Pinaud sai discordando do governo sobre arquivos da ditadura

segunda-feira, 15 de novembro de 2004 às 11:36

Rio de Janeiro (RJ), 15/11/2004 - O presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos da Presidência da República, João Luiz Duboc Pinaud, comunicou há pouco ao presidente nacional da OAB, Roberto Busato, sua decisão de renunciar ao cargo. Ele apresentará nos próximos dias ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em carta, as razões de seu pedido de demissão. Mas informou que sua decisão se deve basicamente à discordância com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos sobre a condução da política nessa área e na resistência que encontra do governo para abrir os arquivos sobre os mortos e desaparecidos na ditadura militar.

João Luiz Pinaud - que é membro da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e participou do lançamento da Campanha Nacional de Defesa da República e da Democracia promovida pela entidade - disse que amadureceu essa decisão nos últimos dias e está ouvindo alguns amigos para elaboração do texto final da sua carta. Segundo ele, o “fator desencadeante” da renúncia foi o episódio da divulgação das fotografias identificadas como de Vladimir Herzog. Imediatamente, Pinaud se pronunciou sobre o completo esclarecimento em torno daquelas fotos e da morte do jornalista, em outubro de 1975, nas dependências do Doi-Codi, em São Paulo. “Mas não senti ambiente favorável em nível ministerial a uma rigorosa apuração dos fatos”, afirmou ele.

Para ele, no episódio das fotografias, não houve qualquer revanchismo como chegou a afirmar uma ala do governo. “Ali havia, sim, lesão ao direito humano à memória, ao direito da sociedade brasileira à sua memória e a seu passado histórico; ninguém é dono do passado”. Todavia, segundo Pinaud, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos teve uma postura contrária, “de não tomar a dianteira e abrir os arquivos, como se manifestavam diversos segmentos da sociedade brasileira”.

O presidente demissionário da Comissão Especial dos Mortos e Desaparecidos Políticos criticou também a Secretaria Especial dos Direitos Humanos de tentar subordinar a Comissão, quando ele considera que ela é ligada diretamente à Presidência da República. Outro episódio que o faz apresentar a carta de demissão, segundo informou, é a resistência que encontrou no governo à sua posição favorável a uma medida judicial na Justiça Federal, provocada por procuradores, para ouvir testemunhas sobre as mortes e desaparecimentos políticos durante o regime militar.

“Acho que seria muito importante que se ouvissem os depoimentos de moradores do Araguaia sobre os fatos envolvendo a guerrilha do início dos anos 70, pois muitos deles têm muito a contar”, afirmou Pinaud. “Mas a Secretaria Especial dos Direitos Humanos não discute as estratégias e fica num caminho só, que não conduz a nada, pois tinha que haver um conjunto de caminhos”.