Cônsul do Brasil em Miami nega confissão de culpa de paraibano

terça-feira, 23 de novembro de 2004 às 08:05

Brasília, 23/11/2004 – O cônsul-geral do Brasil em Miami, embaixador João Almino, negou hoje (23) que já tenha sido tomada pelo paraibano Misael Mendonça Cabral a decisão de se declarar culpado da acusação de terrorismo a que responde nos Estados Unidos, como forma de agilizar seu retorno ao Brasil. Misael está detido em Miami desde 27 de outubro, quando ele e o amigo, Daniel Correia, foram presos no aeroporto ao mencionarem a existência de uma bomba em suas bagagens. Eles se referiam a uma bomba de sucção utilizada para a fabricação de pranchas de surfe, mas os dois foram confundidos com terroristas e agora respondem a processo criminal nos EUA.

“Essa informação não me foi transmitida por ele e nem a seu advogado de defesa. Esta é uma hipótese que certamente existe, mas não foi tomada nenhuma decisão com relação a isso”, garantiu o cônsul, que acompanha diariamente a situação dos brasileiros presos em Miami. A mãe de Daniel Correia, que mora nos Estados Unidos, pagou os US$ 5 mil estipulados pelo juiz de imigração como depósito para a concessão de liberdade vigiada e o filho responderá ao processo criminal em prisão domiciliar. Mas Misael não tem como arcar com os US$ 15 mil fixados pelo juiz para a liberdade vigiada e aguarda o julgamento na Penitenciária de Imigração de Miami.

Em entrevista, o embaixador garantiu que o episódio não mancha as relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos. Para ele, trata-se de um assunto consular. “Mesmo que sejam questões muito importantes para os indivíduos envolvidos e, eventualmente, para os consulados, são questões que não chegam a comprometer as relações propriamente ditas ou a levar atrito a essas relações”.

A seguir, a íntegra da entrevista concedida pelo cônsul-geral do Brasil em Miami:

P – Em que pé está o processo de imigração dos dois brasileiros?
R – Na primeira audiência do processo de imigração, o juiz aceitou que os dois respondessem às acusações em liberdade vigiada, mas solicitou que, para isso, fossem feitos dois depósitos. No caso de Daniel, o depósito já foi pago pela mãe e ele já está na residência dela. No caso de Misael, o depósito não foi pago, mas tudo isso é meio relativo. O fato dele aguardar o julgamento em uma residência ou na Penitenciária de Imigração não interfere no processo propriamente dito, pois a ação correrá independentemente do local em que estiver. A vantagem de estar em casa é, obviamente, o conforto que se tem e a maior tranqüilidade para lidar com o processo.

P – Pode-se dizer que os valores estipulados para a liberdade vigiada tenham sido um tipo de fiança?
R – Não se considera, neste caso, que a mãe do Daniel tenha pago uma fiança. Isso porque os dois brasileiros ainda não foram julgados, não foi fixada uma pena para eles. A Justiça de Imigração solicitou apenas um depósito em juízo que serve como garantia de que eles cumprirão todas as determinações judiciais e que comparecerão à Corte quando necessário. Houve, na verdade, uma assinatura da mãe de Daniel com a qual ela se comprometeu a pagar uma multa caso o filho não cumpra com o que foi determinado judicialmente ou, ainda, na hipótese de fuga.

P – As informações que a imprensa brasileira tem divulgado dão conta que Misael teria concordado em assinar uma confissão de culpa para poder retornar logo ao Brasil. Isso procede?
R – Essa informação não me foi transmitida por ele e nem a seu advogado de defesa. Esta é uma hipótese que certamente existe, mas não foi tomada nenhuma decisão em relação a isso. O que eu posso dizer é que há vários caminhos, mas são todas decisões de foro íntimo, que dependem dele mesmo mais do que de qualquer pessoa. A primeira opção de Misael é pagar esse depósito e responder ao processo principal em liberdade vigiada, enquanto aguarda o julgamento. Ele pode perseguir o objetivo de ser declarado inocente. Caso não seja, a pena pode variar de zero a seis meses. Esse processo, propriamente dito, não sabemos quanto pode demorar, mas pelas experiências anteriores e conforme avaliação dos advogados, o julgamento deve ocorrer em um ou dois meses. Existe também a possibilidade de um acordo oferecido pela Promotoria, acordo este que pode ser realizado estando o Misael na penitenciária ou em liberdade vigiada porque, repito, uma coisa não interfere na outra.

P – E como seria esse acordo?
R – O acordo oferecido pela Promotoria só seria viável caso Misael previamente se considere culpado. Tomando essa decisão, ele tem de ir perante a um juiz, que lhe fará uma série de perguntas. Por meio delas ficaria claro, absolutamente claro, que ele se considera culpado das acusações. Em seguida, ele talvez teria de assinar um termo, um documento, deixando essa confissão clara. Esse acordo deve prever um tipo de pena que, provavelmente, já teria sido cumprida, e, em seguida, viria a deportação. Nesse caso, eles estariam incriminados efetivamente, quer dizer, teriam reconhecido a culpabilidade com relação à acusação de crime.

P – E o que poderia acontecer nesse caso?
R – Como resultado final, provavelmente eles seriam deportados.

P – E eles não poderiam mais retornar aos Estados Unidos?
R – É verdade. Tendo reconhecido que cometeram um crime, se assim o fizerem, certamente não poderão mais voltar ao país.

P – Mas não teriam uma nova pena estipulada?
R – Não. Nós imaginamos que, caso venha a ser oferecido um acordo, deve estar prevista uma pena que já teria sido cumprida. Mas eu acrescento que essa não é uma coisa que se faz da noite para o dia. Ir a julgamento pode demorar um pouco, mas se optarem pelo acordo também haverá uma pequena demora. Quando a pessoa está em liberdade vigiada e opta por um acordo como como este, o processo geralmente é mais rápido, pois, basicamente, a pessoa tem que sair de casa para o aeroporto. Agora, se a pessoa está na Penitenciária de Imigração, que é o caso do Misael, tem, antes, que ser feita uma transferência para a penitenciária anterior e tem-se que anular a decisão do juiz que tratou do primeiro processo e concedeu a liberdade vigiada. Essa decisão do juiz precisa ser anulada para só a partir daí ser feito o acordo. Há um prosseguimento a ser seguido.

P – Como o senhor, que está acompanhando de perto a situação dos dois brasileiros, define este caso? Acredita que tenha sido uma brincadeira que acabou custando caro?
R – Eu não quero prejulgar e nem dar uma versão que seja minha no momento. O que eu posso dizer é que a prestação de falsa informação realmente viola normas do Código norte-americano. Portanto, o júri pode entender que tem elementos para incriminar os dois brasileiros. Caso tenha havido apenas um mal-entendido e não tenha havido, de fato, essa prestação de falsa informação, ou tenha ocorrido apenas uma dificuldade relacionada à língua, eles teriam uma boa chance de serem considerados inocentes. É importante dizer também que, até o momento, não há nenhum testemunho deles no processo judicial. A única coisa que houve na primeira audiência foi uma pergunta para saber se eles se consideravam inocentes ou culpados. E eles se consideram inocentes. A versão completa dos fatos perante os jurados, já no processo judicial, ainda não existe. Isso só vai acontecer quando o processo se iniciar, a partir da próxima audiência. No momento, o que temos é apenas a versão da acusação.

P – E qual é essa versão?
R – Na versão da acusação, um deles eles teria dito: “você já encontrou a bomba?” E o outro teria respondido: “cuidado, não abra a mala porque pode explodir”. Essa é a versão da promotoria. A versão deles ainda não foi ainda apresentada em juízo.

P – O senhor acredita que esse caso, em algum momento, pode interferir ou provocar algum inconveniente às relações entre Brasil e Estados Unidos?
R – Não. Eu entendo que este é um assunto consular. Mesmo que sejam questões muito importantes para os indivíduos envolvidos e, eventualmente, para os consulados, são questões que não chegam a comprometer as relações propriamente ditas ou a levar atrito a essas relações.