Lôbo: "Não vou para Conselho para agradar a ninguém"

domingo, 08 de maio de 2005 às 11:37

Maceió, 08/05/2005 - Depois de vinte anos lutando pela criação de um mecanismo de controle externo do Poder Judiciário, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) elegeu no dia 01 de maio, os seus dois representantes no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Um deles é o advogado alagoano Paulo Lôbo, de 54 anos, que junto com os outros 14 membros do CNJ terá a missão de fiscalizar a atuação de juízes e investigar eventuais denúncias de irregularidades em tribunais. Nos próximos quinze dias, ele deverá ser sabatinado pelo Senado Federal e, posteriormente, nomeado para o cargo pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A expectativa é de que até o dia 3 de junho o Conselho esteja funcionando. Estará em vigor algo que foi fruto de intensa batalha política durante anos, com resultados imprevisíveis. Ainda sob o impacto da eleição e sem saber se passará a morar em Brasília e qual será o valor de sua remuneração, Lôbo recebeu a repórter Luiza Barreiros, da Gazeta de Alagoas, e falou durante mais de uma hora sobre o Conselho e suas expectativas para o trabalho pioneiro que ajudará a desenvolver, sem poupar a atual estrutura do Judiciário de críticas.

P- O Judiciário ficará melhor a partir da implantação do controle externo?
R- É uma expectativa da comunidade jurídica e de toda a sociedade, porque o Judiciário existe para o povo e não para si mesmo. Torná-lo mais transparente é uma das finalidades do CNJ e também é um desejo de juízes que se sentem incomodados com o distanciamento e até com uma desconfiança em relação ao Poder Judiciário, atestada em várias pesquisas.

P- O Conselho poderá garantir maior celeridade?
R- Há muito tempo me convenci de que a lentidão em um processo é o melhor caminho para a injustiça. O CNJ poderá contribuir para garantir a celeridade, estimulando e desenvolvendo ele próprio estudos na direção da desburocratização da administração da Justiça e da simplificação dos processos. Vários setores estão buscando solução no campo extra-judicial com a difusão cada vez maior da arbitragem, da conciliação e mediação. Sou favorável a essas alternativas, mas ao mesmo tempo quero o fortalecimento do Judiciário por ser aquele que pode solucionar conflitos de modo isento, imparcial e de pronto.

P- Como surgiu a idéia de compor o Conselho?
R- O Conselho Nacional de Justiça é uma luta antiga da OAB. Em 1984 a Ordem patrocinou vários congressos pré-constituinte e já nesse período, afluía um forte desejo de se pensar um mecanismo de controle do Judiciário que contasse com a participação popular. Em 1997, a OAB construiu o modelo que seria de uma composição paritária, com um terço de juízes, um terço de advogados e um terço de promotores de Justiça. Todavia, a pressão e a resistência do Poder Judiciário praticamente inviabilizaram essa participação, com ameaças de inconstitucionalidade caso viesse a passar. E afinal terminou havendo esse modelo.

P- Ele é o ideal?
R- Não, já que dos 15 membros, nove são magistrados e seis externos. Desses, dois são advogados eleitos pela OAB, dois membros do Ministério Público escolhidos pelo procurador-geral da República e um representante indicado pelo Senado e outro pela Câmara. Apesar disso, independentemente do número, os representantes da OAB têm atrás de si a legitimidade de uma instituição grandiosa. Nós temos uma estrutura capilarmente distribuída pelo País, 500 mil advogados espalhados por todo o Brasil e a instituição desfrutando de uma respeitabilidade grande. Isso compensa. A nossa representação não pode ser contada de modo unipessoal, mas deve ser vista de forma institucional.

P- O senhor já parou para avaliar o peso da sua responsabilidade ?
R- É uma responsabilidade enorme, mas encaro a nossa eleição como uma missão da OAB. Estaremos lá não exercendo simplesmente um cargo, mas atuando como delegados da OAB e portanto com os canais abertos para receber sugestões, indicações, representações que venham não só da OAB, mas de toda a sociedade.

P- Como ter certeza de que, mesmo com a maioria de magistrados, o CNJ fará o controle do Judiciário?
R- O Conselho ainda está cercado de dúvidas e de ceticismos. Isso é natural, já que o Brasil está iniciando essa experiência agora. Mas um fato é alvissareiro em relação à efetividade do Conselho. Cada Estado terá uma Ouvidoria, sob a responsabilidade da União, que receberá reclamações contra desvios de conduta dos juízes ou dos tribunais, feitas não só pelos profissionais do Direito, mas pela população.

P- Por que o controle das Corregedorias de Justiça se tornou ineficaz ?
R- Por conta de um forte espírito corporativista. São os próprios juízes julgando seus pares. É muito difícil na relação de proximidade e coleguismo, funcionar com o rigor que se espera.

P- O que despertará maior reação no Judiciário: o controle disciplinar dos juízes ou a fiscalização da administração financeira e orçamentária dos tribunais?
R- Acho que as duas coisas. Mas talvez haja uma apreensão compreensível com relação ao poder disciplinar. Ele não será primário no Conselho, mas poderemos avocar processos disciplinares que estejam tramitando nas corregedorias, se a parte não está satisfeita ou se houver lentidão na apuração. Com relação à gestão administrativa, o fato de ser um bom juiz não garante ser um bom administrador. De duas uma: ou os tribunais passam a ter uma gestão profissional, ou os juízes que demonstrarem tendências para gestão pública terão que ser treinados para melhor gerir os recursos públicos.

P- O Conselho fiscalizará as promoções de juízes na carreira?
R- O Conselho vai ter poder para fiscalizar, acompanhar as promoções e os acessos ao Poder Judiciário através de concurso. O único ponto que o Conselho não tem competência é a atividade fim do juiz. Ou seja: ele é livre e independente para julgar de acordo com o seu convencimento. Mas essa independência é comprometida quando o acesso na carreira não se dá a partir de dados objetivos. Quando as relações são afetivas e com aparência de imparcialidade, o juiz perde a sua independência. A promoção deve ocorrer por critérios meramente objetivos, através de pontos publicados no Diário Oficial. Não devem depender das relações de afetividade com quem vai decidir.

P- O senhor defende o fim do nepotismo nos poderes?
R- Eu diria que é fundamental. O Poder Judiciário tem essa tendência de se valer de parentes sob o argumento rançoso de que parente é também competente. Se é competente então vá fazer concurso. Eu creio que o fim do nepotismo é um passo decisivo para a moralização do Judiciário. A gestão do Poder Judiciário tem que se encaminhar para ser profissionalizada e isso passa pela seleção por mérito.

P- Há uma descrença em relação à seriedade dos concursos para a magistratura?
R- Há um desalento e desencanto de alunos meus que dizem ‘professor eu não quero ser juiz’. E dizem que sentem isso porque lá é tudo carta marcada e que se não houver relação de parentesco com desembargador e juiz não passa.

P- Qual o modelo do concurso público sério?
R- O modelo ideal, ao meu modo de ver, é que tenha organização objetiva e por instituição externa ao Poder Judiciário em todas as fases do concurso. E eu falo isso de cadeira. Quando eu fui procurador-geral do Estado me bati para implementar um concurso em que não houvesse interferência nenhuma nossa e por isso esse concurso até hoje é louvado no Estado pela seriedade com que foi realizado.

P- O que o CNJ poderá fazer em relação a isso?
R- O Conselho pode estimular os Tribunais a adotarem essa prática, mas o ideal é que não seja facultativo. Tem que ser mesmo impositivo. E é para o benefício do Poder Judiciário, da crença dos jovens e da população de que aquilo vai ser uma coisa séria e de que vão ser selecionados os melhores pelo mérito. Estou convencido de que juiz não foi treinado para administrar gestão nem para avaliar e selecionar. Isso é tarefa própria de quem é treinado como professor. Ele pode ser o jurista mais talentoso do mundo, mas às vezes não sabe elaborar uma questão e saber aferir o conhecimento.

P- Integrar um Conselho que fiscalizará os juízes, prejudicará o desempenho de sua função como advogado?
R - Eu não vou estar lá no Conselho para ser agradável a ninguém. Eu estarei lá para atender os princípios que eu sempre lutei e chegar mais próximo possível daquilo que eu entendo como o ideal para uma boa administração da Justiça. Estou preparadíssimo para isso.

P- Há incompatibilidade legal com a carreira de advogado?
R - Há uma dúvida em relação a isso, porque a emenda em sua redação originária explicitava o impedimento para advogar. Depois, numa redação final, não saiu. Mas a interpretação que eu faço é que há incompatibilidade mesmo.

P- Quando o senhor deixar o Conselho, daqui a dois anos, ninguém vai querer contratar um advogado que não é bem visto pelos juízes...
R- Eu tenho fé em que prevaleça a integridade e a dignidade da magistratura, que eu acredito que se seja majoritária. No caso da magistratura, como a repercussão é muito grande, a impressão que se dá é que o conjunto está apodrecido. Minha esperança é de que passe a predominar na magistratura, a médio e longo prazo, a independência e altivez, sem soberba e arrogância. Isso é um vezo terrível dos magistrados, a soberba que vulgarmente se chama de ‘juizite’.

P- A punição administrativa máxima para um juiz corrupto é a aposentadoria remunerada. Não é muito mais um prêmio que um castigo?
R- Sobre isso, haveria uma necessidade de alteração da própria Constituição Federal. A emenda da reforma do Judiciário manteve a punição com aposentadoria proporcional. Uma sanção como essa só interessaria para uma pessoa que quisesse preservar sua dignidade. Mas uma pessoa que chega a esse ponto, pouco importa que tenha sido aposentado compulsoriamente. Para ele não faz diferença em ser apontado como juiz desonesto e que por isso teve a aposentadoria antecipada. Vai continuar a vida dele porque não há nenhuma referência moral. Mas dependendo do crime cometido, o caso será informado ao Ministério Público que poderá propor uma ação penal contra o juiz e a depender da pena, perde o cargo.

P- Não é frustrante para quem vai julgar?
R- Como cidadão acho acintoso. Pode até ser estimulante para ele uma aposentadoria proporcional. Nunca vi isso com simpatia e, quem sabe um dia, alguém de bom senso vai apresentar ao Congresso uma emenda para retirar isso. Mas a própria reforma do Judiciário manteve isso. Como julgador vou ter que cumprir a Constituição, mesmo deplorando que o resultado seja esse.

P- Como se posicionará em denúncias que venham a envolver o Judiciário alagoano ?
R- Estarei num Conselho Nacional de Justiça. Não representando Alagoas. Estou representando o Conselho Federal da OAB e portanto não tenho limitação nem de caráter ético, legal ou afetivo. Cumprirei minha tarefa com o mesmo rigor, venha de onde vier, inclusive de Alagoas. Meu comportamento será sereno, equilibrado, mas muito determinado.