Fiscalização da advocacia ganha força com rede nacional articulada no 2º Encontro do Sistema OAB
Reunindo representantes das seccionais de todo o país, o 2º Encontro Nacional dos Órgãos de Fiscalização do Sistema OAB, realizado na última quarta-feira (12/11), debateu os desafios e avanços na proteção da ética e da legalidade no exercício profissional da advocacia. O evento virtual foi conduzido pela coordenadora nacional de fiscalização e secretária-geral adjunta do Conselho Federal, Christina Cordeiro, e consolidou a articulação de uma rede nacional voltada à uniformização de procedimentos e ao enfrentamento de práticas irregulares que afetam a advocacia e a sociedade.
A discussão foi centrada na elaboração de um panorama detalhado da atuação fiscalizatória nos estados, que revelou os principais desafios enfrentados pelas comissões: a publicidade irregular, a captação indevida de clientela, o exercício ilegal da profissão e os golpes cometidos por falsos advogados. Para Christina Cordeiro, os apontamentos feitos pelos representantes das seccionais deixaram claro que o desafio é abrangente e que é importante a atuação cada vez mais próxima e coordenada entre Conselho Federal, seccionais, Tribunais de Ética e Disciplina e, em alguns casos, forças de segurança.
“O objetivo do encontro foi ouvir, mapear dificuldades e gerar instrumentos práticos que deem efetividade ao trabalho, não apenas no plano educativo, mas também na atuação investigativa e, quando necessário, judicial”, destacou a coordenadora.
Diagnóstico comum
Os relatos dos representantes das seccionais confirmaram um diagnóstico já conhecido: embora a maioria das infrações derive de desconhecimento ou de práticas leves, há uma parcela crescente de atores organizados (startups, associações e empresas) que estruturam modelos de captação massiva e profissionalizada, em um cenário que extrapola os limites da atuação tradicional de fiscalização.
As experiências estaduais também confirmaram a necessidade de integração entre as comissões e de padronização dos procedimentos. Apesar de grandes seccionais, como São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro, possuírem estruturas consolidadas, há seccionais em que a comissão de fiscalização sequer é constituída e outras, de estados menores, que atuam com recursos limitados e equipes reduzidas. A troca de experiências foi importante para que estas seccionais entendessem a necessidade de estruturar suas respectivas comissões, com fluxo e procedimentos bem definidos.
“Precisamos de um regimento interno unificado que sirva de norte para seccionais e subseções. Sem isso, cada estado faz de um jeito e muitos começam do zero”, observou Júnior Marques, representante do Piauí.
Grupos de trabalho
A coordenação anunciou, ainda, a formação de dois Grupos de Trabalho (GT): um para elaborar um modelo de regimento interno nacional para comissões de fiscalização e outro para revisar sistematicamente as sanções aplicáveis e alinhar fluxos com os Tribunais de Ética e Disciplina.
“Queremos entregar instrumentos que permitam às seccionais pequenas, com poucos recursos, atuar com mais previsibilidade e segurança jurídica. O regimento é peça-chave para isso”, resumiu Christina Cordeiro.
Publicidade irregular e golpe do falso advogado
A preocupação com a publicidade irregular e a mercantilização da advocacia permeou boa parte das intervenções propostas durante a reunião. Para Célia Manzoni, representante da Bahia, “o nível de desconhecimento do Provimento 205/2021, que trata da publicidade e da informação da advocacia, é muito grande". De São Paulo, Rebeca Salmazio defendeu a necessidade de atuação mais técnica e coordenada: “A publicidade indevida repercute muito mais pelas redes sociais do que por adesivos nos elevadores, por exemplo. Seguir o dinheiro e acionar as big techs é uma alternativa eficaz”.
Outra pauta de destaque foi o combate ao golpe do falso advogado, prática que tem se multiplicado em vários estados. Daniel Ibiapina, do Ceará, relatou que “várias operações foram feitas e há diálogo constante com secretarias e delegacias”. Já no Maranhão, o problema ganhou proporção preocupante, conforme relatou o presidente da Comissão de Fiscalização da Atividade Profissional da Advocacia, Jonatas Fernandes: “Bacharéis e estudantes atendendo como se fossem advogados. Em muitos casos houve flagrante e encaminhamento à polícia”.
Sobre as providências cabíveis, Christina Cordeiro afirmou que “é preciso discutir o endurecimento das sanções disciplinares e, de imediato, incentivar que as seccionais cumpram o artigo 10 do Provimento n. 205/2021 do CFOAB, concedendo poderes coercitivos à Comissão de Fiscalização com a finalidade de dar efetividade às normas sobre a publicidade. Além disso, precisamos criar mecanismos para tornar as normas efetivas e desincentivar práticas reiteradas, pois muitas sanções são brandas e criam o sentimento de que ‘vale a pena transgredir’”.
Outro ponto importante do encontro foi a apresentação pela Coordenação Nacional de Fiscalização de um roteiro prático para apuração de denúncias, com foco na coleta e preservação de provas digitais. O procedimento inclui pesquisa em registros públicos, análise de redes sociais, consultas a juntas comerciais e cruzamento de dados com processos judiciais.
Christina Cordeiro destacou ainda a importância de garantir a autenticidade dos materiais coletados. “O print simples não é suficiente; é preciso preservar a prova — com ata notarial ou ferramentas específicas — e indicar o caminho exato onde o conteúdo foi publicado”, observou.
A coordenação também anunciou que enviará às seccionais um checklist nacional de coleta de provas, com instruções para uso de ferramentas gratuitas e práticas seguras de armazenamento digital.
Fiscalização como instrumento de valorização da advocacia
A participação dos representantes revelou uma compreensão compartilhada sobre o papel educativo e institucional da fiscalização. Para Júlio Mesquita, do Distrito Federal, “a fiscalização não deve ser só coerção, mas proteção institucional e moral da advocacia; nosso trabalho é antes educativo e de proteção à imagem da profissão”.
No mesmo sentido, Roberta Schaun, secretária-geral da Comissão de Fiscalização do Exercício Profissional da OAB-RS, lembrou: “Muitas vezes notificamos e orientamos antes de punir, porque o objetivo é a correção, não apenas a punição”.
Christina Cordeiro encerrou o encontro com uma reflexão sobre o equilíbrio entre firmeza e orientação: “A fiscalização precisa ser pedagógica sem deixar de ser incisiva. E, para isso, precisa de regras claras, instrumentos técnicos e, sobretudo, de uma rede nacional de cooperação”.