Editorial: Prática suspeita
Salvador,01/02/2005 - O editorial "Prática suspeita" foi publicado na edição de hoje (01) do jornal A Tarde, da Bahia:
"Tem idade a implicância do hoje presidente da República com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, por décadas, acatado como instituição de referência no País e na América Latina. O filme Entreatos, sobre os bastidores da última campanha presidencial, em exibição nos cinemas, mostra o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva pondo sob suspeita dados do IBGE sobre a fome.
A desconfiança se teria agravado com a recente pesquisa que mostra o Brasil como um país de obesos.
Mas o que parecia não passar de uma rusga adquiriu inesperadamente maior densidade, a partir da Portaria baixada pelo ministro interino do Planejamento, Nelson Machado, estabelecendo que os dados de pesquisas estruturais do IBGE lhe sejam entregues 48 horas antes da divulgação.
O aparente viés autoritário do ato permitiu que, logo, muitos nele vislumbrassem sinais de censura prévia, condenada até mesmo pelo presidente nacional do PT, ex-deputado José Genoino, que recomendou a imediata revisão da portaria pelo ministério de cujos desvãos estranhamente saíra. Mais incisivos, setores de oposição identificaram, na ação, iniciativa típica de regimes autoritários, vendo ali forma de abrir caminho à manipulação dos números oficiais.
No âmbito das instituições da sociedade civil, a reação mais enérgica vem de uma proeminência nacional: a Ordem dos Advogados do Brasil. “O IBGE é um instituto de estatística e não de propaganda do governo”, alertou o seu presidente, Roberto Busato. A atitude açodada e obscura de um alto funcionário do governo, pondo em dúvida a função específica e a integridade do trabalho do IBGE, fez com que desnecessariamente se instalasse a controvérsia.
O ministro tampão, que assinou a portaria, se apressa em reconhecer a credibilidade do IBGE. Afirma que seu arrazoado burocrático visa adequar as regras das pesquisas estruturais às das conjunturais (questões de atualidade). Lembra que os levantamentos conjunturais devem ser submetidos ao crivo do Ministério do Planejamento antes de sua divulgação ao público, por conterem dados que podem afetar o mercado de ações e as taxas de juros, por exemplo.
Nota conjunta do Ministério do Planejamento e do IBGE, divulgada ontem, tenta afastar suspeitas de que ganharam terreno, desde que saiu a portaria no Diário Oficial da União. Nela está dito que “visa organizar o fluxo de informações”, sem alterar as relações que o IBGE vem mantendo com a imprensa há anos, “no que se refere às pesquisas estruturais”. Suspeitas à parte, espera-se que as palavras do comunicado pelo menos sirvam para desfazer ânimos e práticas que em nada engrandecem o governo quanto mais a democracia".