Editorial: Lei do Plebiscito

quarta-feira, 17 de novembro de 2004 às 11:43

Dourados (MS), 17/11/2004 - O editorial Lei do Plebiscito foi publicado na edição de hoje (17) do jornal O Progresso, de Mato Grosso do Sul:

"Numa nação plenamente democrática, os referendos populares e plebiscitos deveriam ser amplos, absolutos, irrestritos e, mais importante, propostos pela própria sociedade. O Brasil, que ainda engatinha pelos campos da democracia, tentou garantir esses direitos na Constituição Federal de 1988, mas brechas na interpretação da Lei acabaram impedindo que a sociedade participasse de forma mais efetiva tanto na propositura quanto na organização de plebiscitos ou referendos populares. Tanto, que em meio a tantos temas polêmicos e de interesse popular, a última vez que o povo foi chamado para decidir foi no plebiscito que confirmou o presidencialismo como forma de governo, como o parlamentarismo ficando em segundo lugar e a monarquia aparecendo como terceira opção.

Ora, um país tão problemático e com uma miscigenação tão profunda, deveria ouvir mais sua população. O povo deveria ter o direito, por exemplo, de decidir questões como a pena de morte; liberação ou regulamentação do aborto; redução de idade penal, a chamada imputabilidade; reformas tributária, política e judiciária; políticas públicas de segurança, transportes e assistência social, enfim, a sociedade deveria ter um poder maior de voto e de veto.

Preocupada com esta questão, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) lançou ontem uma campanha nacional pela mudança da lei do plebiscito e do referendo. O entendimento da OAB é didático: o artigo 14 da Constituição Federal deu instrumentos de manifestação da soberania popular, como sufrágio eleitoral, plebiscito, referendo e iniciativa popular legislativa, mas, na prática, o uso desses instrumentos são limitados pelo entendimento que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário fazem da Lei.

É preciso mudar a lei 9.709/98, que regulamentou o artigo constitucional e atribuiu ao Congresso Nacional a iniciativa de realização de plebiscitos e referendos. Ora, não deve caber ao Congresso a decisão de realização de plebiscitos ou referendos. Esta iniciativa deve ser inerente da sociedade, já que toda decisão importante recai sempre sobre a população. Oxalá, a Ordem dos Advogados do Brasil saia vitoriosa desta campanha que, na verdade, será uma vitória da sociedade brasileira.

A OAB - que nas últimas décadas tem sido uma das mais importantes guardiãs dos direitos civis - defende a convocação obrigatória de plebiscito para aprovação de matérias de alta relevância, como a alienação de recursos da nação e a legislação eleitoral. Além disto, a Ordem propõe que uma lei de iniciativa popular só possa ser revogada por outra lei que também tenham sido submetida ao referendo da sociedade. Nada mais justo, já que seria insensato levar milhões de pessoas às urnas para decidir sobre determinada questão e depois permitir que a vontade popular fosse alterada por decisão de poucos parlamentares, mesmo que eles detenham o título de representantes do povo.

Outro ponto altamente positivo é que a partir do momento que a sociedade ganhar poder para propor plebiscitos e referendos, o povo brasileiro deixará de exercer o papel passivo e passará a participar de forma ativa das decisões políticas.

Com isto, os poderes Legislativo e Executivo deixarão de concentrar tanto poder e passariam a compartilhar com a sociedade as decisões plurais, de interesse da Nação.

A proposta da OAB, contudo, não deve ser bem recebida pelo Executivo, que hoje concentra quase todas as decisões nacionais e, na maioria das questões, acaba atropelando funções que caberiam exclusivamente ao Legislativo. Basta atentar para o número exagerado de Medidas Provisórias (MPs) que são editadas pelo Palácio do Planalto, quando, na verdade, um simples projeto-de-lei aprovado pelo Congresso resolveria o problema. Resta saber, no entanto, se a sociedade brasileira está disposta a assumir as responsabilidades que os plebiscitos e referendos exigem".