Coadem alerta para riscos da degradação do Aqüífero Guarani

quarta-feira, 12 de abril de 2006 às 07:10

Brasília, 12/04/2006 - O presidente do Conselho dos Colégios e Ordens de Advogados do Mercosul (Coadem), o advogado brasileiro Sérgio Ferraz, manifestou hoje (12) sua grave preocupação diante da questão que envolve o uso e a preservação dos recursos hídricos na área, particularmente no que diz respeito ao Aqüífero Guarani. A má utilização e a falta de políticas de preservação desse importante patrimônio natural - um grande lago subterrâneo que perpassa os quatro países do Mercosul e cujo potencial daria para as necessidades da região pelos próximos 100 anos -, segundo Ferraz, fazem temer pelo seu futuro e, conseqüentemente, pela sorte da população da região. Diante desse quadro, o presidente do Coadem decidiu encaminhar aos presidentes dos quatro países integrantes do Mercosul - Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai -, nos próximos dias, comunicação alertando para a gravidade da situação e a necessidade de preservação do Aqüífero Guarani.

“É importante que se estabeleça um plano supra-nacional de gestão do Aqüífero Guarani, a sua gestão sustentável, com previsão de penalidades, indenizações e restrições à sua utilização predatória”, sustenta Sérgio Ferraz, que é também conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pelo Estado do Acre. O advogado afirma também que as autoridades brasileiras “não estão dando a devida importância à preservação do aqüífero”. Segundo Ferraz, preocupado com a questão, o Coadem tem uma importante contribuição ao debate jurídico sobre a exploração e preservação daquele aqüífero. Para isso, vai sugerir aos chefes do Executivo dos países do Mercosul que façam gestões no sentido de explicitar na Constituição de seus países dispositivos visando à preservação desse importante patrimônio natural.

Ele avalia que, antes que seja tarde demais, está soando a hora de o Brasil e seus vizinhos se interessarem pela solução desse problema - o Coadem pretende enviar a comunicação com o alerta não só aos membros do Mercosul, mas de toda a América do Sul. “Se não fizermos uma ocupação pacífica do Aqüífero Guarani - o mesmo se aplica ao caso da floresta na Amazônia -, com a utilização de instrumentos jurídicos cabíveis, vamos acabar cedo ou tarde sofrendo interferência de natureza internacional”, previu o presidente do Coadem, em entrevista concedida a este site, reiterando advertência feita em recente reunião da entidade dos advogados do Mercosul e da qual a OAB faz parte, realizada na cidade de La Plata, Argentina, um dos pontos do aqüífero.

A seguir, a íntegra da entrevista concedida a este site pelo presidente do Coadem, Sérgio Ferraz:

P - O senhor sempre demonstrou preocupação com a questão dos recursos hídricos. A água do planeta está acabando?
R - Há um dado que preocupa e, a partir dele, todos os demais também preocupam. O dado fundamental a preocupar é que hoje em dia a reserva de água doce do mundo é de 3% apenas, em relação a 100%, os outros 97% são águas salgadas ou águas absolutamente imprestáveis. É com esses 3% que a humanidade tem que lidar, daí a importância especial e a minha preocupação com a temática dos recursos hídricos.

P - Em relação ao Coadem, quer dizer, na área do Direito, qual é a grande preocupação jurídica, nesse campo?
R - Particularmente, mas não só, particularmente com a questão do Aqüífero Guarani. Eu digo que nem só, porque existe também três outras preocupações básicas, a Bacia Amazônica, a Bacia do Prata, que está também extremamente degradada na sua utilização fundamental. Podemos dizer, também, um pouco do Pantanal Matogrossense, que poderia servir como recurso hídrico importante, mas que não tem sido aproveitado como tal. No momento, a nossa preocupação maior é com o Aqüífero Guarani, tendo em vista se tratar de um recurso próximo aos países e às cidades e, conseqüentemente, de utilização imediata mais dramática. Esse aqüífero é um grande lago subterrâneo e perpassa os quatro países do Mercosul, e 70% deles estão no Brasil. Tem uma possibilidade de utilização para todas as nossas necessidades hídricas, durante um mínimo de 100 anos, sem qualquer possibilidade de desgaste, desde que não se degrade o reservatório subterrâneo e desde que se utilize de maneira racional esses recursos. Mas o governo brasileiro, as autoridades brasileiras não estão dando a devida importância a essa preservação. No plano interno, os cuidados são muito poucos, em qualquer dos níveis, seja federal, estadual ou municipal. No plano internacional tem havido algumas declarações, alguns compromissos e algumas proclamações. Mas no campo do Mercosul, até aqui muito pouco se fez de efetivo.

P - A Constituição brasileira, no artigo 225, se compromete com a preservação do meio ambiente. O senhor quer dizer que mesmo isso constando da Constituição brasileira, o governo está desrespeitando, está descumprindo a Lei máxima do país?
R - Sem sombra de dúvida, não estão cumprindo como deviam. Existe uma previsão de quais sejam os recursos naturais de obrigatória conservação. Dentre eles, por exemplo, aparece nominalmente citada a Floresta Amazônica - e nós vemos o nível de devastação a que a floresta tem chegado, como ela tem sofrido. Em relação ao Aqüífero Guarani sequer há uma previsão específica, como sendo um patrimônio natural do Brasil ou do Continente. É preciso dizer, portanto, que o nosso constituinte não tinha a atenção voltada para esse assunto da preservação dos recursos hídricos. Só que está na hora de o País se voltar para esta questão, antes que seja tarde.

P - E o que os países que compõem o Coadem, sob a sua liderança, podem fazer daqui para frente?
R - Acho que há duas linhas de atuação. Primeiro, no sentido de colocar uma expressa previsão na Constituição dos quatro países do Mercosul sobre o Aqüífero Guarani, considerando-o patrimônio natural a ser protegido. Em segundo lugar, a tratativa junto às Chancelarias de cada um dos países, no sentido de que se estabeleça um plano supra-nacional de gestão desse Aqüífero Guarani, a gestão sustentável do aqüífero, com previsão de penalidades, de indenizações e de restrições, inclusive, à utilização predatória do aqüífero.

P - Os presidentes desses quatro países - Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai - vão ser comunicados desse problema por intermédio do Coadem ou a entidade pretende comunicar a eles a gravidade desse problema e o abandono dessa região?
R - Sem sombra de dúvida. Estaremos comunicando o problema aos presidentes dos quatro países, que têm interesse direto no aqüífero. E não só a eles, mas a todos os demais países do continente. A Bolívia, por exemplo, tem extração mineira nas montanhas. Essa extração mineira utiliza uma série de produtos agressivos ao meio ambiente, alguns deles vão dar em rios que são tributários ao Aqüífero Guarani. Portanto, embora não esteja o aqüífero lá na Bolívia, a má utilização dos recursos naturais na Bolívia afeta e tem repercussões no aqüífero. Portanto, vou pedir a todos os presidentes do continente, em correspondências específicas, para que atuem no campo da tutela, da proteção ao aqüífero.

P - E com relação à floresta Amazônica, com a qual há uma preocupação mundial, e também nossa, ante o seu abandono e o desmatamento, qual é a preocupação do Coadem nesse campo?
R - Estamos, ali, às portas de uma situação dramática. A floresta tem sido realmente derrubada, ou tem sido dizimada a um nível impressionante, anualmente. Pensando em tudo isso, no mês de setembro já faremos realizar o Encontro do Coadem em Manaus, quando então procuraremos estudar métodos de proteção jurídica interna e internacional da floresta Amazônica.

P - Como advogado atuante e presidente do Coadem, o senhor teme a internacionalização da Amazônia?
R - Temo. Assim como também temo a internacionalização do Aqüífero Guarani. Como temo também a utilização espúria, por parte das potências hegemônicas, de todos esses grandes patrimônios para os quais nós não abrimos os nossos olhos. Se não fizermos uma ocupação, entre aspas, pacífica, da Amazônia, do Aqüífero Guarani, com a utilização dos instrumentos jurídicos cabíveis, vamos acabar cedo ou tarde sofrendo interferência de natureza internacional.

P - E em relação ao Pantanal Matogrossense? A situação é pior ou melhor?
R - Eu diria que estamos apenas com um pouco de sorte, ou seja, ele não está na prioridade A dos países hegemônicos, mas cedo ou tarde estará. Portanto, por que deixar que isso aconteça? Vamos começar a abrir os olhos para essa realidade agora.

P - Diante desse quadro que o senhor traça, a humanidade não tem responsabilidade, ou os governantes não têm responsabilidade com o futuro?
R - Total. E aí nós estamos envolvendo e comprometendo é a nossa sobrevivência, não é verdade? Não só a sobrevivência do Sul-Americano, é um a sobrevivência mundial quando você pensa, por exemplo, no poder de renovação atmosférica que a Floresta Amazônica tem. O princípio do “predador pagador”, ele precisa ser difundido. Infelizmente, sofremos uma grande derrota com a restrição dos Estados Unidos a aderirem ao Protocolo de Kioto, contra as emissões gasosas danosas ao meio ambiente. Se o fizeram é sinal de que o farão em várias outras tratativas internacionais e importantes como, por exemplo, da conservação da Floresta Amazônica. Se a conservação significar uma utilização mais racional dos recursos industriais dos Estados Unidos, teremos dificuldade em obter deles esse acordo. É preciso que haja, exatamente, a arregimentação mundial, para que a gente consiga sensibilizar futuros governos americanos a entrarem nessa cruzada conosco.

P - Essas áreas que o senhor cita, temos ainda quanto tempo restando, para que elas não sejam dizimadas?
R - Em relação ao aqüífero, temos um relógio que não corre tanto ainda, embora já aqui, no Rio da Prata - e estamos falando aqui diretamente de La Plata, não é? -, já haja aqui um alto nível de degradação dos afloramentos do aqüífero na Argentina. Consta que no Paraguai também já há um nível de contaminação que está muito além do que se deveria imaginar. Em relação à Floresta Amazônica, a hora está soando, o despertador está chegando a hora de despertar. Se nós não acordarmos, acredito eu, nos próximos cinco anos, teremos talvez um panorama irreversível depois.