Nilton Correia deixa Abrat criticando súmula vinculante
Brasília, 07/11/2004 - Após dois anos à frente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat), Nilton Correia deixa o cargo amanhã (08) passando a presidência ao advogado Osvaldo Sirota Rotbande, atual vice-presidente nacional da entidade. Com a certeza de missão cumprida, Correia afirma que a Abrat está alcançando reconhecimento nacional e internacional, o que foi possível com alguns dos projetos desenvolvidos em sua gestão. No que se refere às questões relativas à Justiça do Trabalho, o advogado afirma que os juízes estão mais atentos às demandas e dispostos a preservar os direitos trabalhistas. Nilton Correia, diplomado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, membro da Associação Americana de Juristas (AAJ) e fundador da Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho, é contra a instituição da súmula vinculante, acreditando que esta será um desestímulo à criação do Direito, e preocupa-se com a proliferação dos cursos jurídicos no País.
Em entrevista à jornalista Simone Garrafiel, do Jornal do Commércio, Nilton Correia faz um balanço de sua gestão e dá opinião sobre questões relacionadas ao Direito do Trabalho.
P- O senhor está encerrando sua gestão, após dois anos à frente da Abrat. Que projetos puderam ser desenvolvidos, efetivamente?
R- Tivemos crescimento, nesses dois anos. A Abrat credenciou-se como entidade de conquistas, apoiada em fundamentos legais sustentados com seriedade e qualidade. Ativamos nossas relações com a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e com a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra). Também nos assentamos no exterior, definitivamente. Estamos presentes na Associação Latinoamericana de Advogados Laboralistas (Alal) e na Associação Americana de Juristas (AAJ). Fomos para a Europa, onde constituímos a Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho, em julho deste ano, em Portugal. Junto ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) tivemos presença marcante, requerendo revisão de súmulas e postulando melhorias em geral para a advocacia trabalhista. Com a Caixa Econômica Federal selamos acordo para lançarmos, em breve, o cartão CEF/Abrat, com o qual o advogado trabalhista poderá realizar pagamento de custas e depósitos judiciais e receber alvará eletrônico e que poderá servir como instrumento de credenciamento de petições virtuais para a Justiça. Por fim, cercamos todo o País com entidades de advogados trabalhistas.
P- Algum plano deixado para o próximo gestor?
R- Temos a proposta de fundar entidades conjuntas no México e na Bolívia. Nossa pretensão, porém, está em criar o que temos chamado de Mercosul Laboral, uma grande entidade envolvendo os advogados laborais de todos os países subscritores do Mercosul. Deixamos definida a edição de uma revista bimensal, a ser editada em conjunto com a editora Genesis, do Paraná.
P- Na sua opinião, é possível falarmos em nova postura da Justiça do Trabalho?
R- Sim, sem dúvida. A administração do ministro Francisco Fausto foi marcante nesse ponto e a gestão do ministro Vantuil Abdala, presidente do TST, tem seguido o mesmo caminho. As preocupações do ministro Abdala estão na celeridade processual e na conclusão das execuções que se arrastam imensamente. Os juízes estão mais atentos às demandas e mais dispostos a preservar os direitos trabalhistas, em especial os direitos fundamentais. Hoje, estamos discutindo a respeito da saúde do trabalhador, do meio ambiente, do trabalho a distância e outros fatores.
P- Quando do avanço da discussão da reforma do Judiciário, na CCJ do Senado, quanto à instituição da súmula vinculante, a Abrat encaminhou um ofício à OAB, solicitando que o Conselho Federal fosse acionado para impedir sua aprovação. Que restrições o senhor observa, caso a súmula vinculante seja aprovada?
R- Já estava acertado, desde longa data, que, aprovada ou não a súmula vinculante, determinados temas não seriam por ela alcançados, em face da sua constante alternância. Ficou estabelecido que o Direito do Trabalho, o Previdenciário e o Tributário não seriam submetidos a restrições das súmulas vinculantes. Porém, fomos surpreendidos, no Senado Federal, com a inserção da matéria trabalhista, pelo próprio TST. Com a súmula, vamos transformar os juízes em recebedores de papéis para conferir qual súmula se aplica ao caso específico que está em julgamento. O Direito nasce do debate e renasce todos os dias no primeiro grau, com a militância do advogado e com o pensamento novo do juiz que está olhando o povo. Em pouco tempo não necessitaremos de juízes e advogados. Com a súmula, o Estado poderá abrir um setor, com ares cartoriais, para proceder a conferência. A súmula vinculante vai desestimular a criação do Direito, vai engessar o Judiciário.
P- A Abrat encaminhou à OAB um documento solicitando a alteração dos currículos dos cursos jurídicos, objetivando a dar ao estudante mais material de Direito Constitucional. Como o senhor avalia, de maneira geral, os cursos de Direito brasileiros?
R- A proliferação ilimitada de cursos jurídicos no País provocou enorme lesão à cultura jurídica. Não temos quantidade de professores para tantas escolas, que se multiplicam, nos últimos anos. Estamos correndo o risco de formar maus profissionais, que irão realizar um péssimo serviço. Os cursos jurídicos do País têm uma deformação de origem, porque, como o Direito teve desenvolvimento na área privada, em especial no Direito Civil, a ele devotamos toda a atenção. Durante quatro anos, o aluno recebe informações da área privada e, em apenas um, quando muito, recebe formação pública. Pregamos a inversão, ou seja, o aluno tem que receber formação social, conhecer o direito público, que interessa às comunidades e, em complemento, saber do direito privado. Nossa proposta foi bem acolhida e enviada ao MEC.
P- O ministro Vantuil Abdala é contra a flexibilização das leis trabalhistas, acreditando que é necessário uma limitação das propostas apresentadas. O senhor concorda com a posição do ministro? Quais seriam as propostas da Abrat para esse projeto de flexibilização?
R - A flexibilização teria que ser entendida como amoldamento de uma norma velha a uma circunstância atual, atualizando o dispositivo jurídico aos dias presentes. Ninguém é contra essa "flexibilização", que seria atualização. Tanto que a CLT é um dos documentos mais atuais do País, após mais de 900 alterações sofridas. Porém, não é isso que ocorre. A flexibilização no Brasil virou sinônimo de precarização, de redução de direitos, o que é inaceitável, até porque não há mais o que retirar, já que são poucos os direitos que restaram. Essa flexibilização é rejeitada pelos advogados, pelos procuradores e pelos juízes, como por qualquer pessoa que pense em algo mais além do lucro.
P - Qual é a avaliação do senhor em relação à Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT)? Precisaria ser revista em algum ponto?
R - A CLT tornou-se um documento novo, porque foi submetida a alterações. A revisão, creio, seria mais na parte sindical. Veja, por exemplo, que, na área processual, a CLT exportou modelo para o Código de Processo Civil, que se reformou para adotar medidas processuais trabalhistas. Logo, é um documento jurídico atual.
P - O Governo federal enviará um projeto de lei com a proposta de fomento das microempresas, em detrimento de direitos do trabalhador, como o FGTS e as férias. Como o senhor avalia esse projeto?
R - De péssimos gosto e propósito. Não queremos emprego a qualquer custo, mas emprego com dignidade. As empresas, em especial as micro e médias, merecem atenção do Estado, sim, mas no âmbito fiscal, retirando delas o custo tributário excessivo e, sobretudo, tirar da folha de pagamento despesas que nada têm a ver com o trabalhador. O projeto vai criar uma graduação de operários: aqueles de boa empresa, que terão direitos, e, de outro lado, os que serão empregados de empresas "pobres", os quais terão poucos direitos.
P - Alguns magistrados são a favor da diminuição das horas extras, em uma tentativa de aumentar os postos de trabalho. A Abrat é a favor dessa proposição?
R - Postos de trabalho têm que ser conseguidos com o crescimento econômico. A Abrat é favorável à eliminação da jornada extra, tanto porque disponibiliza os postos de trabalho que estão sendo ocupados por quem está trabalhando em excesso, quanto pelo aspecto da saúde do operário. O problema é que a jornada de trabalho extra é barata no Brasil, o que a torna vantajosa e comercialmente atrativa para o empresário. A proposta da Abrat apresentada na Comissão de Reforma Trabalhista, da Câmara dos Deputados, sugere, primeiro, penalizar de forma severa o empregador que exige a produção constante de jornada extraordinária, proibindo seu acesso a programas governamentais, por exemplo. Segundo, atribuir àquele empregador o custo pela preservação da saúde do trabalhador acometido de doença por conseqüência do excesso de jornada.
P - Que outras propostas valeriam para o aumento do emprego no Brasil?
R - Renovo que é o crescimento econômico, em especial. A eliminação da jornada extra também é uma providência suplementar, assim como a formalização dos empregos ditos informais, a eliminação de fraudes, como as praticadas pelas cooperativas de mão-de-obra, ou a imposição de transformar seres humanos em pessoas jurídicas, criando empresas individuais falsas, entre outras ações. Mas sem crescimento econômico será impossível pensarmos em ampliação do campo de trabalho.
P - Como o senhor vê a terceirização nas empresas? É uma forma legal de geração de empregos?
R - A terceirização pode ser importante e, mais que isso, necessária para várias empresas. Um hospital, por exemplo, tem que cuidar da parte médica, seus equipamentos, seus instrumentos, seu corpo profissional, e, não, da vigilância ou dos serviços de conservação. Uma imobiliária não precisa ter um quadro de pintores, para, de vez em quando, pintar salas e quartos de imóveis que irá alugar. Enfim, esses serviços, que são episódicos, que não são próprios da atividade essencial da empresa, podem ser terceirizados, desde que a contratante se ajuste com empresas que serão contratadas, as quais, acredita-se, devam ser empresas sérias e qualificadas.
P - Como o senhor avalia o quadro atual das terceirizações no Brasil?
R - Existem deformações na terceirização. Há desvios de finalidade. Empresas contratam profissionais para jornadas longas, com salários fora de mercado. O que temos é mero aluguel de seres humanos. Ora, se o cidadão vai trabalhar na atividade-fim do seu empregador, porque toda essa volta, de ser contratado por uma empresa que o colocará à disposição de outra? Há um projeto de lei, do deputado Sandro Mabel, que propõe a legalização dessa fraude, desse desvio de finalidade, o que constitui um absurdo. Convida-se o Congresso Nacional para deliberar contra o povo, contra o ser humano. Isso é provocativo, com o desejo de pôr em risco o Estado de Direito, no qual as pessoas devem ser tratadas como pessoas.
P - Qual sua opinião sobre a exigência de uma certidão negativa de débito trabalhista, para corrigir uma distorção das atuais regras que regulam os negócios com a administração pública?
R - Elaboramos um manifesto a favor da certidão e pedimos o apoio do Conselho Federal da OAB. É uma medida de extrema importância. Uma empresa não pode produzir sucessivas lesões aos seres humanos e ao Direito e ainda obter, por exemplo, financiamento público. Ora, o dinheiro popular estaria servindo para agressões. Desejamos que a Certidão obstrua a presença dessas empresas, em qualquer veículo, até que elas se eduquem e admitam que viver em sociedade é, principalmente, viver com dignidade.