Artigo: Morosidade judicial, uma questão de estado

quarta-feira, 03 de agosto de 2005 às 11:07

Brasília, 03/08/2005 – O artigo “Morosidade judicial, uma questão de estado” é de autoria do secretário-geral do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto:

"O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando do almoço fechado com empresários franceses, em sua última viagem a Paris, atacou os presentes com mais uma de suas famosas metáforas. Disse ele aos presentes: "Essa história de assinar papéis parece a Justiça brasileira. Não adianta ficar assinando papéis, colocando um sobre os outros, mas sem que se resolva nada". A morosidade do Poder Judiciário, neste caso, estava sendo comparada à ineficiência dos acordos internacionais sobre o meio ambiente.

Embora usando outras palavras, repetiu-se na França o raciocínio exposto pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em entrevista publicada no Jornal Estado de São Paulo no dia 29 de agosto de 2001. Criticando a legislação processual, por permitir "a interposição de recursos protelatórios numa escala sem paralelo em outros países", apontou que esta seria uma das maiores causas da morosidade do Poder Judiciário. E concluiu, com a sua experiência se sociólogo aposentado, que a morosidade da Justiça faz desaparecer a confiança do cidadão nas instituições e na vida em democracia, gerando a certeza da impunidade e a desmoralização das instituições.

Ambos estão corretos quando reconhecem os males causados pela morosidade do Judiciário, bem assim quando apontam a excessiva burocracia como sendo um dos vírus causador da grave doença. Mas erram quando transferem para terceiros o ônus da morosidade, invertendo as responsabilidades e esquecendo da parte que cabe ao próprio Executivo nesse "improdutivo latifúndio". É que o Estado, em todas as suas instâncias e órgãos, é o principal responsável pela burocracia e pela "interposição de recursos protelatórios numa escala sem paralelo em outros países".

É o Estado brasileiro o maior responsável pelo nascimento dos chamados "monstro jurídicos", gerando enormes quantias a consumir o erário, a exemplo do rombo do FGTS, da não-concessão do reajuste salarial dos militares e do recente prejuízo de doze bilhões por não ter reconhecido, em tempo, o direito dos aposentados. É o Estado quem, ao não pagar o seu débito no momento próprio e quando ainda era quase-inexistente ou diminuto, pune e despreza o cidadão, impedindo-o de gozar de direitos conquistados e reconhecidos em lei. É o Estado quem, impassível, assiste os cidadãos morrerem antes de gozar do direito conquistado, não raro por ter faltado o recurso financeiro subtraído pela ação protelatória.

Quem aumenta, portanto, o descrédito do Estado-juiz é o próprio Estado-executivo, estimulando a vingança-privada como forma de resolução dos conflitos. É ele, mais que qualquer outro, quem encarece, como reconhecido pelo Banco Mundial, o chamado Custo Brasil, pois a não-confiança na eficaz prestação jurisdicional reduz os investimentos, aumenta os juros e enfraquece as relações contratuais. É ele quem estimula a corrupção, vez que as dificuldades e a ineficiência criadas induzem o colhimento de "facilidades", como apontado em vários escândalos nacionais.

E não se diga que faltam instrumentos jurídicos para acabar definitivamente com esta nefasta prática de protelar os processos, se recusando, posteriormente, a pagar os débitos judicialmente. Além de determinar o cumprimento e pagamentos das decisões judiciais, como se esperar de todo devedor, pode o Executivo editar súmulas administrativas fixando os assuntos incontroversos em que não mais se admitirão recursos. O problema é que o Poder Executivo não utiliza do remédio político posto à sua faz a opção, editando raríssimas e secundárias súmulas administrativas, preferindo o descaso e a política de culpar terceiros pelo problema que deu causa.

O interessante, senão trágico, é que o Estado-juiz não apresenta qualquer reação, não raro estimulando a própria ação protelatória do Estado-executivo, sob a alegação de que se está defendendo o patrimônio público. E a omissão consciente é praticada mesmo quando constatado o abuso, se recusando o magistrado a punir aquele que deu causa à morosidade, desrespeitando o cidadão e fazendo letra morta a Constituição Federal. Aliás, nos tribunais se costuma dizer, parodiando uma máxima popular, que "no Poder Judiciário a União não faz força, fazem por ela".

É escrever em outras palavras, como na família do Estado Democrático de Direito o Estado-juiz é o único que tem a função de coibir os abusos do seu irmão Estado-executivo, o cidadão fica órfão na sua luta por uma Justiça mais célere e eficaz. A morosidade se torna óbvia quando o Estado-juiz se recusa a mostrar que o Estado-executivo não possui poderes ilimitados no processo, assim como não os tem o cidadão enquanto parte deste mesmo processo. E assim permanecerá enquanto os discursos substituírem as ações efetivas, enquanto o direito do cidadão não for uma questão de estado".