Seqüestro em SP: Busato se diz revoltado com anomia do governo
Brasília, 13/08/2006 – O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, se disse altamente revoltado com a “insensibilidade, inapetência e a anomia” das autoridades brasileiras, que não conseguem debelar atos de violência deflagrados pelo crime organizado em São Paulo. “A morte anunciada. É o que se prevê que vai acontecer pela falta absoluta de competência das autoridades que tratam da segurança pública em São Paulo e no Brasil”. A declaração foi dada por Busato ao conceder entrevista na manhã de hoje, comentando o seqüestro do auxiliar técnico Alexandre Coelho Calado e do repórter Guilherme Portanova, ambos da TV Globo, por membros da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
O auxiliar técnico foi deixado em frente à sede da emissora com um pacote contendo um vídeo. Os criminosos condicionaram a liberação do repórter à veiculação do conteúdo da fita. A emissora atendeu à exigência, veiculando, no início da madrugada de hoje, a íntegra da gravação, mas o repórter ainda não foi liberado. O vídeo traz a leitura, por um integrante encapuzado do PCC, de exigências da facção e cobrança de melhorias no sistema carcerário do País. “É necessário que as autoridades saiam do discurso, da falácia e vão para a prática. Não podemos conviver a cada domingo com novos atentados, cometidos por facínoras interessados em acovardar a sociedade brasileira e colocá-la na situação de refém”, afirmou o presidente da OAB.
Busato acredita que situações como essa, de atos cometidos em série pelo crime organizado, vêm ocorrendo desde o momento em que barbárie passou a imperar dentro das penitenciárias, sem que nenhuma atitude efetiva tenha sido tomada pelas autoridades. Ele lembrou a primeira rebelião no presídio de Urso Branco, em Rondônia (em abril de 2004), quando foram decapitados presos, tendo suas cabeças transformadas em bolas de futebol dentro da penitenciária. “Aquilo já era o anúncio do descalabro a que vinha essa situação. Penitenciária brasileira hoje é um mero depósito de pessoas, impróprio para qualquer ressocialização do preso e para a garantia da sociedade, de que os presos ficarão lá dentro, cumprindo as suas penas”.
Para conter de forma emergencial parte da violência em São Paulo, Busato entende que o Executivo deveria baixar uma medida provisória liberando os R$ 100 milhões que foram anunciados para ajudar na segurança e construção de presídios na capital paulista. Busato tem sido crítico feroz ao uso freqüente desse tido de medida, mas entende que, neste caso específico, estão claramente configurados os requisitos da urgência e relevância – que são exigidos por lei para a edição de medidas provisórias. “Por exemplo, esses R$ 100 milhões, diz o governo federal, não foram liberados porque São Paulo não apresentou a documentação necessária para o empenho da verba. Uma medida provisória poderia, emergencialmente, evitar a burocracia e ir direto a seus fins”, concluiu.
A seguir, a íntegra da entrevista concedida nesta manhã à Rádio CBN pelo presidente nacional da OAB, Roberto Busato:
P – Doutor Busato, o senhor ficou espantado com essa nova ação do crime organizado em São Paulo, de seqüestrar funcionários da Rede Globo e exigir que transmitissem as suas críticas ao sistema penitenciário, na madrugada de hoje?
R – Surpreso não, em função dos acontecimentos que vêm ocorrendo seguidamente em São Paulo, onde já deixamos a fase aguda deste problema e estamos quase em uma fase endêmica. Fiquei altamente revoltado. Revoltado com a insensibilidade, com a inapetência e a anomia das autoridades brasileiras em relação a esse problema em São Paulo. A morte anunciada. É o que se prevê que vai acontecer pela falta absoluta de competência das autoridades que cuidam da segurança pública em São Paulo e no Brasil. Não é possível mais aceitar esse tipo de coisa. E agora acontece um ato hediondo, praticado por criminosos contra pessoas que estão no exercício de sua função. É espantosa a falta de capacidade das autoridades brasileiras, de enfrentar o problema seriamente e sem qualquer tipo de interesse político-partidário. Realmente, é mais uma situação vexatória para a imagem do país, entre as muitas que estamos vivendo há muito tempo.
P – O sistema judiciário brasileiro não tem parte da culpa?
R – Todos têm parte da culpa, até mesmo pela omissão da cobrança junto às autoridades. Desde o início do meu mandato venho convivendo com rebeliões em penitenciárias e dizendo que a barbárie está imperando dentro das penitenciárias. Principalmente quando ocorreu a primeira rebelião no presídio de Urso Branco, em Rondônia, quando foram decapitados presos, tendo suas cabeças transformadas em bolas de futebol dentro da penitenciária. Aquilo já era o anúncio do descalabro a que vinha essa situação. Penitenciária brasileira hoje é um mero depósito de pessoas, impróprio para qualquer ressocialização do preso e para a garantia da sociedade, de que os presos ficarão lá dentro, cumprindo as suas penas. É, realmente, a antecipação do inferno a essas pessoas, que acabam sendo lideradas por outros sem qualquer espírito de cidadão e que comandam crimes de dentro dos presídios. Há culpa do Judiciário, culpa da segurança pública e dessa injustiça social e da situação caótica que o Brasil vem perpetuando ao longo do tempo e não consegue vencer.
P – O ministro da Justiça, Márcio Thomas Bastos, anunciou há duas semanas que iria fazer um mutirão judiciário para agilizar a soltura de presos que já cumpriram suas penas e ainda estão detidos. Seria o início de uma solução?
R – Mas qual é a credibilidade? O ministro já falou que iria liberar R$ 100 milhões para o sistema penitenciário de São Paulo e cadê o dinheiro? Não adianta ficar falando o que vai fazer, tem-se que colocar em prática. Enquanto esse governo não colocar em prática medidas efetivas para solucionar o problema, nós ficamos céticos quanto à possibilidade de encontrarmos, de fato, uma solução. É necessário, baseado nesse episódio envolvendo um repórter e um cinegrafista da Rede Globo, que haja uma imediata reação, mas que isso seja feito com medidas práticas, não com palavras e soluções que não saem do papel.
P – Esse mutirão só foi anunciado. Não houve qualquer outra medida?
R – Anunciaram a transferência de R$ 100 milhões e São Paulo vem denunciando que esse dinheiro não saiu, não estaria sequer empenhado. Eu acredito que poderia haver, sim, uma medida provisória pelo Executivo, porque o caso cumpre os requisitos da urgência e relevância, para se conter o efeito imediato dessa violência. Depois disso, todos, com seriedade, deveriam pensar em uma solução definitiva para o sistema penitenciário brasileiro.
P – Uma medida provisória para fazer o que?
R – Uma medida provisória que modificasse algumas condições de ilegalidade. Por exemplo, esses R$ 100 milhões, diz o governo federal, não foram liberados porque São Paulo não apresentou a documentação necessária para o empenho da verba. Uma medida provisória poderia, emergencialmente, evitar a burocracia e ir direto a seus fins. Isso sim seria uma situação de urgência e relevância, que justificaria uma medida provisória. É necessário que as autoridades saiam do discurso, da falácia e vão para a prática. Não podemos conviver a cada domingo com novos atentados, cometidos por facínoras interessados em acovardar a sociedade brasileira e colocá-la na situação de refém.