Zippin diz a Ellen: Brasil terá 700 mil presos em cinco anos

segunda-feira, 29 de maio de 2006 às 12:21

Brasília, 29/05/2006 - O já precário sistema carcerário brasileiro terá mais de 700 mil presos dentro de cinco anos, exatamente o dobro do que tem hoje, se nenhuma atitude urgente for tomada pelo governo e pelo Judiciário. O alerta foi feito hoje (29) à presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie, pelo representante do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no grupo do CNJ designado para estudar a população carcerária no Brasil, o advogado Dálio Zippin Filho. “Estamos à beira do caos e logo entraremos em uma guerra civil a exemplo do que ocorreu recentemente em São Paulo se nada for feito de forma urgente”.

Dálio Zippin alertou para a quantidade crescente do número de presos e afirmou que o país não tem condições de absorver todo esse volume, daí a importância de se investir na ressocialização dos presos e de mandar para a prisão os presos de real periculosidade. Segundo dados levantados pelo advogado uma penitenciária construída para atender 500 presos, nas quais vivem 900 presos no Brasil, custa, hoje, de 10 a 15 milhões de reais e leva um ano para ser erguida. “São Paulo precisaria, a cada dois meses, de uma nova penitenciária e o Paraná, precisaria de uma nova a cada três meses. Sem dinheiro não há possibilidade disso”, explicou o advogado criminalista.

Ainda segundo o integrante do grupo do CNJ, sem a liberação de dinheiro pelo governo, fica difícil promover a ressocialização dos presos, cuja média de reincidência no crime é, hoje, de 85%. Zippin defende a aplicação de investimentos na ressocialização como saída para a diminuição de detentos e classifica alguns presídios brasileiros como “antecâmara do inferno”, daí a maior freqüência de rebeliões como a ocorrida em São Paulo.

O governo tem que liberar não só as verbas previstas no Fundo Penitenciário Nacional, mas outras também, na avaliação de Zippin, porque o país está perdendo a batalha contra o crime. “Como vimos em São Paulo, o crime está altamente organizado, podendo iniciar ou acabar uma rebelião no momento em que querem com ou sem acordos com o governo”, afirmou o advogado. “O governo federal tem de investir, tem que liberar dinheiro, tem que abrir mão da manutenção a qualquer preço desse superávit primário para fazer farol para outros governos”.

O grupo do qual Zippin faz parte foi designado pela ministra Ellen Gracie para fazer um diagnóstico completo da situação carcerária no Brasil. A segunda reunião do grupo acontece às 13h de hoje.

A seguir, a íntegra da entrevista concedida pelo representante da OAB no grupo de trabalho do CNJ, Dálio Zippin Filho:

P - O que pode ser feito por esse grupo de trabalho criado no âmbito do CNJ para conter essa onda de criminalidade e melhorar a situação da segurança pública em um país que tem, hoje, mais de 360 mil presos?
R - Num primeiro momento, essa comissão instituída no CNJ vai mapear e saber qual é a situação desses 365 mil presos que temos hoje no país e a sua situação processual. Isso porque já se verificou que quase 70% das sentenças condenatórias cabem alguma revisão ou modificação nas penas. Hoje, no Brasil, temos 85% de reincidência dos criminosos. Então, precisamos achar alguma solução para evitar esse aumento na demanda por prisões. Isso porque dentro de cinco anos a previsão é que se dobre no país o número de presos e nós não temos condições de absorver todos esses detentos. Uma penitenciária para atender 500 presos, nas quais vivem 900 presos no Brasil, custa de 10 a 15 milhões de reais. Nós temos contingenciado no Fundo Penitenciário Nacional R$ 400 milhões, o quais o Ministério da Fazenda não libera para a construção e reforma de novos presídios. São Paulo está recebendo 500 presos novos por mês. No Paraná, temos quase 300 novos por mês. São Paulo precisaria, a cada dois meses, de uma nova penitenciária e o Paraná, precisaria de uma nova a cada três meses. Sem dinheiro não há possibilidade disso, além do que uma cadeia leva cerca de um ano para ser construída. No final, não estamos investindo nem na construção de presídios nem na ressocialização dessas pessoas.

P - O senhor aponta os investimentos na ressocialização dos presos como alternativa para diminuir o número de pessoas nas cadeias?
R - Sim. Isso porque nós já não investimos nos assuntos primários, como a falta de emprego de recursos para a saúde, que ocasionam, de certa forma, um aumento nos índices de criminalidade. Depois, quando a pessoa entra no presídio, vai aprender mais crimes, vai ficar mais sofisticada e não tem nenhuma ressocialização. Vai ficar bem mais revoltada porque sabemos que, hoje, alguns presídios são a antecâmara do inferno. Então há necessidade de mudança nisso, além de investimentos pesados por parte do governo e da participação maior da sociedade. Os juízes têm que pensar que cadeia deve ser a última opção, a última instância. Lá devem ser colocadas realmente só as pessoas que mereçam ser presas, aquelas de alta periculosidade. Existem as penas alternativas e também os Conselhos de Comunidade, por meio dos quais a sociedade mapeia e acompanha de que forma são executadas as penas e como as pessoas ficam nas cadeias públicas. Esses Conselhos não estão sendo instalados. Há falta disso no Brasil inteiro. O Paraná tem 80 Conselhos, quando deveria ter 190. O Rio Grande do Sul tem quase 100 e São Paulo está começando só agora a instalar os seus. Há, ainda, falta de advogados criminais dedicados à atenção a esse pessoal de forma dativa. Também as Defensorias Públicas estão desfalcadas. Tudo isso resulta em um aumento da população carcerária e pelas condições com que essa população carcerária está colocada lá, há uma revolta geral por parte dos presos.

P - Qual seria a alternativa para melhorar essa situação?
R - Precisamos fazer um mutirão geral reunindo o Poder Judiciário, Ordem dos Advogados do Brasil, governo e Ministério Público para tentar minimizar esse problema, que é grave. Estamos à beira do caos e logo entraremos em uma guerra civil, a exemplo do que ocorreu recentemente em São Paulo se nada for feito de forma urgente.

P - Pelo cenário que o senhor traçou, de inchaço nas penitenciárias e pouco ou quase nenhum investimento em programas de ressocialização, podemos concluir que o senhor é contrário ao endurecimento das penas?
R - Sou. Cientificamente já se sabe que o endurecimento das penas não resolve o problema carcerário e nem da criminalidade. Porque o criminoso, quando comete um crime, não está pensando na punição, ele pensa mesmo é na certeza da impunidade. E nós temos que ter a certeza da punição, de que o bandido será punido.

P - Mas qual é a saída se o senhor diz que o governo não libera recursos para a construção de novos presídios e, ao mesmo tempo, defende a ressocialização dos presos? Como fazer essa ressocialização sem dinheiro?
R - Sem dinheiro fica muito difícil, mesmo com a participação da sociedade e com a cooperação dos advogados e dos juízes. Há necessidade de investimentos. Só que estamos em uma situação de calamidade pública no tocante à falta de segurança. O governo tem que liberar não só essas verbas previstas no Fundo Penitenciário Nacional mas outras também porque estamos perdendo a batalha contra o crime. Como vimos em São Paulo, o crime está altamente organizado, podendo iniciar ou acabar uma rebelião no momento em que querem com ou sem acordos com o governo. O PCC e outros grupos mais organizados têm formas de com,andas esses mais de 360 mil presos espalhados pelo Brasil inteiro. Então, precisamos, urgente , pensar nessa calamidade pública. O governo federal tem de investir, tem que liberar dinheiro, tem que abrir mão da manutenção a qualquer preço desse superávit primário para fazer farol para outros governos. É preciso investir na segurança pública porque ainda temos tempo para recuperar essa situação. Logo, logo, não teremos mais oportunidade de recuperação.