Editorial: Reinventar o governo

terça-feira, 01 de fevereiro de 2005 às 07:24

Brasília, 01/02/2005 – O editorial “Reinventar o governo” foi publicado na edição de hoje (1º) do jornal Gazeta do Povo (PR):

“Rendendo-se ao bom senso e em resposta aos protestos gerais, o governo acaba de adiar a vigência da nova carga tributária imposta pela MP n.º 232, que am-pliou a incidência de encargos sobre empresas prestadoras de serviços e impôs recolhimento de Imposto de Renda sobre a venda de produtos rurais. Agora cabe esperar igual manifestação quanto à alta básica dos juros, que pode travar a recuperação econômica via bloqueio de novos investimentos e desequilibrar a balança comercial ante o crescimento das importações na esteira do real sobrevalorizado.

No caso da Medida Provisória n.º 232, ao atingir setores da classe um dos fundamentos do chamado Estado Democrático de Direito é que nenhum tributo pode ser imposto sem aprovação prévia do corpo de representantes do povo que vai suportá-lo média urbana e rural com a majoração das alíquotas sobre prestadores de serviços e criação de obrigação tributária adicional sobre ruralistas, o governo despertou uma reação coordenada raramente observada no país. Até sexta-feira quatro ações haviam sido apresentadas na Justiça, por partidos políticos, entidades empresariais e outros, impugnando a constitucionalidade do expediente de impor tributos via MPs. A Ordem dos Advogados do Brasil se postou contra a solução adotada pelo governo, criando uma comissão integrada pelo respeitado jurista Ives Gandra da Silva Martins, que já requereu ao Ministério da Fazenda a exposição de motivos daquela majoração.

A providência da OAB procede, porque, segundo a técnica legislativa, todo projeto de lei deve ser amparado por sua respectiva justificativa e um dos fundamentos do chamado Estado Democrático de Direito é que nenhum tributo pode ser imposto sem aprovação prévia do corpo de representantes do povo que vai suportá-lo. A questão dos impostos, aliás, foi o principal motivo da revolta dos barões ingleses que levou à limitação do poder real através da Magna Carta, em 1215. Thomas Morus na Utopia, que inspira até hoje os grupos humanos, como se vê no pequeno editorial abaixo considerava a tributação sem lei uma prática medieval própria de povos bárbaros.

Antes dessa majoração a carga tributária no Brasil, situada em 37,7% do PIB, já era uma das mais altas do mundo; sensivelmente superior aos 29,6% dos Estados Unidos, ou 17,3% do Chile. Para os dirigentes fazendários, ela é necessária para assegurar o equilíbrio fiscal, ao lado dos juros básicos recentemente elevados para 18,25% e com viés de alta. Mas, além dos críticos internos, esse nível de juros despertou estranheza mesmo no Fórum Econômico de Davos, que reuniu as figuras exponenciais do sistema capitalista. Kenneth Rogoff e outros economistas de centros liberais questionaram a extensão do ajuste dessas taxas do Banco Central brasileiro, que no limite reprime o crescimento do Produto Interno a um nível inferior a 5%, gerando efeitos colaterais de risco, tal a valorização do real ante o dólar e desequilibrando a balança de exportações/importações.

Para alguns analistas, o problema gira em torno do custo do governo e do serviço de sua dívida, aspectos a enfrentar sem o radicalismo de moratórias ou desmontes, mas também sem a inação que pode repetir o encilhamento do início da República. A fórmula é reinventar o governo, proposta pelo americano David Osborne, que gerou as bases para o sucesso da presidência Clinton naquele país. No Brasil, Hélio Beltrão, ao aceitar o Ministério Extraordinário para a Desburocratização na fase de reabertura democrática, censurou o costume de "cada governo novo assumir convencido de que o que está faltando é um novo plano, uma nova concepção; e o que surge, na maioria dos casos, é a criação de um novo órgão, uma nova autarquia, uma nova empresa pública".

Em vez desse vezo ainda presente, a solução ensinava o ministro Beltrão reside "no trabalho humilde de dar continuidade aos esforços anteriores, em vez de querer descobrir a pólvora". Só procedendo com essa criatividade e firmeza, o governo brasileiro aproveitará a janela de oportunidades presente no cenário internacional, consolidando a retomada do crescimento, a geração de empregos e a melhoria do nível de vida da população”.