Artigo: Valor à liberdade

segunda-feira, 06 de agosto de 2001 às 02:29


por José Carlos Sousa Silva

A liberdade é um bem jurídico e por isso mesmo tutelado por lei. Qualquer limitação ou restrição ao seu pleno exercício é censurável, estará sujeita ao exame judicial. Não é uma coisa. É um valor que integra um conjunto de elementos que compõem a felicidade da pessoa.

No plano subjetivo, intimamente vinculada à consciência, à vontade, tem a sua importância traduzida na manifestação do pensamento, das idéias, discordância, da reclamação, do protesto e da irresignação.

No plano objetivo, vinculada à movimentação corpórea, de ir e vir, expressa na locomoção, é indispensável para a felicidade da pessoa. Neste caso como no outro, tem o seu disciplinamento em leis diversas.

É evidente que o seu grande valor depende muito do nível cultural das pessoas. Tem tratamento especial em todos os sistemas jurídicos democráticos.

A grande dificuldade é saber se todos seres humanos merecem ou podem exercer plenamente a liberdade.

Nós conhecemos realmente o ser humano? Este ente, criado por Deus, é ou não complexo? É componente de matéria e espírito, diante do qual Sócrates recomendou: “ Conhece-te a ti mesmo”. A seguir, Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, São Tomás, Descartes, Kant, Hegel, Max e Heidegger estudaram-no e ainda não é conhecido inteiramente.
O ser humano usa todos os dias o termo liberdade, referindo-se a amor, ódio, paz, justiça e tempo, como querendo uma causa, motivo, finalidade e solução ou resposta para tudo que pensa, diz e faz.

Por isso, a liberdade é disciplinada, regulada em normas diversas.

O legislador deu-lhe tratamento merecido, mas nem sempre o julgador trata-a adequadamente. Abandona-a muitas vêzes para fazer prevalecer o excesso de formalismo, preferindo solução contra ela, levando o seu titular ao desespero.

Não é sem motivo que a Constituição explicita: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantia, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.”

Além dessas normas, há outras em nossa Constituição protegendo a liberdade. Em consonância com as mesmas, há ainda uma em que se afirma que ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Isso significa que não basta prender o acusado de prática de infração penal. É preciso que seja julgado e só será considerado culpado, portanto, depois que da sentença condenatória não houver mais recurso.

Não tem sido assim o tratamento freqüente que vem sendo dado a alguns acusados no Brasil. De repente, seu nome é apresentado na grande imprensa como um verdadeiro culpado, quando nem sequer foi interrogado.

Por outro lado, se preso de forma provisória, em flagrante ou preventivamente, por qualquer motivo, é colocado na cadeia como se estivesse com sentença penal condenatória com trânsito em julgado, permanecendo nessa situação durante meses, enfim, anos.

Esse fato, por si só, caracteriza constrangimento ilegal à liberdade de locomoção do preso, que tem o direito de ver a sua situação resolvida através de uma sentença definitiva.

A liberdade não merece ser tratada como elemento sem importância para o ser humano, mesmo se tratando do mais cruel dos criminosos.

O Código de Processo Penal estabelece, em vários de seus artigos, prazos, que começam da denuncia até a sentença definitiva. O descumprimento desses prazos caracteriza o excesso de prazo para a formação da culpa, motivo ensejador da concessão de habeas corpus, o que tem sido pouco concedido em nosso País. Por quê ? Falta de compreensão do verdadeiro valor à liberdade.

José Carlos Sousa Silva é advogado, Mestre em Direito e Conselheiro Federal da OAB

E-Mail: jcss@elo.com.br

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Agosto de 2001