Artigo: A reforma continua...

segunda-feira, 20 de agosto de 2001 às 09:56

por Marcelo Ribeiro

Elaborado em 1916, anacrônico em diversas passagens, o Código Civil ressurge com novo texto, pretensamente moderno, despertando a curiosidade da imprensa, especialmente para as questões do Direito de Família, aí incluída a relação conjugal. Afinal, o que acontece quando o marido descobre que sua mulher foi deflorada antes do casamento?

Realmente, o novo código tem méritos. Promoveu uma renovação da antiga lei, feita quando os costumes eram outros. Muitas das alterações, contudo, não representam novidade. A equiparação dos filhos ditos ilegítimos aos nascidos do casamento é obra da Constituição de 1988. Quanto à supremacia do homem na relação conjugal, que lhe atribuía a “chefia” desta (art. 233 do atual código), também a Constituição tratou de corrigir, ao estabelecer que os “direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher” (art. 226, § 5º).

Ao lado de adaptar, o novo texto introduziu, é certo, verdadeiras alterações no ordenamento. É digna de aplauso, por exemplo, a que permite, mediante autorização judicial, a alteração, pelos cônjuges, do regime de bens inicialmente pactuado. Isso dá maior dinamismo à relação conjugal, possibilitando aos cônjuges adequar o casamento às suas necessidades. Desperta, também, a atenção a nova situação da viúva na sucessão hereditária.

Não se pode, contudo, deixar de perceber que um projeto que tramitou por quase 30 anos apresenta imperfeições. Em muitas matérias, o que era vanguardista, hoje é retrógrado, e nem mesmo o zelo do deputado Ricardo Fiúza, relator da matéria, seria suficiente para evitar isso. A Câmara dos Deputados, nessa última fase de tramitação, só podia votar as emendas que o projeto recebeu no Senado. Mesmo que quisesse, não lhe era dado alterar as partes do projeto que já haviam sido aprovadas nas duas Casas.

Daí, algumas imperfeições: pelo novo código, “o contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente” (artigos 1.417 e 1.418 que tratam da aquisição do imóvel). Melhor explicando: se alguém resolve adquirir um imóvel em construção, ou comprá-lo a prazo, utiliza, muitas vezes, o compromisso de compra e venda. Até há alguns anos, exigia-se, para que o adquirente de imóvel pudesse obrigar o promitente-vendedor a cumprir a promessa, que o contrato estivesse registrado no Registro de Imóveis. Não é de hoje, porém, que o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo não ser necessário esse registro, desse modo facilitando a vida de muitas pessoas – especialmente daquelas menos informadas, que raramente procuram registrar os contratos. Voltar, a essa altura, a exigir o registro, sem dúvida significa andar para trás.

Outros exemplos: o prazo prescricional para as ações que buscam reparação civil, que hoje é de 20 anos, é dramaticamente reduzido para três anos – o que é muito pouco. O novo código estatui, ainda, várias regras sobre prova – um tema, a rigor, processual, que deve ser tratado no Código de Processo Civil. E, na área da Família, não cuidou de temas atuais, como a inseminação artificial, a chamada “barriga de aluguel”, entre outros.

Neste curto espaço, seria impossível emitir um juízo geral sobre o assunto. Cabe, por fim, elogiar o prazo de dois anos estabelecido para a vigência do novo estatuto. Quem esperou quase três décadas, não se incomodará de esperar um pouco mais.

P.S.: a resposta do novo Código à questão posta no início deste artigo é simples: o marido terá de se conformar...

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Marcelo Ribeiro, 38, advogado em Brasília, é Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)