O Ministro, o Provão e o Exame de Ordem

quarta-feira, 10 de abril de 2002 às 02:38

por Milton Paulo de Carvalho(*)

Há alguns dias atrás, o Ministro Paulo Renato de Souza, em entrevista cedida à TV Bandeirantes, ao falar dos bons resultados que o provão dos cursos superiores vem obtendo, sustentou a unificação (ou “nacionalização”) daquele sistema de apuração do desempenho das instituições de ensino superior, contra os constantes pleitos de sua “regionalização”, isto é, sustentou a conveniência de realizar-se um só teste para todo o País, ao invés de se formularem questionários regionalizados. E acrescentou que as matérias objeto das questões do provão devem ser as mesmas, uma vez que o profissional egresso de qualquer curso situado em qualquer parte do País aplica sempre, onde quer que esteja, a mesma ciência que estudou, terminando por dar como exemplo o médico e o… advogado!

Quaisquer questões relativas ao modo de realização do provão só nos dizem respeito na medida em que interferem no ensino do direito, não sendo cabível, nesta oportunidade, a discussão de sugestões sobre elas. Extraímos da fala ministerial três conclusões, das quais a primeira afigura-se-nos indiferente à OAB, enquanto as duas seguintes, por estarem vinculadas àquela, fazem emergir alguma preocupação. São elas: a) a “nacionalização” do provão e a necessária diversidade dos currículos jurídicos; b) a interferência que mudanças no provão poderão, direta ou indiretamente, provocar no Exame-de-Ordem; e c) a eventualidade de uma confusão entre provão e Exame de Ordem.

a) Quanto à “nacionalização” do provão, no concernente ao ensino e à prática do direito, o assunto compete ao MEC, embora nos caiba opinar em descargo do direito-dever, que temos, de pugnar pelo aperfeiçoamento do ensino jurídico. É que tal uniformização parece colidir com a realidade, cada dia mais evidente, da variedade e multiplicidade de institutos jurídicos em aplicação neste País, em que a profunda diversidade verificada nas atividades urbanas ou rurais, nas economias, nos sistemas administrativos e até em hábitos de família, conforme cada região geográfica, exige o conhecimento dos mais díspares ramos do direito. Daí a necessária e decantada flexibilidade dos currículos e daí a necessidade de um provão regional. Mas, pondere-se: o provão interessa aos órgãos ministeriais, não sendo esta manifestação mais do que mera opinião, no sentido de obter coerência entre o provão e os currículos.

b) A segunda conclusão que se pode extrair das afirmações do eminente Ministro (esclareça-se: não expressa por Sua Excelência) é a de a “nacionalização” do provão poder acarretar a “nacionalização” do Exame de Ordem, porque, dentre todas as investidas que este instituto tem enfrentado, velhas e novas, uma cuida de fazer o provão integrar o Exame de Ordem, como uma de suas fases. Ora, pelos mesmos motivos expostos no parágrafo anterior, cada bacharel em direito, ao pretender ingressar nos quadros da Ordem, deve demonstrar aptidão para o exercício da advocacia na região em que vai atuar; quer dizer, deve conhecer o direito que vai aplicar. Por isso, o Exame de Ordem é seccional. E também porque cada Seção da OAB sabe qual o perfil de bacharel é adequado ao exercício da advocacia no seu Estado. Portanto, a atual “nacionalização” do provão o faz ainda mais distante do Exame de Ordem.

c) O Exame de Ordem é regional, isto é, estadual, como e porque federativa é a constituição da OAB, tendo já o seu Conselho Federal se pronunciado pela não realização unificada do Exame de Ordem. Pacificou-se esta matéria, que é de exclusivo interesse da Corporação, porquanto se destina à seleção dos graduados a serem acolhidos para o exercício da mais nobre e uma das mais graves profissões. E aqui está o fundamento da preocupação, qual seja, a de não se comprometer a independência e a altivez com que a OAB vem cumprindo o seu múnus de velar pela boa qualidade e pelo aperfeiçoamento do ensino jurídico, mesmo que se deva opor a atos governamentais. Que a OAB deva prestar colaboração para qualquer atividade lícita dos poderes públicos, inclusive o provão, é inquestionável. A intromissão do Estado em assuntos internos da Corporação, todavia, é inadmissível. Tudo o que respeita ao Exame de Ordem compete à OAB; o assunto do provão, ao MEC. Que cuide o Estado do seu provão. Do Exame de Ordem cuida a OAB. A César o que é de César...

(*)Milton Paulo de Carvalho é membro secretário da Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

Observação: O artigo está sendo republicado em 10/04/2002, com alterações no primeiro parágrafo, 7ª linha e na alínea b), 11ª linha, substituindo o texto original divulgado neste site dia 09/04/2002.