Artigo: Busca e apreensão, intimidades e prerrogativas da OAB
Brasília, 28/06/2005 - O artigo “Busca e apreensão, intimidade e prerrogativas da OAB” é de autoria do Procurador de Justiça e Ex Corregedor-Geral do Ministério Público de São Paulo, Carlos Henrique Mund :
“O crime é fenômeno cosmopolita e acompanha a evolução da sociedade, apresentando-se cada vez mais sofisticado, organizado e atuante. A intranqüilidade social, em verdade, não decorre de sensação abstrata, mas da percepção concreta do risco iminente e da impotência de reação. A lógica impõe aos operadores do sistema de segurança, Juízes, Promotores, Delegados e Advogados, responsabilidade e profissionalismo na promoção de respostas eficazes.
Para preservar a convivência plural e a prevalência dos direitos humanos, entretanto, é preciso resguardar as liberdades públicas (direitos individuais, coletivos, sociais e políticos), com respeito ao Estado Democrático de Direito. A contenção social estratificada e preconcebida, ultrapassada pelos anacronismos que encerra, coloca em risco a ordem democrática. É essencial o respeito ao princípio da oficialidade (repartição constitucional de competências políticas e administrativas), garantindo liberdade e justiça social.
Segurança como direito fundamental inserido na Constituição Federal transcende o campo restrito da segurança pública (ordem pública, incolumidade das pessoas e do patrimônio), para se completar com a segurança institucional (regime democrático) e segurança jurídica (ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada).
A complexidade e o respeito aos princípios democráticos exigem valoração progressiva e parâmetros condizentes, na adoção de políticas públicas e impõem limites às medidas restritivas de direitos previstas na Carta Magna cujos sistemas de freios e contra-pesos determinam constante e meticulosa análise. Essa referência diz respeito à imperiosa necessidade de motivação e justa causa para concessões judiciais de intervenções que restringem direitos e garantias.
Nos dias atuais, em virtude dos inúmeros mandados de busca e apreensão cumpridos em escritórios de advocacia, que se transformaram em manchetes nos meios de comunicação, surge a necessidade de profunda reflexão para que o instrumento de resguardo da ordem não se transforme em atentado à intimidade e à inviolabilidade do advogado no seu exercício profissional, gerando indevida e ilegítima repressão.
A motivação é essencial à ordem, para aclarar a justa causa, evidenciando a finalidade da diligência, sua absoluta imprescindibilidade e os limites de sua execução. Como se sabe, a apreensão de objetos e documentos somente é possível se forem úteis à elucidação dos fatos, se constituírem elementos do corpo de delito ou se eles próprios forem ilícitos, como estabelecido no Código de Processo Penal. Se a medida de busca e apreensão for em escritório de advocacia, onde se guardam coisas, papéis e documentos de clientes, a motivação é exigência ainda maior, para que a privacidade de terceiros seja protegida.
Em relação ao local de trabalho do advogado há também o impedimento absoluto à apreensão de qualquer documento pertencente ao seu constituinte suspeito ou acusado, salvo quando constituir elemento de corpo de delito. O dispositivo legal encerra prerrogativa própria da função, porque o Advogado é indispensável à administração da Justiça (art. 133, C.F.), equiparando-se, nesse mister, ao Membro do Ministério Público e ao próprio Juiz, dividindo com eles a responsabilidade pela parcela da soberania do Estado (atividade jurisdicional).
Não há como ser diferente. Se assim não fosse, haveria o comprometimento da própria sociedade, em especial dos que buscam no escritório de advocacia o reduto de sua defesa. A regra resguarda a amplitude dos direitos do constituinte, porque proporciona a análise de seus documentos e assegura a intimidade do próprio advogado e dos demais clientes.
O sigilo não tem por finalidade preservar um benefício ou estabelecer um privilégio ao profissional do direito. Visa, sobretudo, a garantia mínima para o adequado exercício da ampla defesa e da realização da Justiça.
A questão comporta também uma reflexão sobre a prerrogativa estabelecida no Estatuto da Advocacia que ao lado da inviolabilidade, como já mencionado, prevê a necessidade de acompanhamento de representante do OAB, dispositivo que, entretanto, teve a eficácia suspensa por força de liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal.
A expressão, importante observar, não contempla o conhecimento prévio e o contraditório, mas apenas prevê o acompanhamento de representante da OAB no cumprimento da ordem de busca e apreensão e nada obsta que, nesse momento, se dê ciência à OAB e facultada a presença de seu representante, garantindo a continuidade da atividade essencial à jurisdição e a amplitude de defesa, sem macular o sigilo inicial, imprescindível em intervenções dessa natureza".