Busato não vê sentido em sigilo para arquivos da ditadura

segunda-feira, 06 de dezembro de 2004 às 07:01

Brasília, 06/12/2004 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, afirmou hoje (06) que não existe sentido em manter em sigilo os documentos e informações relacionados ao período da ditadura, uma vez que os crimes cometidos àquela época estão prescritos e sua divulgação não abalaria mais o Estado Democrático de Direito. “Acredito que esses arquivos devam ser abertos até mesmo como um caráter didático, para que nunca mais voltemos a enfrentar um período discricionário, um período duro, de exceção, que não ilustrou a história da República brasileira”.

A afirmação foi dada por Busato durante entrevista concedida à Rádio CBN na reunião plenária do Conselho Federal da OAB, em Brasília. Na entrevista, o presidente da OAB afirma que a divulgação desses arquivos coaduna com aquilo que está previsto da Constituição Federal - que o poder tem que ser transparente e seus atos, publicizados.

“Afinal de contas, os fatos foram públicos, os atos perpetrados foram contrários aos direitos humanos e direitos humanos são fundamentas, interessam a toda a sociedade brasileira”, afirmou Busato, acrescentando que a divulgação de fatos considerados sigilosos não seria um desrespeito à intimidade das pessoas que se viram envolvidas em episódios relacionados ao regime militar.

Veja, a seguir, a íntegra da entrevista concedida pelo presidente nacional da OAB:

P - Essa discussão em torno da abertura dos arquivos se intensifica a cada dia e hoje teremos uma importante discussão no TRF, relacionada a essa abertura. Como o senhor avalia isso, como impacto para a história do Brasil?
R - Eu defendo essa abertura de documentos e não se trata de nenhum revanchismo, mas até pelo aspecto didático, já que os crimes cometidos naquela ocasião estão prescritos e existe a Lei de Anistia. Acredito que esses arquivos devam ser abertos até mesmo como um caráter didático, para que nunca mais voltemos a enfrentar um período discricionário, um período duro, de exceção, que não ilustrou a história da República brasileira.

P - Faz sentido um cuidado especial, e até mesmo o sigilo, em ações que ainda estão em curso. A Guerrilha do Araguaia, por exemplo, já não está mais em curso há bastante tempo. De que forma a divulgação desses fatos acaba sendo um desrespeito àquilo que determina a Constituição?
R - Não entendo que seria um desrespeito à intimidade das pessoas que se viram envolvidas nisso. Afinal de contas, os fatos foram públicos, os atos perpetrados foram contra os direitos humanos e os direitos humanos são fundamentas, interessam a toda a sociedade brasileira. Portanto, não vejo a possibilidade de infringir-se a intimidade das pessoas que se viram envolvidas naquele triste episódio.

P - O decreto que prevê a existência de sigilo em documentos por 50 anos e que agora está em discussão não estaria indo, de alguma forma, contra o que prega a Constituição, que é a publicidade dos atos dos poderes?
R - Exatamente. O poder tem que ser transparente e seus atos, publicizados. É isso que defendemos. Não é possível que atos de poder fiquem escondidos, guardados apenas para aqueles que dirigem o país. Nós da OAB lançamos recentemente a Campanha em Defesa da República e da Democracia e a República é feita para o povo, para o público, envolve a “coisa pública”. As coisas dessa República devem ter o caráter de publicização, como, aliás, determina a Constituição Brasileira.

P - Isso porque o sigilo só faz sentido em ações que ainda estão em andamento, não? Para coisas passadas esse sigilo não vai mudar a rota de nada...
R - Exatamente. O sigilo existe para dar maior segurança jurídica a uma determinada atuação de um órgão jurisdicional, um órgão policial. Então, o sigilo é uma exceção, deve ser sempre compreendido como uma exceção. A publicização é e deve ser o ato normal das coisas e dos assuntos do governo em tudo aquilo que interessa à sociedade brasileira.

P - Em outros países, documentos relativos a questões até mesmo mais graves seguem um sistema de publicização mais avançado que no Brasil. As buscas e as interferências da CIA no passado, por exemplo, foram publicizadas. Isso deveria ser repetido pelo Brasil?
R - É nessa tônica que a sociedade está questionando a existência desse sigilo. Nós estamos pedindo exatamente que se abram esses segredos, que já não terão a repercussão de abalar o Estado Democrático de Direito, por estarem já consolidados. Portanto, essa abertura de documentos considerados sigilosos não causaria risco nenhum à estabilidade civil do Brasil.