Crise custará muito ao país, afirma Roberto Busato

segunda-feira, 05 de setembro de 2005 às 07:48

Rio de Janeiro, 05/09/2005 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, diz ver "com muita preocupação e tristeza" a crise política porque passa o País, "típica de um país de terceiro mundo, onde a corrupção grassa por todos os poderes". Para ele, é uma situação que nos envergonha perante o mundo civilizado, porque mais uma vez o País se vê às voltas com a corrupção generalizada. "Essa crise política vai nos custar muito em termos de imagem e dignidade".

Roberto Busato alerta que o Brasil não terá condições de passar ao primeiro mundo se continuar a adotar práticas de terceiro mundo, "sem extirpar", definitivamente, a corrupção. "Para tanto, é necessário que haja uma grande purgação dessas pessoas que deixaram deteriorar o Estado e que escandalizaram toda a nação brasileira pela gama de atos lesivos ao patrimônio público e atitudes antiéticas", ressaltou.

O presidente nacional da OAB fiz não temer que a crise leve à divisão do País e afirma que ela será vencida, mas há a necessidade "de depurar muito mais" dentro do Congresso Nacional, do Poder Executivo", porque o País está unido contra a corrupção, contra a falta de ética, contra esta má cena, esta péssima cena que vem sendo desempenhada pelos atores políticos da nação".

Segue, na íntegra, a entrevista do presidente da OAB ao repórter Fernando Sampaio da Tribuna da Imprensa:

P- Como o senhor analisa essa série de escândalos envolvendo parlamentares e autoridades em geral no País?
R- Com bastante preocupação e tristeza, pelo fato de o País estar novamente envolvido em acontecimentos típicos de um país de terceiro mundo, onde a corrupção grassa por todos os poderes. Essa é uma situação que nos envergonha perante o mundo civilizado. O mundo todo está comentando essa situação vivida pelo Brasil que, mais uma vez, se vê às voltas com a corrupção generalizada. Essa crise política vai nos custar muito em termos de imagem e dignidade.

P- Pelo menos dois dos cinco integrantes da Comissão de Sindicância da Câmara, criada para investigar as denúncias do suposto pagamento do mensalão a deputados, já enfrentaram problemas com a Justiça. O que acha disso?
R- Nós devemos acabar com a impunidade no Brasil. A impunidade é um dos grandes males que grassa neste País. Aliás, corrupção e impunidade são coisas que caminham juntas aqui. Nós temos de dar o exemplo e esses deputados que já se envolveram com a Justiça devem pagar pelo delito que cometeram. Devem ser excluídos da vida pública porque a vida pública não admite reiteradas práticas de delitos ou de atentados contra a ética e a moralidade.

P- Como definir as denúncias de corrupção do deputado Roberto Jefferson?
R- O deputado Roberto Jefferson só fez uma acusação de corrupção da qual ele participou. De um lado, é réu confesso e tem que pagar pelos deslizes cometidos. Por outro lado, prestou um certo serviço à nação ao contar esses fatos, embora já devesse ter contado a mais tempo. Aliás, ele sequer deveria ter se envolvido nesses fatos se fosse uma pessoa que merecesse continuar na Câmara dos Deputados. Ele demonstrou fraqueza de caráter e, depois, procurou, talvez em função de alguma vantagem que não lhe foi prestada, fazer uma denúncia que desenrolou todos esses fatos. Não é pessoa confiável, porém confessou um delito e todos os que estão envolvidos nesse delito devem, junto com ele, pagar um pedaço desta conta vergonhosa que o País está a cobrar.

P- O senhor teme que a crise política leve à divisão do País?
R- O país já está maduro em termos de sua democracia. Já passou por um impeachment de um presidente da República e não sofreu nenhuma solução de descontinuidade no seu processo de construção democrática. Nós vamos vencer mais esta crise. Por certo, teremos que depurar muito mais dentro do Congresso. Teremos que depurar muito mais no Poder Executivo. Mas isso tudo ajuda a construir a união do País. O País, aliás, está mais unido. Unido contra a corrupção, contra a falta de ética, contra esta má cena, esta péssima cena que vem sendo desempenhada pelos atores políticos da nação.

P- Qual o seu grande alerta diante dessa sucessão de escândalos?
R- O alerta é que o País não terá condições de passar ao primeiro mundo se continuar a adotar práticas de terceiro mundo. Nós ainda não conseguimos nem mesmo desatar o nó da escravatura no Brasil e temos trabalho escravo em alguns recônditos do país. Não conseguimos, também, desatar os nós das capitanias hereditárias, tanto é que temos aí um nepotismo evidente nos três poderes e nas esferas da administração pública. Nós não podemos chegar ao primeiro mundo sem extirpar, definitivamente, a corrupção neste país. Para tanto, é necessário que haja uma grande purgação dessas pessoas que deixaram deteriorar o Estado e que escandalizaram toda a nação brasileira pela gama de atos lesivos ao patrimônio público e atitudes antiéticas.

P- Como o senhor vê o Conselho Nacional de Justiça, órgão criado pela reforma do Judiciário e responsável por fiscalizar as atividades dos magistrados?
R- Com muito otimismo. A OAB vinha há muito tempo brigando pelo estabelecimento desse instituto que, nos países europeus, respondeu e deu resultados. O Conselho Nacional de Justiça visa a dar uma estrutura administrativa melhor ao Judiciário e tem muito a fazer. A situação da Justiça brasileira não é das mais cômodas e não é das mais confiáveis, tendo em vista os problemas que apresenta, principalmente na solução dos processos. Devemos procurar, dentro do Conselho Nacional de Justiça, não só a apuração de delitos éticos, delitos que podem vir a ser cometidos por magistrados. Devemos, antes de mais nada, procurar dar celeridade ao processo através do auxílio da tecnologia mais avançada e com uma administração mais eficiente da máquina judiciária.

P- E as invasões de propriedades rurais e prédios públicos por movimentos bem organizados. Como fica a lei nesse caso?
R- A lei, quando infringida, deve sempre responder com decisões rápidas por parte do Judiciário. Nós estamos dentro de um Estado Democrático de Direito, onde não se permite a anarquia e nem infringência das disposições legais. Nós temos muitos problemas sociais que devem ser resolvidos pelo poder público, mas não podemos permitir a infringência das normas. A Ordem tem no seu Estatuto o compromisso de preservar a lei e a Justiça e tem, também, procurado a justiça social. Mas nós não vamos procurar justiça social cometendo infrações. Seja que organização for, deve obedecer às disposições legais, as bases do Estado Democrático de Direito.

P- A Polícia Federal está atuando como nunca ocorreu no País, desbaratando quadrilhas, inclusive, por desvio de dinheiro público. A OAB detectou alguma arbitrariedade ou irregularidade nessas ações?
R- Inúmeras. Desde o primeiro dia do meu mandato, a OAB vem denunciando irregularidades ocorridas dentro das operações da Polícia Federal. A Polícia Federal deve investigar diuturnamente, deve procurar fazer o seu papel, pois é uma polícia que realmente tem muito a dar para a construção de uma base ética e moral para a sociedade brasileira. Mas essa base ética e moral é superada pelo ordenamento legal, sob pena de perdermos a segurança do respeito aos direitos civis, de rasgarmos as normas do Estado Democrático de Direito. Algumas irregularidades aconteceram e nós temos o receio de que o excesso na ação da PF acabe prejudicando a razão de suas investigações. A OAB é contrária a qualquer tipo de impunidade, a qualquer tipo de favorecimento, mas a Polícia Federal não está acima da lei, tem de agir dentro da lei, sem prejulgar aquele que está sob investigação. O cidadão não pode ser defenestrado de cara, ainda no início de um processo, porque o processo tem de ter seu seguimento regular. A investigação deve ser feita para formar a devida culpa dentro do processo. Portanto, nós entendemos que a Polícia Federal poderá melhorar, e muito, seu serviço à nação, desde que continue investigando com plenos poderes, porém dentro do arbítrio da lei. Tem também que respeitar as prerrogativas da advocacia, que é um direito do cidadão, não um direito do advogado, respeitando a integridade e a imagem das pessoas, não deixando que a pessoa seja condenada por antecipação, ainda na investigação policial.

P- O Ministério Público está atuando bem na apuração desses escândalos?
R- O Ministério Público, dentro deste quadro de exposição, vem trabalhando de forma bastante tranqüila. Acredito que o Ministério Público melhorou muito de uns tempos para cá. Está desempenhando a contento as suas funções.

P-E a violência no País? Há necessidade de maior rigor das autoridades ou as leis precisam ser reformadas?
R- As autoridades estão tendo rigor. As leis estão aí e atendem perfeitamente à necessidade social de combate à violência. O que é necessário é combatermos as causas dessa violência. Quando falamos em violência urbana ou violência rural, procuramos extirpar os efeitos deste fenômeno, que é a violência que grassa no Brasil, de Norte a Sul e em todas as camadas da população. No Rio de Janeiro, por exemplo, nós sabemos que as ocorrências muitas vezes não são investigadas por falta de material humano, de material científico, o que traz a impunidade. Outro viés que deve ser atacado é o problema social, a desigualdade social neste país. Não podemos chegar a ponto de darmos àquelas pessoas que convivem, principalmente no subúrbio das grandes cidades, a oportunidade de optarem pelo crime organizado contra uma sociedade desorganizada. E aí o governo federal tem muito a dar, muito a responder e tem muito a reformar neste país, para a diminuição da exclusão social, que é, em última análise, um dos grandes fatores do incremento da criminalidade nas cidades e no campo.

P- Na sua opinião, o que falta na reforma do Judiciário?
R- Falta a reforma processual, o que realmente interessa ao povo mais simples, ao povo mais humilde. O que interessa, no Judiciário, é o andamento do seu processo. O cidadão quer enxergar solução àquela questão que levou ao Judiciário, o que tem demorado anos e anos para acontecer. A reforma processual é premente e urgente. Outras mudanças devem ser empreendidas, é claro, mas são mudanças que podem ser alcançadas com mais tempo. Porém, a celeridade processual, que só será atingida com a reforma infraconstitucional, é urgente. Aliás, já passou do tempo de ocorrer.

P- Quais as novidades em curso na OAB em prol da população brasileira?
R- A OAB tem procurado trabalhar em dois rumos. De um, tentar, nessa minha gestão, conquistas inéditas. De outro, optamos por não sair um milímetro da posição histórica da Ordem, pela luta e consolidação da democracia, do Estado Democrático de Direito, pela luta em favor dos direitos civis e pela a bandeira ética que sempre imperou na Ordem. É por isso que nós, desde o primeiro dia, fomos nos afastando de parceiros antigos por perceber que os rumos já não eram mais simétricos. Assim é que a Ordem acabou por criticar muitas posições tomadas pelo governo federal. Como novidade, estreitamos ligações com os advogados da América Latina, da África e de países de língua portuguesa. No Brasil, estamos atentos ao problema do ensino jurídico e encetamos vários movimentos e campanhas. Em 15 de novembro de 2004, por exemplo, lançamos uma campanha em prol da República, sob a condução do jurista Fábio Konder Comparato e com a qual temos buscado uma participação maior do povo nos destinos do Brasil. Pedimos, ainda, uma legislação mais moderna e acessível para os institutos do plebiscito e da consulta popular, tudo para que o povo não passe o vexame de ver a nação sendo conduzida por representantes que muitas vezes desempenham uma cena nada agradável. Está aí o problema da corrupção, que impera em toda a nação.