindo-os de maneira mais forte no controle das administrações públicas a fim de resgatar a dignidade da função pública.
Nesse sentido, devemos invocar a ética como base que deve reger a conduta funcional do advogado. Como defende Couture, “a advocacia como ética é um constante exercício de virtude”. Ou como disse Maurice Garçon, “a autoridade do advogado será tanto maior quanto menos pasto der à crítica”.
Senhoras advogadas, senhores advogados
Se o compromisso maior do advogado é com a cidadania e o aperfeiçoamento institucional e se, para alcançar tão alta missão, carece o advogado se inspirar nos cânones da ética, que caminhos deve trilhar para ser bem sucedido? A resposta que salta às nossas consciências é: os caminhos mais seguros apontam para o próprio aperfeiçoamento profissional.
Primeiro é de se lembrar que estamos vivendo em um mundo que, a cada dia, se defronta com novas e formidáveis fronteiras do conhecimento. E diante dos novos desafios que se apresentam, o advogado também vê os seus desafios aumentados. É oportuno lembrar que o Direito impõe um conhecimento dogmático, abstrato, divorciado da realidade e que solidifica o mito de que o sistema jurídico tem respostas para todas as questões apresentadas pela sociedade. O que vislumbramos, na atual moldura da profissão, é o grave despreparo dos operadores do direito para resolverem questões cada vez mais complexas.
Principalmente em países dependentes, como ainda é o Brasil, onde não se verifica uma escolarização plena como nos países desenvolvidos, espera-se que a escola diminua as diferenças sociais, aproximando as classes sociais, promovendo a mobilidade de uma classe a outra (o que, em certa medida, ela realiza, em alguns casos...), enfim, determinando uma célere “igualdade de oportunidades” que, supõe-se, permitiria um início igualitário das “carreiras”, na competição própria ao mercado de trabalho capitalista.
Ocorre que a educação atravessa, hoje, um quadro de crises, entre as quais divisamos: uma crise funcional (crise de mercado de trabalho e a crise de identidade e legitimidade dos operadores jurídicos); uma crise operacional (crise curricular, crise didático-pedagógica e crise administrativa). Que se ensina num curso de Direito? Dá-se, única e tão somente, a reprodução da ideologia da classe dominante. Ensina-se ao neófito que o melhor caminho é a apreensão dos conteúdos constantes do curso e que somente assim conseguirá vencer as barreiras apresentadas pela profissão e terá possibilidade de obter aprovação em concurso público e uma crise estrutural, que é a própria crise do sistema social-político. Ou seja, a crise que afeta o ensino jurídico é a mesma que atinge a sociedade como um todo.
O que precisamos entender é que as estruturas políticas estão passando por uma profunda transformação.
E o Direito novo para uma nova sociedade deverá se voltar para o futuro, estimulando condutas. E não deve ser apenas um sistema de amordaçamento dos sonhos e desejos. A sociedade é complexa e está sujeita ao risco e ao perigo. Diante dessa complexidade, novos nichos e novas trilhas se abrem. É indiscutível, por exemplo, o avanço no campo jurídico dos defensores do denominado Direito Alternativo. Eles lançaram as bases de uma proposta que tem por intuito a edificação de um sistema jurídico que vise a proteção dos hipossuficientes, dos marginalizados pela sociedade.
O mercado de trabalho dos advogados se ampliou consideravelmente e os níveis de remuneração se tornaram razoáveis sem que houvesse, na maior parte das instituições de ensino, um esforço de atualização tanto nas matérias lecionadas quanto na metodologia. Vivemos um considerável atraso em relação à economia e às tecnologias mais recentes, hiato que se faz sentir na jurisprudência, na doutrina e no ensino jurídico. Conceitos básicos como o contrato, a família e a responsabilidade civil estão sofrendo grandes modificações, apesar de manterem a designação tradicional. As dificuldades crescentes que a profissão enfrenta e a defasagem dos cursos de Direito estão a exigir novas abordagens e a implantação de novas áreas, como o direito bancário, o direito do autor nas novas tecnologias, os campos da regulação e da arbitragem, da mediação etc.
Tenho, a propósito, algumas idéias a respeito da inovação no ensino jurídico. A proposta para melhorar a qualificação do ensino do Direito não é novidadeira. Já vem sendo trabalhada com eficiência na França, Itália e Estados Unidos. Por tal proposta, o curso jurídico deve ser dividido em duas fases. A primeira abrigaria conhecimentos mais genéricos, fundamentais, conceitos humanísticos da ciência jurídica. Formaria o bacharel em ciências jurídicas e sociais. Mas este não seria o advogado, o juiz, o promotor, o defensor, o procurador. O bacharel utilizaria seu título para atividades funcionais, administrativas, paralegais, curriculares. Para se tornar um profissional adestrado na carreira jurídica – advogado, juiz, promotor –, teria de fazer uma segunda fase, profissionalizante. Esse ciclo abriria as portas para o aluno enfrentar qualquer tipo de concurso público e o exame de ordem, a fim de, efetivamente, exercer a profissão.
Senhoras e senhores participantes
Os desafios de uma sociedade em mutação, que estão a exigir um profissional mais qualificado e mais comprometido com a cidadania, fazem parte da preocupação central de nossa entidade, a Ordem dos Advogados do Brasil. Por isso mesmo, faço questão de expor, nesse momento, o traçado de nossas responsabilidades institucionais e corporativas, até para aduzir que, fora da Ordem, os nossos espaços são difusos e a nossa identidade, muito tênue.
A Ordem é a nossa Casa. Para ela, devemos olhar. Nela, devemos ingressar com a força de nossas melhores convicções. Essa é a razão pela qual convido a todos à participação intensa na vida da Ordem. A vida de uma instituição é o pulsar de sua comunidade, é a energia vital que flui da criatividade de seus participantes. Quero convidar a todos ao debate franco, sincero, inspirado no compromisso com a verdade, com a boa fé, com a intenção de servir ao país, com a idéia de serem buscadas as melhores soluções.
Convido todos a ousar conosco na Ordem. A coragem e a ousadia, em certos momentos, funcionam como a mola que impulsiona a vontade, conseqüentemente, abrindo caminhos, descobrindo novos horizontes, distinguindo alternativas. A Ordem tem o compromisso de ser o lume da sociedade. E a esse compromisso devemos emprestar nossa irrestrita solidariedade e lealdade.
Se a nossa Ordem escreveu muitas das páginas mais belas da história brasileira, se estivemos à frente dos movimentos libertários em todos os ciclos da vida social, se a OAB sempre foi considerada um ícone da modernização institucional e política do país, tudo isso se deveu aos inalienáveis compromissos com os princípios da liberdade e da democracia, da justiça e do direito, da paz e do desenvolvimento harmônico da sociedade. Esse caminhada deveu e deve a advogados com coragem, com idéias, com ousadia, com patriotismo, muitos a custo de suas próprias vidas. Hoje, tanto quanto ontem, urge desfraldar esse ideário, diante do momento particularmente fértil no campo da discussão em que vive o país.
Estamos, como já salientei, vivenciando instantes que precedem grandes decisões para o nosso futuro. Decisões que levarão em conta a moldura social e política do país. Moldura social que, convenhamos, encontra-se por demais fragmentada, deteriorada, repartida, quebrada. Comecemos pela estatística estarrecedora: vítimas da violência, morrem, por ano, no Brasil, cerca de 40 mil brasileiros e brasileiras, número impressionante, quando levamos em conta que, em 15 anos, na maior guerra do século XX, a guerra do Vietnã, morreram 57 mil soldados americanos. A violência estampa sua cara hedionda, todos os dias, todas as horas, não mais apenas nas grandes metrópoles, nas periferias marginalizadas, nos guetos empobrecidos, mas dentro das cadeias, nas rebeliões comandadas por grupos organizados, que desafiam a autoridade constituída, dando forma e força à teia do poder invisível. A violência, em sua escalada geométrica, amplia seu raio de ação, agora subindo os edifícios de apartamentos, tornando banais os latrocínios, os assaltos, os seqüestros que se multiplicam, em todas as regiões. A violência assume a forma aterradora da tortura de presos, da mortandade de crianças, da exploração infantil no trabalho, da discriminação, ainda acentuada, contra mulheres, negros e índios.
Os cárceres são verdadeiros depósitos de criminosos e, mais que isso, imensas fábricas da criminalidade. A inação governamental se diz presente nos programas que não funcionam, nas idéias que não se executam, nas promessas que não se cumprem, no discurso vazio, inócuo e inútil. As polícias, desequipadas e desmotivadas, pouco conseguem fazer para conter a barbárie, que atinge seus próprios corpos funcionais, nos maus exemplos de policiais que se mancomunam com a delinqüência. É o desencontro entre o legal, a sociedade trabalhadora e honesta, e o crime organizado, o Estado paralelo. É a presença corajosa da OAB e de seus dirigentes em confronto com um poder estatal apático, medroso e comprometido.
E que dizer da grande injustiça, que atravessa décadas, gerada pela continuada disparidade social?
Estudos recentes feitos pelo IBGE dão conta da realidade econômica e social do país. Houve consideráveis avanços, sim, principalmente na redução da mortalidade infantil e na melhoria da expectativa de vida do cidadão. Mas a disparidade entre pobres e ricos continua a ser atroz. Não melhoramos nesse índice. Infelizmente, temos de constatar que, se existe algum conforto econômico, ainda que sempre ameaçado por crises internas e externas, se existe a estabilidade da moeda, não existe conforto social. Ilhas de marginalidade proliferam por todas as partes, manchando o eixo do governo, que é o controle inflacionário.
Não podemos mais admitir que um país cheio de mazelas relute em dar adeus ao passado, como se poderosas garras o mantivesse preso a abomináveis processos, como esses que presenciamos, quase todos os dias, a macular os ideais pátrios, como a corrupção, a inércia, a falta de ética, o clientelismo, o fisiologismo, os desmandos administrativos, o sucateamento da máquina pública, os serviços públicos precarizados, a demonização do funcionalismo, o superfaturamento de obras, as manipulações intestinas em defesa de interesses de grupos.
Sob a capa avassaladora da ilegalidade e do poder invisível que corrói as entranhas do Estado, escondem-se, ainda, os números da tragédia social do país, retratada na imensa e injusta desigualdade social, na violência indiscriminada, no aumento do desemprego, nas dificuldades de acesso à justiça por parte dos mais carentes, nos contingentes de miseráveis, cerca de 50 milhões de brasileiros, que vivem sob condições sub-humanas.
Este triste desenho, convenhamos, empana as cores vivas e alegres da bandeira nacional. Trata-se da banda pérfida que não quer dar adeus ao passado.
Ora, companheiras e companheiros, o progresso, que é fruto da modernização, só terá sentido, caso derrame seus frutos sobre toda a coletividade. Este é, na verdade, o grande dilema brasileiro:
as conquistas tecnológicas e a economia estável precisam favorecer o desenvolvimento do homem. A exclusão não pode e não deve ser um preço a ser pago para alcançarmos as metas econômicas e a eficiência arrecadatória.
Advogadas e advogados
As mazelas que infestam o nosso país se apresentam nos mais variados espaços, entre eles, nos da administração pública. A malha de corrupção, escancarada por denúncias que partem de todos os lados, mostra que, enquanto milhares de brasileiros esgotam suas energias para sobreviver, há um monumental ralo por onde se esvaem as riquezas produzidas, os tributos pagos pela população, ralo que serve para encher as burras de negocistas, de larápios do dinheiro público.
Uma sórdida politicalha une, na teia de interesses recíprocos, oportunistas de plantão, que agem nas portas dos órgãos de desenvolvimento regional; aventureiros de ocasião, que fazem o jogo sujo da intermediação; políticos inescrupulosos, que se escudam nos mandatos e nas facilidades de acesso ao dinheiro público; e tecnocratas empedernidos, acostumados à inércia das administrações. Trata-se, verdadeiramente, de uma imensa população de sanguessugas, que chupam o sangue do povo, porque o dinheiro roubado pertence, em última análise, à sociedade, que arca com os tributos.
O próprio quadro político se esgarça diante da fragilidade dos partidos, da ausência de substância doutrinária, da disputa conflituosa por espaços de poder, disputa que privilegia a fulanização da política, a personificação do poder, a barganha, o fisiologismo, o balcão de trocas e recompensa.
Diante desse painel nada edificante para a meta de consolidação institucional e política, cabe indagar: qual o papel da Ordem dos Advogados do Brasil nesse contexto? Que deve fazer a Ordem para resgatar o ideário cívico, as bases da moralidade e da ética, a dignidade e a autoridade, o respeito às normas constitucionais, os valores perdidos da Cidadania?
A função primordial da Ordem deve ser a mesma que a da luz: iluminar os ambientes. Daí o seu papel de lume da sociedade. Deve a Ordem, cada vez mais, assumir seu papel de defensora da sociedade. Papel que incorpora, naturalmente, as ações de verificar, apurar, denunciar, sugerir, intermediar os interesses maiores da sociedade, articular, mobilizar, exigir, agir, resgatar princípios e valores, fazer avançar a sociedade.
Dentro desses altos propósitos, caros companheiros de jornada, a Ordem há de desenvolver seus programas, seus projetos, suas ações. E é esse um dos aspectos que temos procurado destacar nos eventos da classe. Lembramos, por exemplo, a memorável Campanha da Ordem contra o uso abusivo das Medidas Provisórias. Não podíamos admitir que o nosso país, com sua ainda incipiente democracia, fosse governado por um estatuto, cujo uso deveria ocorrer de maneira excepcional. As Medidas Provisórias constituíam grave ameaça ao nosso sistema democrático, na medida em que invertendo funções, propiciava ao Poder Executivo a prerrogativa de legislar, típica do Poder Legislativo, maculando, dessa forma, a norma da Carta Constitucional.
O papel da Ordem, enfatizo, é o de tentar procurar repor a normalidade constitucional, quando isso se fizer necessário, pela conscientização cívica dos cidadãos, pela pressão sobre a representação política, pela mobilização social, pela ação de cada conselheiro da Ordem, nas ações das Subsecções que comandam.
Em palavras finais, convoco a todos para a grande tarefa de contribuir para tornar mais próxima da realidade a meta tão ansiada pelo povo brasileiro e inserida de maneira firme na nossa Carta Magna: construir uma sociedade livre, justa e solidária, reafirmando a soberania, a cidadania e a dignidade da pessoa humana.”
Rubens Approbato Machado
Presidente Nacional da OAB
Lages, 07 de agosto de 2002.