Editorial: Receita e despesa
Brasília,10/02/2005 - O editorial "Receita e despesa" foi publicado na edição de hoje (10) do jornal O Globo:
"Por representar mais um aperto no torniquete tributário em torno de um já sufocado contribuinte, a MP 232 pode ser considerada um divisor de águas nas reais intenções do governo Lula diante do crucial problema da carga tributária. O discurso oficial tem sido favorável ao alívio tributário. Mas na prática, como se viu na revisão da Cofins, a ação do governo vai em sentido contrário. No mesmo sentido da MP 232, instrumento de verdadeira expropriação tributária contra profissionais liberais, pequenos empreendedores em geral, inclusive agricultores, além de empresas com ativos no exterior.
Se o Planalto forçar a aprovação na MP não haverá mais dúvidas de que o governo Lula segue a tradição de voracidade na cobrança de impostos já demonstrada por administrações petistas em algumas unidades da Federação.
É elogiável a decisão do Planalto de adiar a entrada em vigor de alguns itens da medida provisória, num gesto bem-vindo de abertura para negociações. Mas é preciso manter a pressão política contra a MP. Como fazem sindicatos de trabalhadores, entidades de representação do empresariado, a Ordem dos Advogados do Brasil e partidos da oposição.
A pressão é necessária porque o governo federal continua a ampliar os gastos públicos correntes não-financeiros de forma imprevidente. De maneira temerária, diante da realidade das contas públicas, o ciclo de crescimento econômico tem sido usado para sustentar uma política fiscal expansionista. É um erro.
A aceleração pouco cuidadosa do Bolsa Família, o reajuste real (acima da inflação) do salário-mínimo com reflexos óbvios da Previdência, a contratação de servidores públicos, isso e outros desregramentos fazem as despesas primárias da União — exceto juros da dívida — dispararem. No ano passado, elas já cresceram 9% a mais que a inflação.
Para financiar uma despesa crescente só com aumento de impostos e/ou mais dívidas. E assim o governo atira no próprio pé: desestimula o empresariado a investir e impede reduções significativas da taxa de juros. O debate em torno da MP precisa contemplar o uso que o governo tem feito do dinheiro do contribuinte".