Cezar Britto: "é preciso urgentemente passar o Brasil a limpo"

domingo, 19 de junho de 2005 às 07:25

Goiânia, 19/06/2005 - O secretário-geral do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Raimundo Cezar Britto Aragão, esteve em Goiás na última quinta-feira para lançar a Campanha em Defesa das Prerrogativas dos Advogados no interior do Estado. A cidade de Jataí foi escolhida para o lançamento oficial. Antes, porém, em Goiânia, Cezar Britto conversou com o Jornal Opção a respeito da campanha e da situação política do Brasil. Além disso, o secretário falou da importância de fiscalizar e fechar cursos de direito de baixa qualidade e se mostrou favorável à criação do Conselho Federal de Jornalismo. Cezar Britto é também advogado, assessor de sindicato de trabalhadores, ex-presidente da OAB/SE e representante de Sergipe na Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat).

P- Como é a Campanha em Defesa das Prerrogativas dos Advogados?
R- O Estatuto da OAB estabelece algumas prerrogativas que são tidas como direito do advogado — o direito de se falar com o preso, o direito de adentrar nos recintos judiciais e policiais para consultar processos, o direito de ser tratado com igualdade perante o Judiciário. São tidos como direitos dos advogados, mas na verdade a campanha quer demonstrar que são direitos do cidadão para que ele seja bem defendido, de se fazer ouvir perante o Ministério Público e perante o estado policial. O que queremos mostrar é que para os cidadãos, é direito, mas, para nós, é dever. Dever de defender bem e quem defende bem tem que ter garantias de igualdade de condições.

P- No interior, os advogados ainda têm mais dificuldades de obter respeito das instituições que nas capitais?
R- No interior do Brasil todo, eles sofrem com a ausência da informação, com a distância do poder central, que geralmente fica nas capitais e, por isso, precisa de uma atividade mais próxima da seccional. A Ordem tem feito esse trabalho em todo o Brasil, visitando o interior e mostrando que não há diferença entre o cidadão que mora nas pequenas cidades e o cidadão que vive nas capitais. Por isso, a campanha em Goiás tem lançamento em Jataí.

P- A OAB tem tido problemas com a Polícia Federal, que invadiu vários escritórios de advogados. Já houve uma conversa com a polícia sobre isso?
R- Para se combater um crime, não precisa cometer crimes. Pode-se muito bem coibir o abuso e a corrupção sem retirar da sociedade o direito de defesa. Nós estamos criticando veementemente a polícia e mostrando a ela que é preciso coibir o crime, e a OAB sempre foi uma aliada nesse sentido.

P - O que aconteceu em Cuiabá durante a Operação Curupira? É verdade que a imprensa teve acesso aos processos antes mesmo dos advogados de defesa?
R- É verdade. É isso que temos condenado. A posição da polícia em investigar não significa monopolização para o abuso. Quando não se permite o direito de defesa na sua plenitude, está impedindo que o cidadão comum se defenda da ação do Estado. Não estamos defendendo aqui a prática do crime, mas de que o ser humano, qualquer que seja, tenha direito à defesa. Lá em Cuiabá, realmente a imprensa tem conseguido mais informações sobre os casos que os advogados de defesa dos acusados. Isso é uma prática que não podemos admitir, porque ela pode levar para um problema sério, que é o autoritarismo.

P- Como o senhor analisa a crise pela qual o governo federal vem passando, incluindo os trabalhos da CPI? Qual é a posição da OAB?
R - O Brasil precisa, urgentemente, ser passado cada vez mais a limpo mesmo. Ficamos preocupados com essas denúncias de corrupção. Vemos isso com tristeza, mas ao mesmo tempo, compreendemos que as estruturas democráticas estão funcionando. A imprensa, inclusive, funciona livremente cobrindo os acontecimentos e levando informação à população. O governo prometeu cortar na própria carne caso descubra a participação dos seus nesses atos de corrupção, e o Congresso Nacional promete apurar tudo via CPI. As instituições estão funcionando e não se está tendo um abalo político mais forte com reflexo na própria economia. Então, acho que o Brasil já chegou a sua maturidade. No entanto, para que ele efetivamente cresça, é preciso que se puna mesmo. A Ordem está vigilante, na sua preocupação, defendendo que não se pode deixar de resolver esse problema grave, que pode ter uma solução, além da punição: a Reforma Política. É preciso salientar que só a punição não basta, é necessário reformar para que não se tenha mais atos de corrupção.

P- E quanto aos cursos de direito. O Ministério da Educação (MEC), juntamente com a OAB, tem o interesse de fechar alguns cursos que não têm a qualidade exigida pela Ordem. A fiscalização já começou?
R- A OAB há muito tempo tem denunciado a péssima qualidade do ensino jurídico no Brasil, que tem desaguado no alto índice de reprovação dos estudantes, não só no exame de Ordem, mas nos concursos públicos. Percebe-se que os estudantes foram vítimas da mercantilização do ensino jurídico. Mercantilizou-se o sonho de prosperidade, de melhoria de vida do estudante. Mas a OAB saiu um pouco do discurso da denúncia para ir à prática. Nós participamos de um grupo de trabalho — OAB, MEC, Ministério da Justiça — em que se apontou novos caminhos para a criação do curso de direito. Nós apontamos novos parâmetros e apresentamos ao ministro no dia 31 de março. Ele, por sua vez, está trabalhando nesses parâmetros para que eles sejam oficiais. Alguns deles são a qualidade do corpo jurídico, ter um corpo jurídico permanente, manter um determinado número de estudantes em sala de aula, estrutura física etc. Nós procuramos critérios corretos para que se tenha um ensino de qualidade. O ministro se comprometeu — e já baixou portaria a respeito disso — que faria fiscalização nas faculdades que não são bem qualificadas. A OAB indicará até representantes. Já fizemos o levantamento e comunicamos às seccionais. Elas já estão, inclusive, apurando dados para que possam ser avaliadas e fiscalizadas essas instituições que mercantilizam o sonho dos estudantes.

P- E como ficam os estudantes nessa história? Se um curso for fechado, o que fazem os que já estão matriculados?
R - Eles podem tanto processar aquela instituição que os vitimou como, dentro do possível, tentar transferência para outra faculdade, mantendo seus créditos. O que não pode permanecer é a situação atual, porque o curso de direito forma apenas o bacharel. Para que ele possa exercer a profissão, precisa submeter-se a alguma avaliação e seleção, seja o exame da Ordem ou os concursos. Quando não passa, o estudante vai perceber que todo o seu esforço foi inútil. É necessário evitar esse uso perverso da educação para a obtenção de lucro fácil. Tanto é assim, que a OAB já sinalizou com um programa que completa seis anos, que é o OAB Recomenda. Recomendamos ao estudante as instituições que oferecem um bom curso, justamente para evitar esse prejuízo no futuro.

P- Aqui em Goiás, o sr. tem conhecimento de algum curso que pode ser fechado?
P - Já pedimos ao presidente da OAB em Goiás que levantasse a questão do ensino jurídico no Estado. Ele está fazendo esse levantamento e, assim que o concluir, pediremos a fiscalização de algumas instituições. Mas, aqui em Goiás, todos sabem que a qualidade em algumas universidades tem ficado muito clara no próprio concurso da magistratura, que sequer conseguiu o número necessário de profissionais. As 47 vagas oferecidas não foram preenchidas. É um exemplo típico da falência do ensino jurídico.

P- O senhor era favorável à criação do Conselho Federal de Jornalismo. Por quais motivos? Por que ele não foi aprovado na sua opinião?
R- Eu era e sou favorável, por vários motivos, a começar pela liberdade de expressão. Ela é fundamental para a democracia e, por isso, é preciso proteger o profissional que com ela trabalha. O Conselho Federal de Jornalismo foi concebido como um órgão de defesa do profissional e não o contrário, como um órgão de punição do profissional. Na minha opinião, esse foi o maior equívoco desta proposta. Ela foi apresentada num momento em que a imprensa exigia algumas reparações do governo federal. Pensou-se, então, em criar o conselho para punir algumas ações da imprensa. A função não era punir, era prevenir. Punição tem a sociedade hoje com o monopólio, com a verdade única apresentada pelos grandes veículos de comunicação, que exploram os jornalistas. É por isso que o conselho tem que ser compreendido como um órgão de proteção, porque, sem ele, permite-se fazer como até há pouco — qualquer pessoa pode ser jornalista, com amparo até de uma liminar dada por uma juíza de São Paulo. Deve haver a compreensão de que o conselho serve para defender e não para punir ou castrar a liberdade de expressão. Tanto é que a Ordem dos Advogados do Brasil tem um conselho e ninguém ousa dizer que a Ordem é subserviente ou não serve para defender a liberdade do cidadão.