Leia o discurso de Approbato sobre globalização
Brasília, 24/10/2001 - Leia, na íntegra, o pronunciamento do presidente nacional da OAB, Rubens Approbato Machado, na abertura do seminário Brasil Século XXI - O Direito na era da globalização.
“Vi todas as nações do mundo reunidas, e aprendi a não me envergonhar da minha. Medindo de perto os grandes e os fortes, achei-os menores e mais fracos do que a Justiça e o Direito”, Ruy Barbosa
A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, na abertura do evento “BRASIL SÉCULO XXI – O Direito na era da globalização – Mercosul, Alca e União Européia” deseja registrar, desde logo, a sua imensa honra em poder receber, em sua nova casa, a presença ilustre do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, que, ao longo de sua vida pública, com aberto espírito democrático, vem buscando caminhos para a inserção do Brasil no concerto das Nações mais avançadas do Mundo.
A OAB, por imperativos constitucionais e legais, além de seus objetivos de defesa, representação e disciplina dos advogados, incorpora finalidades institucionais expressas, quais sejam, as de defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas. Em razão de sua histórica e tradicional missão em defesa permanente e corajosa de tais preceitos é que a OAB não mantém e nem pode manter qualquer vínculo funcional ou hierárquico com órgãos da Administração Pública.
Sua ação crítica se projeta para o bem comum, o bem estar coletivo, a harmonia e a paz social, que é o mesmo objetivo governamental. Por essa concepção construtiva, perante a sociedade brasileira, a OAB se legitima para tecer críticas, nunca de caráter pessoal ou político-partidário, quando se fizerem necessárias, o que é próprio de um regime democrático. Em função dessas resumidas razões, a ORDEM se, de um lado, faz críticas, de outro aplaude as ações governamentais e a elas adere, sempre que o objetivo se revele capaz de produzir o crescimento econômico e social da nação brasileira.
Com esse escopo, a OAB se alia à ação governamental na discussão de tema tão importante para o Brasil, que é a “globalização das economias”.
Em recente manifestação que, em nome da advocacia brasileira, fiz no 45º Congresso da União Internacional dos Advogados, realizado em Turim, na Itália, (reproduzida, integralmente, no jornal “OAB Nacional”, ano XII, n. 94, setembro/2.001, págs.10/11), após apontar as disparidades econômicas entre os Países, foi, por mim, ressaltado que “não houve e nem parece haver qualquer preocupação em preservar interesses essenciais da nação. Países europeus, perfeitamente integrados à globalização, estabeleceram critérios dualísticos para aderir, buscando evitar traumas para a população e o sistema produtivo. Entre nós, em face de nossas fragilidades sociais e econômicas, essa gradualidade é ainda mais imperativa. Mas inexiste” e foi sublinhado que “fomos inseridos sem qualquer critério ou cuidado no processo de globalização. A rigor não nos globalizamos: fomos globalizados”. Trouxe, naquela oportunidade, à colação, o pensamento do Presidente Fernando Henrique Cardoso, ao qual aderi, desde logo, quando a respeito do tema se manifestou dizendo ter sido criada “uma economia mundial sem que surgissem paralelamente mecanismos satisfatórios de governança, para não falar de mecanismos de governo”. E, com a adequada apreciação conceituou que “existe um déficit de democracia, um déficit de cidadania planetária. Cada vez mais, a vida de todos nós é afetada por eventos globalizados, mas os instrumentos de participação ou mesmo de deliberação no plano global ainda são insuficientes, para não dizer inexistentes. Esse descompasso cria a percepção de que, na globalização, o mercado é tudo e o cidadão é nada”.
Em suma, a globalização e interpenetração das economias contemporâneas só terão sentido quando se puser a serviço da valorização do homem, implicando, assim, na globalização dos processos decisórios, da co-participação das Nações nas estratégias mundiais de desenvolvimento. Globalizar problemas, sem globalizar soluções, parece-nos uma equação perversa.
Sintonizados com esse ideário, entendemos que a globalização das economias impõe a integração de pessoas buscando um objetivo comum. Desse modo, ainda que com visões diferentes, todos devem participar da construção de países mais fortes, mais solidários e internacionalmente competitivos.
Impõe-se a criação, em âmbito internacional, de uma cultura de abertura dos mercados, voltada para o objetivo de melhorar a qualidade dos produtos e serviços oferecidos aos cidadãos, respeitada a soberania de cada país. Não se pode, contudo, sob a proteção do estatuto da soberania, aceitar, passivamente, a constatação de que os países desenvolvidos, líderes do processo de globalização econômica, não pratiquem as chamadas virtudes do livre comércio, criando, para si, ferramentas protecionistas, que acabam se tornando práticas abusivas, incapacitando a efetiva participação dos países periféricos e menos desenvolvidos nos benefícios globais.
De outra sorte, não se deve permitir que a abertura da economia imponha graves riscos, pela contaminação gerada por crises internacionais, pela ausência de competição leal e transparente entre os países, pela outorga de subsídios injustos e pelo abuso do poder econômico e político no cenário mundial.
Para o Brasil, em sua planificação de busca de competitividade global e para a sua adequada inserção na economia internacional, o fomento às exportações se torna vital. A legislação brasileira, nesse setor, deve se adequar aos modelos e técnicas do livre comércio, aprimorando-se um estatuto de direito privado internacional e a elaboração de um regimento básico aplicável ao comércio exterior, matérias essas que se inserem, naturalmente, na atividade do operador do direito, campo em que a OAB, pela capilaridade de sua atuação no âmbito nacional, em todas as suas esferas, pode colaborar com a ação governamental.
Além disso, outros instrumentos deverão adensar a pauta das discussões, como a modernização da legislação em geral, com a necessária reforma tributária, bem como o aprimoramento urgente do aparelho judiciário, os quais, certamente, deverão colaborar para a justiça social, o desenvolvimento econômico do Brasil e a captação de recursos externos de investimento.
Nesse terreno, os advogados brasileiros, diante das oportunidades e crescentes exigências de um mercado globalizado, têm o dever, até no interesse do seu desenvolvimento profissional, de se tornar competitivos em relação aos advogados estrangeiros. As Escolas de Advocacia regidas pela ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, tanto na esfera do Conselho Federal, quanto dos Conselhos Seccionais, podem e devem ampliar os cursos nessas áreas de conhecimento, além de promover eventos, no país e no exterior, da mesma grandeza do que ora se faz, inclusive em parceria com entidades do exterior, tal como a mantida com a HARVARD LAW SCHOOL ASSOCIATION DO BRASIL.
Sem qualquer conotação de xenofobia, a ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, ciente e consciente da globalização em curso, estabeleceu um moderno Provimento para que a prestação de serviços jurídicos por advogados de outros países possa ser realizada, mediante a sua inscrição nos quadros da OAB, na qualidade de consultores estrangeiros.
Eventos como este, Brasil Século XXI – O Direito na Era da Globalização, servem para o advogado brasileiro estar mais próximo das autoridades públicas encarregadas da formulação das políticas que irão influenciar a vida nacional nos próximos anos, contribuir para a tão desejada inserção do país no conjunto de países líderes do processo de globalização, além, evidentemente, do objetivo de colaborar com a preparação cultural do advogado.
A participação e o trabalho dos advogados brasileiros se mostram imprescindíveis no aprimoramento do comércio exterior. São esses operadores do direito os mais indicados, com capacidade intelectual e técnica, para unir as duas pontas da relação comercial, dando-lhe o necessário suporte jurídico, tanto no âmbito do cumprimento das normas legais, quanto no encaminhamento contratual adequado para os negócios, levando as partes a uma relação pacífica, que gera, por óbvio, o aprimoramento da democracia e da justiça social.
Convém ouvirmos, dentro da concepção pluralista de idéias que é uma das características da OAB, todos os segmentos e pensamentos, inclusive das autoridades governamentais, a fim de se poder fazer o encaminhamento de todas essas idéias e propostas à definição dos rumos a serem adotados pela nossa Entidade, sempre no interesse maior da cidadania brasileira.
Que este evento, pequena colaboração da OAB no esforço nacional para fortalecer a posição do país no cenário internacional, se transforme em uma grande alavanca para abrir as portas a uma justa, eficaz e distributiva globalização da economia, com a adequada e necessária participação do profissional da advocacia.
Bom trabalho a todos.
Obrigado.
Brasília, 24 de outubro de 2.001.
RUBENS APPROBATO MACHADO
Presidente Nacional da OAB.