“Lei Maria da Penha precisa ser cumprida”, diz presidente da Comissão da Mulher Advogada

domingo, 07 de agosto de 2016 às 08:55

Brasília – A Lei Maria da Penha completa 10 anos neste domingo. Sancionada em 7 de agosto de 2006, a Lei 11.340 criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Considerada uma das mais importantes inovações legislativas recentes, é motivo de comemoração e também de reflexão. Na entrevista abaixo, a presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada, conselheira Eduarda Mourão (PI), comenta os principais aspectos da lei e seus desafios.

A Lei Maria da Penha ajudou a mudar o entendimento da sociedade sobre a violência doméstica e contra a mulher?

Se de um lado, pesquisas oficiais trazidas pelo Instituto Patrícia Galvão mostram que 98% da população brasileira conhece a Lei Maria da Penha, e isso demonstra que a sociedade está ciente de que a violência doméstica é uma questão pública e não mais privada, de outro, os índices de violência contra a mulher são alarmantes. Segundo o IBGE, cerca de 1,2 milhão de mulheres brasileiras sofrem algum tipo de violência, por ano, o que coloca o Brasil, nos dias atuais, como o 5º país com maiores taxas de violência de gênero.

E isso tudo representa que, embora a sociedade conheça esse poderoso instrumento legal de combate à violência, somente a lei não tem sido suficiente para coibir a cultura e comportamento machista de nossa sociedade. A mulher brasileira, apesar de estar denunciando mais as agressões sofridas, o índice de denúncias ainda é em torno de 15% do que ocorre entre quatro paredes.

Qual o papel da OAB e da advocacia na efetivação da Lei Maria da Penha?

A OAB, como guardiã da cidadania e defensora dos direitos humanos, tem sido uma forte aliada contra a violência à mulher. Através da Comissão Nacional da Mulher Advogada, importantes diretrizes têm sido implementadas nesse sentido, fomentando esta bandeira nas comissões congêneres instaladas em todas as seccionais e em grande parte das subseções do país, que já desenvolvem diversas ações permanentes junto à sociedade, a exemplo de cursos de capacitação sobre a Lei Maria da Penha, feminicídio e questões de gênero, ações sociais nas escolas, orientações jurídicas às mulheres dentre tais assuntos os esclarecimentos sobre seus direitos em geral.

Recentemente, consolidamos nosso apoio e parceria à Campanha Nacional “Justiça pela Paz em Casa”, coordenada pela ministra Carmen Lucia, vice-presidente do STF, no sentido de aproximar mais a advocacia dos Tribunais de Justiça buscando a melhores resultados nos andamentos dos processos de violência doméstica e familiar que tramitam em todo o país.  Além disso, a comissão lançou a campanha nacional “Diga Não à Violência Contra a Mulher”, alertando a população da necessidade de extirparmos essa cultura machista que nos envergonha e nos prejudica sobremaneira.

Como qualquer legislação, ela evolui e apresenta desafios. O que ainda precisa melhorar em relação à Lei Maria da Penha?

Acima de tudo, é preciso que a lei seja cumprida em todos os seus dispositivos já em vigor. Há dez anos a mesma foi criada e ainda há uma enorme carência na correta estrutura do Estado em todo o país, sendo necessário um maior número de delegacias especializadas no atendimento à mulher, devidamente aparelhadas com os instrumentos específicos para o atendimento à vítima; um quadro de pessoal igualmente capacitado para tal; viaturas e policiais suficientes para o cumprimento dos mandados, investigações e das demais diligências dentro do tempo hábil; mais delegados e delegadas propiciando mais celeridade e resolutividade nos inquéritos, com vistas a bem comprovar a materialidade do crime visando a aplicação da lei contra o agressor.

O Brasil possui pouco mais de 5.500 municípios e pouco mais de 400 delegacias destas, funcionando de forma muitas vezes precárias, sem atendimento 24 horas, e justamente nos horários quando as mulheres são mais agredidas essas delegacias estão fechadas, sendo também necessária a criação de Centrais de Flagrante de gênero, para minimizar essa lacuna. É preciso mais equipes multidisciplinares, mais casas-abrigo.

Já no âmbito judicial, os números mostram que também é preciso que as ações em curso sejam processadas e julgadas com mais celeridade e efetividade, evitando o alto índice de prescrição, e que no mínimo os espaços humanizados sejam criados nos fóruns do país, evitando o contato da vítima com o acusado na hora das audiências, que seja implantada nas audiências o depoimento humanizado sem danos para a vítima, dentre outros atos de gestão que podem melhorar o atendimento à vítima de violência doméstica e familiar.

Quanto ao que precisa melhorar em termos de legislação, a Lei Maria da Penha, além de atender à vítima de violência no âmbito doméstico e familiar, entendo que a lei deva evoluir e ampliar a punição sobre outros tipos de violência que rotineiramente ocorrem contra as mulheres, tais como o assédio nos transportes coletivos, assédio moral e também sexual no local de trabalho, o estupro na rua por desconhecido dentre outros. A eficácia da Lei Maria da Penha pode e deve ser ampliada. A exemplo disso, recentemente o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais decidiu que todas as promotorias do Brasil aplicarão esta lei para as pessoas transgênero, ou seja, aqueles que ainda não fizeram cirurgia de mudança de sexo e não alteraram o nome ou sexo em seus documentos civis.

Que outros aspectos a senhora gostaria de ressaltar acerca da Lei Maria da Penha?

A Lei precisa ser abraçada e compreendida por toda a sociedade. Temos que unir o poder público, a sociedade civil organizada, a igreja, a rede feminina de proteção à mulher e as pessoas de um modo geral para instrumentalizarmos com os meios necessários à proteção da vítima. E o mais importante, que não podemos deixar de fazer: educar as nossas crianças e a nossa população sobre questões de igualdade de gênero, dignidade humana, sobre os verdadeiros valores morais norteadores de uma sociedade que respeita os limites de cada cidadã e cidadão, que sabe e deve perpetuar o conceito de que a mulher não é posse do homem. Que todos podemos ser felizes sem nos agredir.