Busato critica reeleição e afirma:”canteiro não é palanque”

terça-feira, 21 de fevereiro de 2006 às 07:05

Brasília, 21/02/2006 – O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, fez hoje (21) duras críticas ao instituto da reeleição, em discurso na solenidade posse do novo presidente do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes. Busato afirmou que a reeleição fortaleceu uma espécie de “logro político” do qual tem sido vítima a sociedade brasileira: o uso do que é público e universal em benefício de facções políticas. “Canteiro de obra não é palanque. Fazer crer a uma sociedade como a nossa, em larga escala iletrada e despolitizada, que as obras públicas são dádivas do Estado, do governo ou mesmo de determinado partido ou governante, constitui logro político – um logro com o qual convivemos há algumas gerações e que o instituto da reeleição, infelizmente, fortaleceu”, sustentou durante a posse no TSE.

“Fazer do exercício do mandato político instrumento de campanha eleitoral constitui crime de lesa-democracia e, por extensão, de lesa-cidadania”, acrescentou o presidente nacional da OAB em seu pronunciamento. Ele destacou que a entidade dos advogados brasileiros, “como tribuna da sociedade civil brasileira, estará, como sempre esteve, atenta a esses desvios de conduta, e sabe que pode contar, como sempre contou, com a isenção e determinação da Corte de Justiça Eleitoral, para as providências cabíveis”.

Busato ressaltou que a obras públicas não pertencem nem ao governo, nem aos governantes. “Pertencem à sociedade, são construídas com seus recursos e a ela – e somente a ela – se destinam”, salientou. Para o presidente nacional da OAB, tentar fazer crer o contrário “é prática que deve ser repelida, fortemente repelida, em todos os âmbitos administrativos em que se apresente, pela consciência moral da nação que esta Corte (TSE), neste período eleitoral, expressa, personifica e defende”.

Para o presidente da OAB, não pode um governante em qualquer esfera do poder ou a qualquer título, de maneira direta ou indireta, prevalecer-se de seu cargo para obter votos do eleitor. Dessa forma, conforme assinalou, o governante estará ludibriando a boa fé da população e prestando um desserviço ao Estado Democrático de Direito. “Pois é disso que se trata quando um governante- em benefício próprio ou de seus correligionários – resolve tornar-se subitamente magnânimo nos meses finais de seu mandato, oferecendo aumentos salariais que antes negava sob alegação de zelo fiscal, e inaugurando obras em série – obras muitas vezes inconclusas ou mesmo só de fachada”, enfatizou.

Ele observou que em um país como o Basil, de excluídos sociais, o aventureirismo eleitoral encontra sempre estímulo e brechas para atual. “E não se pode cobrar da Justiça Eleitoral responsabilidade sobre isso; a responsabilidade é de todos nós – e deve ser compartilhada por todos nós, que integramos a elite dirigente nacional”.Ele salientou ainda que as eleições são o oxigênio da democracia, fonte de renovação e de legitimação dos governantes – e, portanto, o instante máximo do Estado Democrático de Direito. “Elas não podem ser profanadas por truques e expedientes de toda ordem, que buscam, imperfeições na legislação para melhor viola-la”, sustentou.

Senhoras e senhores

É com muita honra que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil se associa a esta solenidade de investidura dos novos presidente e vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral - respectivamente ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello - bem como de posse de seu novo ministro efetivo, advogado Gerardo Grossi, nosso ex-conselheiro seccional pelo Distrito Federal.

A todos, votos de êxito.

Não temos dúvida de que estão plenamente capacitados para mais este desafio. São profissionais vitoriosos, que já demonstraram dispor dos meios morais e intelectuais para cumprir missão de tal envergadura. Trata-se sem dúvida de missão nobre e delicada.

Nobre porque lhes cabe, daqui por diante, supervisionar a celebração máxima da democracia, que são as eleições. E delicada dado o momento de crise política por que passa o país.

Dizem os chineses que a política é a continuação da guerra por outros meios. Se assim é, as eleições constituem o momento crucial desse embate, em que freqüentemente, no ardor da disputa, transgridem-se normas e regulamentos, ignoram-se preceitos éticos.

Daí a importância desta Corte, instância indispensável de defesa de interesses vitais da cidadania, já que o que aqui se preserva é a lisura eleitoral, a transparência do processo, a garantia de igualdade de oportunidades para os participantes.

Em eleições, não pode haver privilégios - senão da parte do eleitor. Ele, sim, pode - e deve - privilegiar com seu voto quem bem entenda. Mas as instituições e a lei existem para garantir os mesmos direitos, sem privilégios de qualquer ordem, a quem queira se credenciar ao voto do eleitor.

Não pode um governante, em qualquer esfera de Poder - federal, estadual ou municipal -, a qualquer título, de maneira direta ou indireta, explícita ou subliminar, prevalecer-se de seu cargo para obter votos do eleitor. Estará assim ludibriando-o e prestando um desserviço ao Estado democrático de Direito.

Pois é disso que se trata quando um governante (em benefício próprio ou de seus correligionários) resolve tornar-se subitamente magnânimo nos meses finais de seu mandato, oferecendo aumentos salariais que antes negava, sob alegação de zelo fiscal, e inaugurando obras em série - obras muitas vezes inconclusas ou mesmo só de fachada.

As obras públicas não pertencem nem ao governo, nem aos governantes. Pertencem à sociedade. São construídas com seus recursos e a ela - e somente a ela - se destinam.

Não podem transmutar-se em fachada eleitoral. Canteiro de obra não é palanque. Fazer crer, a uma sociedade como a nossa, em larga escala iletrada e despolitizada, que as obras públicas são dádivas do Estado, do governo ou mesmo de determinado partido ou governante, constitui logro político.

Um logro com o qual convivemos há algumas gerações - e que o instituto da reeleição, infelizmente, fortaleceu.

Em vez de induzir a um zelo redobrado por parte dos governantes, a reeleição estimulou o inverso: o uso do que é público e universal em benefício de facções.

É prática que deve ser repelida, fortemente repelida, em todos os âmbitos administrativos em que se apresente, pela consciência moral da nação, que esta Corte, neste período eleitoral, expressa, personifica e defende.

Fazer do exercício do mandato político instrumento de campanha eleitoral constitui crime de lesa-democracia e, por extensão, de lesa-cidadania.

A OAB, como tribuna da sociedade civil brasileira, estará, como sempre esteve, atenta a esses desvios de conduta, e sabe que pode contar, como sempre contou, com a isenção e determinação desta Corte de Justiça Eleitoral, para as providências cabíveis.

Os recentes escândalos políticos, envolvendo captação e gastos ilegais de campanha eleitoral, expuseram aspectos frágeis de nossa democracia. Lamentavelmente, não são também novidade.

Ao contrário, constituem triste tradição, que remonta aos primórdios de nossa formação nacional.

Já em 1870, Dom Pedro II, citado por Humberto de Campos, em seu livro “Brasil Anedótico”, constatava, numa reunião ministerial, que (abre aspas) “as eleições, como se fazem no Brasil, são a origem de todos os nossos males políticos (fecha aspas)”.

Cento e trinta e seis anos depois, quem pode contraditá-lo? Se o modo como se fazem as eleições no Brasil de hoje não são a origem de todos, são pelo menos a origem de substancial parte de nossos males políticos. Da maior parte deles. Basta ver a crise presente, que desfila diariamente em duas CPIs no Congresso.

Oposição e situação acusam-se de suas respectivas bancadas - e lamentavelmente, ambas estão certas em grande parte do que dizem uma da outra. Hoje, como ontem.

As eleições, do modo como são feitas, privatizam o Estado. Tornam o Estado, que é - deveria ser - bem comum, propriedade dos que financiam os eleitos.

E isso, repito, não começou agora.

Já no início do século 20, três décadas depois do comentário de Dom Pedro II, o republicano Euclides da Cunha dava-lhe razão, definindo nosso processo eleitoral, em tom de absoluto desencanto, como (abre aspas) “mazorcas periódicas que a lei marca, denominando-as ‘eleições’, eufemismo que é entre nós o mais vivo traço das ousadias da linguagem (fecha aspas)”.

Dois momentos da história brasileira, em dois regimes distintos - o monárquico e o republicano - e conceitos convergentes a respeito de algo vital à saúde moral e institucional de qualquer nação e de qualquer regime fundado na liberdade: as eleições.

Nossa primeira revolução republicana, em 1930, teve entre seus principais pressupostos, a moralização eleitoral, com a adoção do voto secreto e do voto feminino. Os demais movimentos políticos que se lhe seguiram mencionaram sempre a problemática eleitoral.

Ruy Barbosa sustentava que “o voto é a primeira arma do cidadão”. Uma arma contra a tirania, em defesa de sua dignidade e direitos. Qualquer gesto, pois, que viole ou atente contra a integridade do voto, fere a ética, fere a liberdade, fere a democracia.

A saída, portanto, não é suprimir as eleições, como o fizeram os movimentos golpistas de nossa história, de triste memória.

Muito ao contrário, o que se impõe é o fortalecimento do instituto do voto, pelo aprimoramento das leis, pela sempre adiada reforma política, pelo aperfeiçoamento dos mecanismos de fiscalização à disposição da Justiça Eleitoral - e, sobretudo, pela ampliação de nossa taxa de cidadania.

É o cidadão o melhor defensor de seus direitos. Por isso, a OAB, já em 2004 - antes mesmo da atual crise, lançou campanha em defesa da República e de suas instituições, sustentando a necessidade de aplicação dos mecanismos da democracia direta, previstos no artigo 14 da Constituição Federal: o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular.

Toda tutela sobre a cidadania, por mais bem intencionada, é precária e invasiva. República é o regime da cidadania.

É a cidadania no Poder - e nada, nem ninguém pode substituir o livre arbítrio, a soberania do cidadão, que se exerce em sua plenitude no recinto inviolável da urna eleitoral. Nossa república, porém, padece de um paradoxo de origem.

Nasceu positivista - e o Positivismo postula um modelo de sociedade tutelada por sua elite. Daí porque sustentamos que é preciso reproclamar nossa república, torná-la - perdoem a licença literária - verdadeiramente republicana, de todos, e não apenas de alguns. E quanto a isso temos avanços a registrar.

Saudamos, por exemplo, a recente decisão do Conselho Nacional de Justiça, confirmada pelo Supremo Tribunal Federal, de banir o nepotismo do Judiciário, como um triunfo do espírito republicano entre nós.

É preciso bani-lo de toda a vida pública, nos três Poderes. Esse mesmo espírito republicano precisa prevalecer perante os agentes políticos nacionais antes, durante e depois da campanha.

Nepotismo, uso eleitoral de cargos, compra de votos, financiamento espúrio de campanhas, caixa dois - tudo isso é farinha do mesmo saco. Tudo isso conspira e atenta contra a cidadania, a democracia e a República. É crime de lesa-Pátria.

Hoje, felizmente, a cidadania brasileira, embora ainda anêmica, já se mostra mais atenta a essas distorções. Constata-se nos setores mais periféricos da sociedade, graças à difusão que lhes proporcionam os veículos de comunicação de massa, alguma percepção das distorções do processo político.

Mas só estaremos plenamente preservados - vacinados - contra essas distorções no dia em que a cidadania constituir efetivamente bem comum neste país. E isso está associado a ações de educação, sempre mencionadas como prioritárias, mas, na prática, sempre relegadas a plano secundário.

O que nos cumpre - a nós, elite dirigente brasileira - é, independentemetemente de partido ou ideologia, favorecer a difusão de cidadania, único meio de dar conteúdo efetivo ao Estado democrático de Direito.

Num país como o nosso, de excluídos sociais, o aventureirismo eleitoral encontra sempre estímulo e brechas para atuar e influir. E não se pode cobrar da Justiça Eleitoral responsabilidade sobre isso.

A responsabilidade é de todos nós - e deve ser compartilhada por todos nós, que integramos a elite dirigente nacional.

As eleições são o oxigênio da democracia, fonte de renovação e legitimação dos nossos governantes. São, portanto, como já disse, o instante máximo e solene do Estado democrático de Direito.

Não podem ser profanadas por truques e expedientes de qualquer ordem, que buscam imperfeições na legislação para melhor violá-la. Não tenho dúvida de que, nos tempos que vivemos - complexos e fascinantes -, a governabilidade estará cada vez mais associada a credibilidade.

Nesse contexto, o papel da Justiça Eleitoral será sempre - e cada vez mais - primordial. Antes de concluir, renovo, em nome do Conselho Federal da OAB, votos de pleno êxito aos que hoje aqui assumem esta relevante missão. Que Deus os ilumine e que zelem pela democracia brasileira.

Muito obrigado.