A participação feminina nas instâncias decisórias: limites e possibilidades

terça-feira, 26 de março de 2002 às 03:45

Por Maria Lúcia de Santana Braga*

As recentes mudanças na direção das comissões permanentes da Câmara dos Deputados, nas lideranças partidárias e na Mesa Diretora da Casa mostram que, apesar do crescimento da participação feminina no processo decisório de forma lenta, gradual e consistente, sua presença está ainda longe de atingir um patamar satisfatório no Brasil.

Na última década, a organização da bancada feminina no Congresso Nacional contribuiu para tornar mais visível a agenda das mulheres no Parlamento e na sociedade. A bancada tem atuado na defesa dos principais projetos de interesse das mulheres, especialmente aqueles relacionados às discriminações, à violência e à mudança na legislação brasileira. A legislação de cotas, por exemplo, presente na Lei 9.100/95, que assegura a obrigatoriedade da cota mínima de 20% de mulheres candidatas aos cargos legislativos, foi umas das principais conquistas das lideranças feministas nesse período. Entretanto, o resultado nas três últimas eleições (1996, 1998 e 2000) foi muito aquém e mostrou mais uma vez que sem o apoio institucional e financeiro dos partidos políticos a Lei de Cotas não sai do papel.

Outro grande empecilho para o crescimento mais expressivo da representação feminina foi apontado pela professora da Universidade de Brasília, Lúcia Avelar. Trata-se do alto número de mulheres analfabetas no País que segundo dados recentes do IBGE atinge a cifra de 15.975.138. Para Lúcia Avelar, "o mundo político é um mundo de alfabetizados", o que implica na exclusão total de uma parcela expressiva de mulheres da vida política e associativa. Além disso, essas mesmas mulheres, pobres e analfabetas, contribuem para a perpetuação de um círculo vicioso, pois seus filhos, homens e mulheres, tendem a ter o mesmo destino, com a conseqüente cisão de sua cidadania.

Dessa forma, não basta uma lei de cotas. É preciso ir mais além. As lideranças feministas, em especial, com apoio de parcelas interessadas da sociedade, devem se posicionar e lutar por políticas sociais que modifiquem essa situação de exclusão. É claro que as arenas de luta são inúmeras. O Congresso Nacional é uma das mais importantes.

Por exemplo, no último mês de março, projetos defendidos pela bancada feminina foram aprovados pelos deputados e senadores. São proposições de interesse geral das mulheres como a obrigatoriedade da cirurgia plástica reparadora da mama por planos e seguros privados de assistência à saúde nos casos de mutilação decorrentes de tratamento de câncer e a tipificação do assédio sexual como crime. Entretanto, temas, como a maior participação da mulher nas instâncias decisórias, encontram ainda muita objeção. É o caso do PRC 130/01, dos deputados Orlando Fantazzini (PT/SP) e Ana Corso (PT/RS), que altera os artigos 8º e 30 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados com o fim de reservar 30% de cargos da Mesa Diretora da Casa para parlamentares de cada sexo. A proposta visa claramente garantir uma representação igualitária nos cargos de direção da Câmara. Pode ser um bom início, mas isto por si só não garantirá que as mulheres alcancem esse nível decisório e sejam vistas em situação de igualdade nas disputas pelos cargos.

A paridade entre homens e mulheres na representação política exigirá ainda uma longa batalha que não se restringe somente ao Congresso Nacional.Com certeza, exigirá o esforço de mulheres e homens identificados com a construção de alternativas para uma realidade social autoritária e excludente. Esse salto de qualidade levará ainda anos, senão décadas de muito trabalho, que poderá conceder à mulher uma das idéias centrais da sociedade moderna ocidental que é a igualdade.

*Maria Lúcia de Santana Braga é socióloga, mestre em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) e assessora parlamentar do DIAP

Transcrito do Boletim do DIAP (Ano X, nº 129, maio/2001)