OAB defende no STF a competência constitucional da Justiça do Trabalho para julgar casos de ‘pejotização’
O Conselho Federal da OAB esteve no Supremo Tribunal Federal (STF), nesta segunda-feira (6/10), para participar da audiência pública para discutir a legalidade da contratação de trabalhadores como autônomos ou por meio de pessoa jurídica — prática conhecida como pejotização. Sob condução do ministro Gilmar Mendes, a iniciativa integra o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE 1.532.603), que teve repercussão geral reconhecida (Tema 1.389).
A secretária-geral do CFOAB, Rose Morais, disse que a entidade se concentra na defesa intransigente da competência constitucional da Justiça do Trabalho para apreciar demandas em que se discute se existe ou não vínculo de emprego. “Como entidade comprometida com a justiça social e com a boa aplicação das leis, a OAB coloca-se na posição de defender a interpretação constitucional do artigo 114, assegurando que a Justiça do Trabalho possa cumprir o seu papel histórico enquanto Justiça especializada, e reforçada pela Emenda Constitucional 45”, afirmou.
Ela chamou a atenção de que o STF está diante de uma questão que impacta diretamente o cotidiano de milhões de trabalhadores e, também, o ambiente de negócios. “Entre 2020 e 2025, foram ajuizadas 1,2 milhão de ações trabalhistas pleiteando o reconhecimento de vínculo de emprego. Ou seja, tivemos um aumento de 8,3% de casos novos. Esses dados são divulgados pelo Ministério Público do Trabalho e revelam que estamos diante de um fenômeno estrutural e, portanto, exige também uma solução estrutural”, alertou.
Para Rose Morais, em uma sociedade cada vez mais complexa — a economia se reinventa, os modelos de organização empresarial se multiplicam e as novas formas de prestação de serviços são continuamente incorporadas à lógica produtiva —, é imperioso que o Judiciário se debruce com profundidade sobre os limites e os contornos dessas questões. “Porque não estamos aqui afirmando que toda a ‘pejotização’ é fraudulenta. E é precisamente nesse contexto que se manifesta a importância das instituições e das atribuições dos diversos atores envolvidos. É crucial que se defina, com clareza, qual é o foro natural e adequado para a apuração de alegações de vínculo trabalhista”, destacou.
A secretária-geral da OAB defendeu que cabe à Justiça do Trabalho, dotada de técnicas e procedimentos de experiência própria, declarar a nulidade ou não desses atos e reconstituir a realidade jurídica caso demonstrado o desvio de finalidade. “Nenhum outro ramo do Judiciário dispõe, de maneira tão sistemática, do instrumental e da sensibilidade necessários para proceder essa verificação”, concluiu.
Em sua manifestação, ela explicou que uma solução que exclui sistematicamente a Justiça do Trabalho desses litígios teria efeitos práticos graves, como perda de arrecadação previdenciária e tributária, concorrência desleal e enfraquecimento das representações coletivas. “Por outro lado, reconhecer a competência trabalhista para o escrutínio, caso a caso, traz previsibilidade jurídica para as empresas que operam de boa fé e proteção efetiva para os trabalhadores vulneráveis. O equilíbrio aqui é simples: coibir fraudes sem tolher formas legítimas de contratação”, pontuou.
Rose Morais destacou, também, que a OAB congrega profissionais que atuam em ambos os lados — na defesa dos empregadores e dos trabalhadores, de empresas contratantes e de prestadores contratados. “Essa ampla e diversa atuação confere à advocacia o olhar técnico plural capaz de identificar abusos e, ao mesmo tempo, de defender modelos inovadores e, ainda assim, legítimos”, ressaltou, reafirmando que o compromisso institucional é assegurar que o processo seja fundamentado em fatos e provas, e não em meros formalismos.
A secretária-geral da OAB finalizou sua participação agradecendo ao ministro Gilmar Mendes pela sensibilidade em convocar uma audiência pública que permita a escuta qualificada e atenta.
Desafios econômicos e sociais
Relator do processo, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a audiência permitirá ao STF analisar com segurança os fatos e garantir uma reflexão em torno de temas como proteção ao trabalhador e os impactos dessa forma de contratação para a economia nacional.
O decano do Tribunal apresentou dados oficiais do Mapa de Empresas, relatório publicado pelo Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte referente ao primeiro quadrimestre de 2025, que apontam que o Brasil já conta com mais de 12 milhões de microempreendedores individuais/mês, ativos. “Soma-se a esse cenário mais de 1,5 bilhões de pessoas que exercem suas atividades com intermediação de aplicativos digitais. Projeções indicam, ainda, que nas próximas décadas sofrerão modificações significativas ou mesmo tenderão a desaparecer, exigindo uma constante adaptação de empresas, trabalhadores e da própria legislação”, pontuou o ministro.
Também participaram da audiência pública o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho; o advogado-geral da União, ministro Jorge Messias; e o subprocurador-geral da República, Luiz Augusto Santos Lima.
Entre os especialistas que apresentaram manifestação, estão: o sociólogo e professor José Pastore; o economista e contabilista José Roberto Rodrigues Afonso; o economista, professor e consultor econômico Felipe Salto; o diretor jurídico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Flávio Unes; o diretor de Regime Geral de Previdência Social, Eduardo da Silva Pereira; o secretário-executivo do Ministério da Previdência Social, Adroaldo da Cunha Portal; a procuradora da Fazenda Nacional Patrícia Grassi Osório, representando o Ministério da Fazenda; o chefe da Divisão de Análises de Ilícitos Tributários da Subsecretaria de Fiscalização da Receita Federal, Afrânio Rodrigues Bezerra Filho; a auditora-fiscal do Trabalho Lorena Guimarães Arruda, representando o Ministério do Trabalho e Emprego; o coordenador-geral de Microempresas e Empresas de Pequeno Porte do Ministério do Empreendedorismo, Murilo Machado Chaiben; entre outros.
Saiba mais
O ARE 1.532.603 aborda a legalidade da contratação de pessoas jurídicas e trabalhadores autônomos para a prestação de serviços que, na verdade, configuram uma relação de emprego.
A decisão do STF definirá três pontos principais: competência para julgar — Justiça do Trabalho ou Justiça Comum; a licitude da contratação; e ônus da prova — se a responsabilidade de provar a fraude na contratação cabe ao trabalhador ou à empresa contratante.
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