Coadem: advocacia latino-americana está decepcionada com Lula

sexta-feira, 02 de dezembro de 2005 às 04:25

Montevidéu, 02/12/2005 - A advocacia brasileira não está sozinha em sua decepção com o governo Luiz Inácio Lula da Silva. Esse sentimento de frustração já tomou conta dos advogados de praticamente toda a América Latina, que de início depositavam grande esperança no governo. A afirmação foi feita hoje (02) pelo presidente do Conselho dos Colégios e Ordens de Advogados do Mercosul (Coadem), Sérgio Ferraz, em entrevista após reunião do órgão. O Coadem engloba os Colégios de Advogados da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai e são membros observadores os delegados da Colômbia, Equador e Guiana Francesa.

Segundo Sérgio Ferraz, que é também conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil pelo Acre, nas freqüentes reuniões e conversas com os advogados da América do Sul e outras partes do continente tem observado que eles “partilham conosco da decepção, da tristeza e do desânimo por verem o que está acontecendo em nosso País”. Observou que no início do governo Lula era grande o “capital de esperança” entre esses advogados no governo de um operário, que mais parecia “prenúncio de um novo mundo”.

Na entrevista, o presidente do Coadem relatou também as dificuldades ainda enfrentadas para uma harmonização de legislação do exercício da advocacia entre os países do Mercosul e a necessidade de se fortalecer a “colegiação” desses profissionais na região – sua organização obrigatória em colégios de advogados. Esses fatores, hoje já desenvolvidos em países como o Brasil – por meio da OAB - são imprescindíveis à criação e desenvolvimento de uma forte comunidade latino-americana de advogados, na opinião dele.

A seguir, a íntegra da entrevista do presidente do Coadem, Sérgio Ferraz, concedida hoje:

P - Qual é a situação hoje dos advogados da América Latina?
R - Existe hoje uma grande compreensão da parte da advocacia brasileira, no sentido da solidariedade aos advogados latinos. Não só solidariedade no sentido de colaborar com o possível fortalecimento Estado de Direito, ou para criação do Estado de direito em alguns países nossos vizinhos, como também a idéia de que é imprescindível regulamentar o exercício da profissão do advogado latino-americano em todos os países da Latino-América, afim de que haja uma comunidade não só econômica, mas uma comunidade também de cidadania.

P - Quer dizer que situações como a do Brasil, em que o advogado é obrigatoriamente filiado à Ordem, isso não se repete em todos os paises do Mercosul?
R - Em alguns países não existe a colegiação obrigatória. A ausência dessa colegiação obrigatória inclusive enfraquece a importância da advocacia e facilita a infiltração de elementos indesejáveis ao exercício da profissão. Enquanto não houver harmonização legislativa plena no exercício da advocacia e uma colegiação obrigatória em todos os países será difícil estabelecer uma comunidade latino-americana de advogados.

P - E qual é essa minoria que ainda não está colegiada?
R - Essa minoria - que é expressiva, é bom que se diga sempre, pois é uma minoria numérica - ela está marcadamente posta no Paraguai e no Uruguai, países importantes, de grandes tradições históricas, mas que não têm ainda a colegiação obrigatória. E também na Venezuela e no Equador – nesses países a colegiação não é obrigatória. E também no Chile, que é importantíssimo, inclusive como um parceiro econômico relevante, eu ia me esquecendo. Nesses países, es especialem alguns deles como Equador e Colômbia, existe o incentivo à colegiação, mas não a obrigatoriedade. Mas precisamos caminhar no sentido da obrigatoriedade.

P - Com relação ao Exame de Ordem, ele existe em outros países, além do Brasil?
R - Realmente, o regramento do exercício da advocacia no Brasil não é único mas é quase único. Em todo o resto do continente, não existe nada semelhante ao Exame de Ordem. Todos têm vontade de caminhar para isso, mas é muito difícil politicamente caminhar nesse rumo. Então, só entre nós, no continente sulamericano existe o exame de Ordem. Isso é um obstáculo a mais para que possamos regulamentar com liberdade o exercício internacional da advocacia no Continente.

P - Então, o senhor considera o Exame de Ordem de suma importância, no Brasil?
R - Não só de suma importância, ele é imprescindível. Acho que sem o Exame de Ordem a advocacia, como a gente tem, como respeitabilidade, simplesmente acaba.

P - Com relação à crise política brasileira, que já se arrasta há um bom tempo e tem como base as denúncias de corrupção no governo, nas conversas com os advogados latino-americanos como eles estão encarando tudo isso?
R – É curioso, pois havia todo um capital de esperança em todos os países irmãos nossos, não só geograficamente, viam na Presidência da República brasileira exercida por operário, o prenúncio de um novo mundo. Então, eles partilham - não com a mesma intensidade nossa, que sofremos na pele e na carne - , mas partilham conosco da decepção, da tristeza e do desânimo por verem o está acontecendo em nosso País.