Abrat: Neoliberalismo destruiu dois séculos de conquistas

quinta-feira, 04 de novembro de 2004 às 07:21

Brasília, 04/11/2004 - O presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat), Nilton Correia, abriu há pouco a 26ª edição do Congresso Nacional de Advogados Trabalhistas (Conat), em Brasília, com a afirmação de que o neoliberalismo destruiu dois séculos de conquistas sociais, transformando o país em um grande supermercado. “Isso nos leva a ter de ouvir barbaridades como, por exemplo, a de que retiram direitos dos trabalhadores para o bem deles mesmos, em atenção e por proteção deles”, afirmou Nilton Correia. “É esse o Direito que queremos? O direito de não termos direitos?”

Com a afirmação, Nilton Correia declarou aberto o congresso que reunirá 400 advogados em torno do debate das reformas sindical e trabalhista, hoje sob estudo no Fórum Nacional do Trabalho. Advogados de todo o país e mais de trinta palestrantes nacionais e internacionais estarão reunidos até o próximo sábado (06) no Hotel Nacional, examinado propostas para as reformas e discutindo os novos rumos do Direito do Trabalho, sob o tema “O Direito que Queremos”.

O discurso de Nilton Correia teve o tom de agradecimento, já que ele deixa a Presidência da Abrat no próximo sábado, quando será empossada a nova diretoria da entidade. Agradeceu principalmente à diretoria que o acompanhou à frente da Abrat nos últimos três anos, ao presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Vantuil Abdala, e aos dirigentes das entidades que, segundo ele, contribuíram para a história de 26 anos da Abrat. Entre eles, citou os presidentes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato; da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), procurador Sebastião Vieira Caixeta; da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), juiz Grijalbo Fernandes Coutinho; e, por fim, a procuradora-geral do Trabalho, Sandra Lia Simon.

Sua fala teve também tom desafiador. Na abertura do congresso, Nilton Correia afirmou que o Direito que todos querem é aquele que jamais permite a precarização do ser humano e não acolhe negociações perversas. E afirmou que a existência do Direito do Trabalho estará amplamente justificada enquanto a balança da Justiça pender somente para o lado do empregador.

“O Direito que queremos é aquele que tenha gente dentro de suas normas e não apenas índices, números, estatísticas, siglas imperfeitas”, afirmou ele. E nem queremos tantas coisas, acrescentou o presidente da Abrat. “O que queremos é um direito que não apenas assegure a mundialização da economia, mas que também nos forneça a globalização da solidariedade”.

Ele concluiu o discurso de abertura do evento rememorando a frase do jurista Seabra Fagundes, de que “um mundo de intolerância e, por isso mesmo, propenso às injustiças, faz avultar a significação do advogado”.

Veja a seguir a íntegra do discurso do presidente da Abrat na abertura do XXVI Conat:

Amigos, aqui estamos, no XXVI Congresso Nacional de Advogados Trabalhistas. Quero iniciar repetindo o que disse inúmeras vezes nos nossos mais diversos encontros estaduais: somos a única categoria que, incansavelmente, discute amplamente o direito com que atua, debate com a maior amplidão possível todos os seus pontos, quesitos, virtudes e deficiências; somos, os trabalhistas, os laboralistas, os únicos que estão completamente organizados, vertical e horizontalmente. Tudo isso enche de orgulho a quem preside as entidades locais e a federal ABRAT, mas, também, lhes transfere uma quantidade enorme de obrigações e responsabilidades.

Esse é o último congresso nacional que dirigirei na qualidade de Presidente da ABRAT. E não devo começar a dizer nada sem primeiro declarar gratidões. Reconhecer e agradecer estão na personalidade dos que são solidários. Tenho vários agradecimentos para manifestar, porém aqui, nesse ato, eu os resumirei a 06 agradecimentos. Dois são internos, voltados para a ABRAT; três são externos a ABRAT; e um é apenas meio externo.

Entre os internos, o primeiro, disparadamente, é o agradecimento que devo a diretoria. Formamos, Presidente e Diretores, um grupo inteiramente plural, portadores de uma vastidão de concepções, porém, um grupo intensamente homogêneo pelo menos em três itens: (1º) conduta ética, profissional e social; (2º) homogeneidade no nosso comprometimento com o engrandecimento do nosso País; (3º) sólida uniformidade na defesa do ser humano e, aqui, até com merecida e justa intransigência.

A vocês minha reconhecida e pública gratidão.

O segundo agradecimento, entre os internos, dirijo a todos os Presidentes das associações locais filiadas a ABRAT, pela contribuição constante que deram ao crescimento da nossa entidade, justamente eles que estão, diariamente, em contato direto e pessoal com nossos associados. As associações locais foram fundamentais em todos os debates, em todos os encontros e seus respectivos presidentes demonstraram não somente liderança, mas imensa compreensão associativa. Nosso agradecimento.

Os externos são três e começo agradecendo ao TST, que nos deu imenso apoio e facilitou, em tudo quanto foi possível, a vida do advogado trabalhista; convidou a ABRAT para todos os seus eventos e acolheu muitas das nossas propostas, tanto na administração do Ministro Francisco Fausto, quanto na atual administração do Ministro Vantuil Abdala. Foram muitos os requerimentos formulados ao longo desses dois anos e até agora na saída. Fica nosso agradecimento ao TST e ao Ministro Vantuil Abdala.

Os outros dois posso englobar para dizer que em determinado dia descobrimos que era uma enorme bobagem advogados, procuradores e juízes estarem agindo separadamente e, do nada, decidimos dar-nos as mãos, donde emergiu uma comunhão de irmãos, todos convergindo, afastando as questões corporativas. Começava a parceria que, hoje, parece indestrutível. A ABRAT junta-se a essa espetacular Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho – ANPT, hoje presidida pelo fantástico Procurador Dr. Sebastião Vieira Caixeta. Temos conquistado memoráveis vitórias, porque juntos; temos conquistado forte amizade, porque juntos na mesma trincheira, na mesma boa luta. Devo fazer justiça às administrações anteriores da ANPT, por certo, e mencionar que a atual Procuradora-Geral do Trabalho, Dra. Sandra Lia Simón, que exerce hoje uma espontânea e natural liderança sobre todos nós, inclusive sobre os advogados, enquanto diretora da ANPT, anos antes, desenvolveu bastante essa aproximação.

Igualmente assim ocorreu com a ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, com a qual temos constantes contatos e na administração do notável juiz Grijalbo Fernandes Coutinho esse estreitamento, esse laço de união ficou mais firme, justamente com Grijalbo, que sempre foi visto pelos advogados trabalhistas como um exemplo de magistrado. A partir da nossa memorável vitória contra o projeto de lei que reformava o art. 618, da CLT, nunca mais nos distanciamos e, juntos, temos conseguido sucessivos êxitos dentro e fora do Congresso Nacional.

Ficam aqui os agradecimentos da ABRAT também a ANPT e a ANAMATRA.

Por fim, o sexto agradecimento. Como disse, um órgão apenas meio externo: nosso Conselho Federal da OAB. Por vezes estivemos muito próximos do Conselho Federal, por vezes bem distantes, até que nos cercarmos da compreensão de que nossas entidades, a ABRAT e todas as demais associações, têm sentido exatamente dentro da organicidade da OAB, mantidas indiscutivelmente suas respectivas independências e autonomias. As divergências, que certamente existirão, deverão ser esgotadas no foro interno e o Conselho Federal nunca se distanciou das discussões postas por quaisquer entidades da advocacia ou mesmo por advogados individualmente. Concluídas as discussões em nossos fóruns, a posição da advocacia somente pode ser uma. Agimos assim com o atual Conselho Federal. Tivemos discrepâncias, sim. Tivemos espaço para debater. Tivemos voz para convencer. Mas quando não conseguimos e foram poucas as vezes saímos às ruas com uma única posição.

O atual Presidente da ORDEM, dr. Roberto Antonio Busato, jamais mediu esforços para atender a advocacia trabalhista, como também tem sido um parceiro completo na defesa dos direitos sociais e contra a precarização da vida do trabalhador nesse País. Foi um parceiro intenso junto ao Congresso Nacional, nos conduzindo à Frente Parlamentar dos Advogados, cujo Presidente é o brilhante Deputado Federal Luiz Piauhylino; foi um parceiro pronto junto a todos os tribunais, sempre ao nosso lado, inclusive e sobretudo perante o TST, nos dando uma colaboração profícua como ocorreu, por exemplo, na espetacular decisão do TST pelo cancelamento da Orientação Jurisprudencial nº 320, dos Protocolos Integrados, de triste memória para toda a advocacia.

Em todos os congressos de que participei, falei do Conselho Federal, mencionei a postura de suas deliberações e as vantagens dela para a categoria, e fiz, repetidas vezes, menção a manifestações públicas do nosso Presidente Busato.

Fica, portanto, até por lealdade, nossa gratidão ao máximo órgão, à nossa querida entidade maior, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, entidade defensora das liberdades, dos direitos fundamentais e do estado democrático social de direito.

Queridos colegas, advogados trabalhistas, e convidados em geral.

Assumir a Presidência de uma entidade como a ABRAT é algo honroso pelo cargo, agradável pelo companheirismo, porém, traumático pelos encargos que transfere, tantos e incontáveis, que cria uma exótica contabilidade funcional, de maneira que desde o dia da posse já nos tornamos proprietários de um enorme passivo de atividades. E se começa a trabalhar, sem cessar, para reduzir a dívida funcional, o passivo de ações a adotar, porque se não corrermos muito ele aumenta e se torna um fardo impossível de ser carregado. É pesado. Muito pesado. Se não fosse por um grupo fantástico como é esse, o composto por advogados trabalhistas, que consegue dar leveza e beleza a essa atividade, essa seria uma tarefa muito mais difícil do que efetivamente é.

Tristes estaríamos, porém, só se ao final do jogo verificássemos que não houve pontuação.

Dessa tristeza, eu, como Presidente, e todos os diretores estamos liberados.

Pontuamos. E pontuamos muito, além do que nós tínhamos como meta. Foi com sacrifício, é verdade!, mas não existe alegria nas vitórias sem ele. Afinal, sacrifício e advocacia sempre estiveram juntos: estão aí os prazos, os telefonemas que não findam dos clientes dos processos que não findam, as execuções que adormecem e os direitos que não acordam. Mas será mesmo um sacrifício nos colocarmos no meio de uma imensa batalha de conquistas sociais, que valorizam e dignificam o ser humano? Ou será que fazemos isso com um enorme prazer, porque é nessa luta, nesse embate, diário, constante, perseguindo vitória após vitória, que encontramos a verdadeira fonte do direito? O direito que queremos não é o direito que vem das conquistas?

Nessa solenidade não é hora e nem local para prestarmos conta, mas queremos informar que a ABRAT atingiu a mesma posição na qual estão todas as entidades que merecem respeito e admiração. Exportamos qualidade e seriedade. Hoje, por exemplo, um vice-presidente regional da ABRAT é o Secretário-Geral do Conselho Federal da OAB, Dr. Cezar Britto; outro diretor é o Presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, nosso querido IAB, o Dr. Celso Soares; outro assumiu a Presidência da ALAL - Associação Latinoamericana de Advogados Laboralistas, Dr. Luis Carlos Moro; o sempre ativo Reginald Felker, também nosso diretor, assumiu a Equipo Federal del Trabajo; entre outros.

A ABRAT está presente na América Latina, desde o Centro até o Sul.

Hoje, nesse Congresso Nacional ouso lançar a idéia de termos já um “MERCOSUL JURÍDICO”, uma entidade composta por advogados dos países que integram o Mercosul, para que, desde logo, tenhamos condições de manter os direitos trabalhistas da população que integra essa comunidade.

Levamos a ABRAT à Europa, ao apoiar a criação da Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho. E temos propostas de colegas do México e da Espanha para com eles formarmos entidades binacionais.

São sinais do respeito e da admiração que o mundo passou a ter pela advocacia trabalhista brasileira.

Mérito de vocês!

Outra meta que cumprimos foi a instalação de associação de advogados trabalhistas em todos os estados brasileiros. Todos. Não falta mais nenhum.

Agora é ora de iniciar uma nova fase. Teremos uma revista bimestral, que está sendo ajustada com a Genesis. Levaremos a todos os estados cursos de prática jurídica e de ética social, que estão sendo definidos com a própria Genesis e com a LTr. E vamos parar de discutir o acesso a Justiça para iniciar o acesso ao direito, porque o povo desconhece os seus direitos.

Vamos avançar mais na entrega de serviços para o advogado trabalhista. O Hotel Nacional, por exemplo, firmará conosco um convênio mantendo o preço promocional desse CONAT por mais um ano, desde que seja apresentada a carteira de advogado ligado a qualquer uma das nossas associações.

E com a CEF estamos estudando, com trabalhos avançados, a criação do CARTÃO AFINIDADE CEF/ABRAT, com o qual poderemos efetuar pagamento de custas e depósitos judiciais, depósitos recursais, receber alvará eletrônico e ainda obter, com o mesmo cartão, a certificação eletrônica do peticionamento através da informática. Isso revolucionará o serviço do advogado trabalhista em todo o País e desde já conclamamos todos a uma redobrada atenção a esse serviço que a CEF vai nos oferecer.

Nessas condições é que aqui chegamos para discutir o direito que queremos.

Para tanto convidamos colegas da Argentina, o notável Teodoro Sánchez de Bustamante; da República Dominicana, funcionário concursado da OIT, Christian Ramos Veloz; do nosso irmão Portugal, o colega Amaro Jorge, da encantadora e intelectual Coimbra. Do Brasil formamos um extraordinário conjunto de juristas que debaterão conosco diversos temas. Tudo com qualidade, com enorme dedicação, com imenso carinho para dar a esse Plenário o melhor possível. A ABRAT agradece a todos os convidados por terem aceito o convite para esse debate.

A união e a solidariedade formam as marcas características da advocacia trabalhista. Estamos sempre juntos, solidários, amigos.

Colegas, estamos vivendo hoje no meio de um turbilhão de problemas. O neoliberalismo destruiu dois séculos de conquistas sociais e nos transformou em um grande supermercado. Hoje nos convertemos todos em “desempregados do bem-estar” (Michel Bon).

Os meios de comunicação criam padrões que uniformizam todos os seres humanos.

Isso nos leva, mais rapidamente, a subalternização do conhecimento e, pior, de um conhecimento hegemônico, e nos obriga a assistir a fusão da pedagogia com o alicate e ter de ouvir barbaridades como, por exemplo, a de que retiram direitos dos trabalhadores para o bem deles mesmo, em atenção e por proteção deles...

É esse o direito que queremos? O direito de não termos direitos?

Nosso Congresso adotou como marca os “Dois Candangos”, homenagem de Brasília aos milhares de operários que edificaram essa cidade. Aos milhões de “candangos”, do Brasil e do mundo, pretendemos dar atenção. Poucos percebem a importância da posição dos “Dois Candangos” na Praça dos Três Poderes; eles estão no centro da Praça, como a distribuir poderes ao Executivo, Legislativo e Judiciário, cujos poderes retornam aos Dois Candangos, obrigatoriamente.

O Direito Que Queremos é aquele que tenha gente dentro das normas, e não apenas índices, números, estatísticas, siglas imperfeitas. O Direito Que Queremos é aquele que atenda aos Candangos, fonte única do próprio direito.

O Direito do Trabalho Que Queremos é aquele que só se justifica enquanto se considerar que na balança o fiel pende para o lado do empregador.

O Direito Que Queremos é o que liberte os condenados às ruas, que o Frei Betto diz que são os “seres humanos que se misturam com sucatas, insetos e lixo, degradados em sua dignidade”.

O Direito Que Queremos é o que respeite as diferenças e jamais permita a precarização do ser humano e nem acolha negociações perversas, porque, usando as expressões de Daniel Roche: “Minha imaginação não consegue ver juntos aqueles que empunham a vara e os que a sofrem, sem pensar num bando de águias submetido ao domínio de perus”.

O Direito Que Queremos é o direito que seja como a ABRAT, um instrumento de enlace com a sociedade.

O Direito Que Queremos é o direito à fraternidade, a amizade, o direito como instrumento de justiça efetiva.

O Direito Que Queremos é aquele que trate o trabalhador como um cidadão verdadeiro e não fictício.

E nem queremos tantas coisas, pois o que queremos é um direito que não apenas assegure a mundialização da economia, mas que também nos forneça a globalização da solidariedade.

Queridos colegas, advogados trabalhistas, por dois dias vocês estarão aqui, reunidos com um grupo notável de juristas para indicarem ao País o direito que querem.

O que quero agora é terminar, mas o faço como comecei, com agradecimento; porém, nesse momento, um agradecimento difuso, ao Plenário, a todos os Plenários de que participei, que sempre acolheu a ABRAT, as propostas da ABRAT, os convites da ABRAT, que me acolheram e aos nossos diretores. Por todos esses Plenários é que nos dedicamos tanto. Se mais não fizemos foi por impossível. A nossa gratidão a todos vocês, que nos segue em todos os Congressos.

Permitam-me ao concluir lembrar de um excepcional advogado, o jurista Seabra Fagundes, que no dia de sua posse no IAB, lembrava aos seus colegas que “um mundo de intolerância e, por isso mesmo, propenso às injustiças, FAZ AVULTAR A SIGNIFICAÇÃO DO ADVOGADO”.

Temos, portanto, uma imensa responsabilidade com os dias em que ora vivemos. Cada passo dado deverá ser muito seguro, certo e justo.

Porque, afinal, caros amigos, o direito que queremos mesmo é o de sonhar um sonho que um direito teremos o direito que queremos.

Muito obrigado.

NILTON CORREIA
Presidente da ABRAT